DGTL São Paulo Foto: Pedro Fatore/Divulgação

“A sustentabilidade do DGTL não acaba no dia 19”: como o festival quer mudar o olhar sobre o tema no Brasil

Jota Wagner
Por Jota Wagner

Diretor de sustentabilidade da Be On Entertainment explica as ações ecológicas e os principais desafios para mudar a cultura no país; DGTL São Paulo rola neste sábado (18)

Mais cedo, publicamos o papo que Flávio Lerner bateu com Du Serena sobre curadoria e produção do DGTL São Paulo — evento que desde o ano passado é tocado pela marca holandesa DGTL ao lado da produtora brasileira Be On Entertainment.

Para além da inclusão, da infraestrutura e do design de luz, citados por Du, outro dos pilares do DGTL — tanto na Holanda quanto no Brasil — é a sustentabilidade, tema sobre o qual a label se orgulha em ser vanguardista, e tem trazido projetos cada vez mais ambiciosos. Para se ter uma ideia, a matriz, em Amsterdã, é considerada o primeiro festival 100% circular do mundo.

Para entender melhor como funciona essa operação, conversei com Breno Prince, diretor de sustentabilidade da Be On. O DGTL São Paulo rola neste sábado, no Complexo Canindé.

Jota Wagner: No release sobre sustentabilidade, vocês falam bastante em circularidade. O que exatamente é esse conceito?

Breno Prince: Eu gosto de explicar circularidade pelo oposto dela, que é a linearidade. Uma economia linear é um produto que tem um começo, um meio e um fim. A circularidade parte do princípio de entender que os processos não tenham um fim. Que a gente consiga reutilizar o material para uma nova finalidade, dando um novo propósito a ele.

É usar, por exemplo, uma garrafa da Heineken como um vaso de flor, ou então fazer a logística reversa, trazer de volta esse vidro para a fábrica, para que ele seja reutilizado.

Circularidade é entender que todo o material que a gente tem no festival pode ser reaproveitado, e tem que ser desviado do aterro. A gente tem uma meta nesta edição de ter uma taxa de desvio de aterro de acima de 92%, e aí a gente cria processos para reutilização de vários materiais, inclusive móveis e carpetes.

É possível ter um evento sustentável com dez mil pessoas aglomeradas?

Não só é possível como a gente já tem conseguido alguns resultados muito legais. Temos um trabalho que já vem sendo desenvolvido há mais ou menos uns dois anos, e a cada edição, a gente começa a acreditar mais.

Por que a gente gosta de trabalhar com eventos? Porque são momentos de ápice de felicidade, que também podem ser usados para trazer uma mensagem de sustentabilidade.

Com a Be On, a gente hoje está em 85% de taxa de desvio de aterro. O Solomun foi um evento em que a gente conseguiu 96% de desvio de aterro, justamente por conta desses cuidados na fase de planejamento. Por exemplo, no DGTL São Paulo não vai ter garrafas long neck e nem latinha de cerveja, que são os maiores responsáveis pelos resíduos de festivais. A gente substituiu tudo isso pelo chope e o copo retornável.

Assim que o cliente chegar, ele vai comprar por três reais um copo da Heineken, que vai ser usado durante todo o festival. Ao fim, ele devolve esse copo, para que a gente consiga fazer a higienização e usá-lo em outro evento. Só com isso a gente já reduz um peso estimado em quase sete toneladas de resíduo.

 

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E na questão da energia, tem algo que vocês tão fazendo? Até porque, esse é o assunto da vez, né? (Risos)

De fato (risos)! A gente tem estimulado bastante a transição energética. Temos uma parceria com a BYD, que é uma empresa muito grande, com todas as linhas de produção focadas para a energia renovável. A meta é bem ambiciosa: diminuir um grau na temperatura do globo através das ações deles.

Eles são produtores de painéis solares, de grandes, de inversores, de cabeamento de estrutura, de veículos elétricos… Entraram como uma parceria muito forte, para que a gente consiga também levantar essa pauta.

Qual a porcentagem do DGTL que vai ser que vai ser usada para esse tipo de energia?

Vai ser cerca de 4% do festival, e a ideia é ir aumentando a cada vez mais. Hoje, o Brasil se destaca muito por ter uma matriz elétrica renovável. Cerca de 70% da nossa matriz proveniente é a matriz elétrica, de fontes renováveis. Então, usar a rede é algo super positivo em termos de neutralização de emissões de CO2.

Uma vez que eu conseguisse usar um evento inteiro sem precisar de um gerador, eu estaria economizando cerca de 15 toneladas de emissão de CO2 na atmosfera.

