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Fenômeno ANNA: remix de Depeche Mode, presença nos 3 dias de Tomorrowland, álbum de ambient music e outras conquistas desse talento nacional

DJ ANNA em seu estúdio, Anaweh

Tudo nasceu de um desafio lançado pelo pai, dono de uma boate no interior de São Paulo: “se você não está gostando do som do DJ residente, por que não vai lá e toca?”. Assim, aos 14 anos de idade, começou a ser desenhada a história de Ana Lídia Flores Miranda, filha do empresário Bira, dono da boate Six, em Amparo (SP) e também no Rio de Janeiro.

Ela começou tocando na pista pop do clube, então lá foi ela aprender a mixar axé e outras músicas da moda num CD-J 100 (que era o aparelho que os DJs usavam para mixar CDs na época). Mas o que ela queria mesmo era tocar na pista underground, onde se apresentavam DJs renomados, como Marky e Ricardo Guedes.

Corta para junho de 2023 e Ana Lídia agora é conhecida mundialmente sob o nome ANNA e acaba de assinar um remix para o novo álbum de uma das maiores bandas da música eletrônica de todos os tempos, o Depeche Mode.

Essa trajetória é digna de um roteiro de série, mas vou dar um spoiler da vida real por aqui. Entre a boate Six e o remix para o Depeche Mode, ANNA se tornou uma baita DJ, treinando diariamente por 10 horas tocando com vinis, ganhou prêmios, como este do BRMC em 2016 e o WME em 2019, se tornou produtora de faixas lançadas por grandes selos internacionais, fez colaborações com nomes gigantes da música eletrônica, saiu do Brasil em 2015 para morar em Barcelona, montou um estúdio profissional, fez masterclasses de mais de 10 horas de duração, tocou em festivais como Movement Detroit, Tomorrowland Bélgica e Coachella, além de estrelar cabines mundo afora. Ufa.

Parece rápido contando assim por bullet points, mas esse caminhada aconteceu ao longo de 20 anos.

DJ ANNA entre os ídolos Dave Gahan e Martin Gore. Foto Acervo Pessoal

MY COSMOS IS MINE

ANNA foi convidada para remixar a faixa My Cosmos Is Mine do novo álbum do Depeche Mode, Memento Mori. A faixa foi disponibilizada mundialmente neste mês e arrancou elogios da dupla de ataque, Dave Gahan e Martin Gore. Ouça.

ANNA criou uma versão totalmente pista, com a sua cara, potente e etérea, combinada com os vocais únicos de Gahan. Esta é a segunda colaboração dela com Martin Gore, membro do Depeche Mode: o convite foi fruto de outro trabalho de sucesso, feito em um projeto solo do cantor, um remix para a música Howler.

“Por mais que a gente veja a carreira progredindo, quando um convites desses tão grande aparece é meio que um baque. É um reconhecimento, você olha pra trás e vê tudo o que você construiu ano a ano, o que você foi aprendendo, estudando. Fiquei muito feliz e muito grata. Ter ido encontrá-los foi um presente por todos esses anos de perseverança”, disse a DJ e produtora, que é também a única artista a ter sido escalada para os três dias de festival Tomorrowland Brasil, que acontece em outubro. E ainda teve álbum autoral lançado por ela este ano,

MULHERES NO TOPO

ANNA foi uma das primeiras produtoras musicais do mundo a ter três faixas ao mesmo tempo no top 10 do Beatport, a maior loja de música digital voltada ao universo da música eletrônica, isso lá em 2016. Também foi a primeira a receber três dos maiores prêmios (melhor DJ, melhor faixa e melhor produtora) num mesmo ano na Rio Music Conference, uma das conferências que marcaram época no Brasil, também em 2016. Ela foi pioneira em muita coisa dentro da cena techno e por isso claro que enfrentou machismo. Ela sente que os tempos estão mudando, graças à ascensão de muitas mulheres, como ela, ao topo do Olímpo da música eletrônica.