Mas ainda não é uma realidade [no Brasil]. Estamos trabalhando nessa parte de eficiência energética para diminuir o nosso uso de geradores. A gente vai ter um monitoramento muito efetivo e, inclusive, em tempo real, em que o público vai poder acompanhar junto conosco a carga e a demanda de energia que o evento está puxando. Isso vai nos ajudar a diminuir o uso de geradores e fazer a transição para fontes renováveis.

DGTL São Paulo

DGTL São Paulo 2022. Foto: Pedro Fatore/Divulgação

Falando de Brasil, quais são as maiores dificuldades que vocês têm enfrentado?

Temos uma barreira técnica muito grande em termos de infraestrutura, principalmente no quesito energético. Os geradores ao menos podiam ser a diesel, para ter um impacto menor, por exemplo.

E tem barreiras financeiras. A sustentabilidade ainda não é encarada da forma como deveria ser. Estamos trazendo o DGTL como um processo de criação cultural de sustentabilidade em eventos.

Aos poucos, vamos trazendo para o nosso lado patrocinadores, empresas, para começar a quebrar essas barreiras. No DGTL em Amsterdã, por exemplo, você não tem lixeiras, só estações de reciclagem. Estamos começando a implementar essa ideia no Brasil, mas por enquanto, juntos delas, ainda precisamos manter as lixeiras, por uma questão cultural.

 

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Eu, inclusive, estava conversando sobre isso com os idealizadores do plano de sustentabilidade lá de Amsterdã. O plano desta edição é 70/30: reproduzir 70% das ações do que acontece no festival na Holanda, entendendo que esses 30% são um gap técnico cultural que a gente ainda tem. Não dá pra dar equivalência às duas edições.

E a gente vai preencher esse gap com outras ações que são mais apropriadas à nossa realidade, olhando para o social, com dois projetos em São Paulo: o Gaia, que arrecada e distribui alimentos para comunidades, e o Techno na Quebrada, uma oficina de DJs como forma de manifesto e de luta contra a realidade das periferias. Dentro deles, temos ações de educação ambiental, fazendo plantio de árvores junto com as crianças.

Ou seja, a sustentabilidade do DGTL não acaba no dia 19. É um processo de construção de legado que se inicia e que só vai terminar no em novembro de 2024, quando a gente vai ter uma nova edição.

Como tem rolado o diálogo sobre sustentabilidade com o poder público?

Temos visto uma sensibilização muito grande por parte do poder público. Inclusive, há umas duas semanas atrás, foi aprovada uma lei em São Paulo obrigando todo o evento a ter uma gestão de resíduos sólidos. Já é um grande começo. Agora, a distância pro ótimo ainda é muito grande. A gente entende que o poder público poderia, sim, se envolver mais, na medida de desenvolver a metodologia de incentivo para que isso aconteça.

Como a gente rompe com o grande limitante, que é a barreira técnico-cultural? Através de uma política pública, né? Fazemos um esforço muito grande pelo lado das empresas privadas, que têm, sim, uma responsabilidade muito grande. Mas quem tem uma responsabilidade maior ainda é o poder público, e ele pode ditar as regras de como tudo isso vai acontecer.

Vou te dar um exemplo de receita de sucesso. Um dos festivais que a gente organizou foi o Sounds of Quartzo, que acontece para 1.500 pessoas na Chapada dos Veadeiros, em Alto Paraíso de Goiás. É uma região extremamente sensível, uma área de preservação permanente, com três mil cachoeiras e um raio de 100km; uma área que tem uma população muito politizada. 30% dessa população são de estrangeiros que vieram para o Brasil em defesa de causas naturais, de um modo de vida mais sustentável. É a galera que é chata, no bom sentido.

O Universo Paralello começou lá, e saiu porque a população embarreirou. Trancendence foi lá, tomaram uma multa ambiental porque não fizeram um processo direito. E o Sounds of Quartzo foi um festival em que a gente teve essa preocupação de envolver todas as lideranças privadas: associações de turismo, de comerciantes, dos pousadeiros…

E também toda a máquina pública. Tivemos do nosso lado a Secretaria de Meio Ambiente, a Secretaria de Turismo, a Secretaria de Cultura… Todos fizeram um esforço muito grande pra que a gente conseguisse desenvolver um projeto legal, que deu super certo.

Disso, saiu o manual de como fazer eventos na Chapada dos Veadeiros, projeto de lei que está rodando na câmara de Alto Paraíso.

Jota Wagner

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é repórter especial de cultura no Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.

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