“Tem muito machismo ainda na cena, a mulher sofre preconceito, tem que se provar muito mais. Mas acho que esse paradigma está mudando. As mulheres estão se unindo mais, mais mulheres se atravem a entrar nessa indústria, mesmo que com um pouco de receio. Quanto mais mulheres no topo, tendo sucesso, mostrando o trabalho, fazendo masterclasses, dando curso de produção, esse paradigma automaticamente cai”, argumenta a DJ e produtora, que atualmente vive em Lisboa com o companheiro.

Nesse movimento de se cercar de mulheres e ativar o “uma puxa a outra” num círculo virtuoso, ANNA está com nova representação no Brasil, a cargo de Monique Dardenne, que você já conhece por aqui das colunas de lançamento e também como uma das criadoras do Women’s Music Event. Não se trata de nepotismo, pois está mais do que comprovada a competência da Monique, mas olha que coincidência do destino: elas são primas de primeiro grau.

É tanto orgulho dessa amparense que a gente quis saber mais detalhes sobre esse momento especial de sua carreira. Vamos de entrevista, mas antes pode botar esse lindo mix que a ANNA fez para o Essential Mix da BBC Radio 1, o programa mais desejado entre DJs de todo o mundo.

Music Non Stop – Esse convite pra remixar Depeche funciona como uma reafirmação do seu talento e habilidade como produtora musical?

ANNA – Fiquei muito feliz. Eu já tinha trabalhado com o Martin Gore. A primeira vez que ele me chamou pra remixar uma música dele eu nem acreditei, pensei ‘como ele chegou até mim’. Por mais que a gente veja a carreira progredindo, quando um convites desses, tão grande, aparece é meio que um baque. É um reconhecimento, você olha pra trás e vê tudo o que você construiu ano a ano, o que você foi aprendendo, estudando. Fiquei muito feliz e muito grata. Ter ido encontrá-los foi um presente por todos esses anos de perseverança. Foi uma afirmação e um presente.

Music Non Stop – Você sente que esse convite, entre tantos outros vindos de grandes artistas homens do mercado da música, ajudam a jogar no lixo definitivamente a figura da produtora que precisava de ghosts (porque é o que se costuma insinuar quando encontram uma grande produtora mulher)?

DJ ANNA em seu estúdio, Anaweh

ANNA – Especialmente o meu nicho é uma indústria ainda muito masculina. A maior parte de artistas em destaque são homens. E tem muito machismo ainda na cena, a mulher sofre com preconceito, tem que se provar muito mais. Mas acho que esse paradigma está mudando. As mulheres estão se unindo mais, mais mulheres se atravem a entrar nessa indústria, mesmo que com um pouco de receio. Quanto mais mulheres no topo, tendo sucesso, mostrando o trabalho, fazendo masterclasses, dando curso de produção, esse paradigma automaticamente cai. Essa história de que mulher precisa de ghost producer ou que não sabe mixar está caindo por água abaixo. Acho que uma história de sucesso inspira muito gente a entrar na indústria.

Music Non Stop – Queria saber a emoção que você sentiu quando recebeu o convite do Depeche? E como foi encontrar com eles?

ANNA – Fiquei extremamente feliz. Eu já tinha trabalhando com o Martin Gore há dois anos e não imaginava que tão cedo ia receber um convite pra trabalhar com o Depeche. Eles estão fazendo turnê no mundo inteiro. Inicialmente eles me convidaram para remixar outra música, eu tava remixando ela e quando ouvi My Cosmos Is Mine fiquei apaixonada pela música e mandei uma mensagem pra equipe deles perguntando se eu poderia remixá-la. Todo mundo adorou a música. Depeche Mode é referência e inspiração pra todo mundo que ama música eletrônica.

ANNA na sessão de fotos para o lançamento do álbum Intentions. Foto: Divulgação

Music Non Stop – Você também lançou um disco, Intentions, uma viagem mais para o ambient. Esse disco veio de sua relação com a handpan ou foi um processo mais de cura, busca pela meditação e wellness de quem vive e trabalha na noite/aeroportos/gigs e precisa de um time out?

ANNA – Lancei o Intentions, que é totalmente o oposto do som pelo qual eu sou conhecida, que é club music underground. Esse é um projeto de som ambiente, misturado com cura sonora. Não tem nada a ver com a minha relação com handpan, mas vem de uma busca pessoal minha, que começou em 2017, quando eu tive uma experiência que marcou a minha vida, como eu percebo a realidade e minha relação com o universo. Isso é um processo que continua até hoje, só vai expandindo e me mudando como pessoa e também mudou a minha relação com a música, como eu crio música. Esse álbum é o resultado disso. Durante a pandemia eu parei na minha casa, não tava trabalhando tanto nem viajando, foi quando esse projeto pôde sair. Toda a ideia, conceito, parcerias, tudo aconteceu muito naturalmente, foi um flow. As emoções, desde 2017, culminou com esse lançamento agora em 2023. Foi resultado de muita meditação, busca interna e uma descoberta do que eu sou mesmo em essência.

   Ouça Intentions – ANNA

Music Non Stop – O mercado vem mudando bastante no que diz respeito à entrada de muitas mulheres na cena musical, especialmente na eletrônica. O que você acha que tem motivado essa mudança?

ANNA – Acho que tem muito mais mulheres no topo, em posição de destaque na nossa cena. O fato de termos iniciativas como o WME, por exemplo, que é a união das mulheres da indústria, uma enaltecendo o talento da outra, e não em competição, isso forma um espaço seguro, em que a mulher sente que ela é protegida nessa cena, que ela não vai ser desmerecida, por ser uma indústria tão machista. Acho que a união das mulheres, esse espírito de união em vez de competição, está contribuindo para mais mulheres se destacarem. Quanto mais mulheres se atrevem a ser produtoras, DJs, engenheiras, as chances aumentam muito. Esse esforço de trazer mais equilíbrio para line-ups também ajudou muito nos últimos anos. Com isso, muito mais mulheres conseguem atingir o sucesso.

DJ ANNA no estúdio com seus brinquedinhos. Foto: Divulgação

Music Non Stop – Depois do Depeche, qual seria outro sonho realizado em termos de collab/remix?

ANNA – Sinceramente, não sei. Acho que não tenho mais uma collab que eu tenha em mente. Por exemplo, o Jon Hopkins, nunca pensei que iria trabalhar com ele, e aconteceu. East Forest, a mesma coisa. Depeche, igualmente. Deixo na mão do universo. Vou dizer um nome, que é o Nils Frahm, que é um artista de ambient music, meu artista favorito do momento. Nunca pensei em colaborar com ele porque não acho possível, mas vou deixar aí, na mão do universo.

Music Non Stop – Conta um pouco sobre seu home studio, você faz todas as suas produção nele? Quais são os principais “brinquedinhos” que você está usando neste momento?

ANNA – Não tenho um home studio, tenho um estúdio profissional, que é o Anaweh Studio, um estúdio grande até, tem bastante equipamento. Temos quase 2 mil alunos, já fizemos uma masterclass de quase 10 horas de conteúdo. Então meu estúdio é em parceria com o meu parceiro, o Wehbba. Se eu tenho alguma ideia quando estou em turnê, faço rapidinho no laptop, mas todo o meu trabalho é feito no Anaweh. A gente vem investindo há muitos anos em hardware e em equipamentos de estúdio para melhorar a qualidade do som. Um synth que eu gosto muito é o Moog One, da Moog, e a Analog Rhythm, da Elektron, uma bateria eletrônica que dá pra fazer tudo nela. Esses dois equipamentos eu não vivo sem.

Music Non Stop – Você é a única atração do Tomorrowland Brasil que irá tocar nos três dias de festival. Como fica o seu coração com essa notícia?

ANNA – Fiquei muito feliz. É um festival que o Brasil inteiro ama muito, esgotaram 180 mil ingressos em três horas. Estar ali representando o Brasil, sendo uma brasileira, tendo reconhecimento do festival… Tocar em três palcos diferentes e sentir a energia do festival com o público do meu país. Foi maravilhoso, mal posso esperar.

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