Eliana Pittman. Crédito de Murilo Alvesso

Eliana Pittman. Conversamos com a rainha de tudo: do jazz, do carimbó, do samba e estrela do WME Awards

Amanda Sousa
Por Amanda Sousa

Brilhando nos palcos, em formato híbrido, e valorizando diversos estilos musicais, os shows da noite desta terça-feira, 8, do WME Arwards ficam por conta de Raquel Virgínia (As Baías), Tássia Reis, Preta Gil, MC Tha, Luísa Sonza, Agnes Nunes, Majur, Tulipa Ruiz, Maria Gadú, Assucena Assucena (As Baías), Karol Conka, MC Rebecca, Mc Mari, Mc Drika, Lara Silva, Tainá Costa, Drik Barbosa, Souto MCDaniela Mercury e Eliana Pitmann, nossa entrevistada de hoje. As artistas se dividem em oito apresentações inéditas que acontecem no auditório do Ibirapuera, . Agora, acompanhem o nosso bate-papo com a cantora e atriz Eliana Pittman.

Se eu começar este texto contando sobre Eliana Leite da Silva, pode ser que você fique algum tempo buscando na memória quem é. Agora, se eu falar que vou começar a contar a história de Eliana Pittman pode ser isso já te transporte para o mundo do samba, do jazz, do carimbó e se lembre de Booker Pittman – ou mestre ‘Buca’ – apelido dado por Pixinguinha. Acertei? Que delícia, né, lembrar do americano/brasileiro mestre do sopro e de sua incrível relação natural com o saxofone e o clarinete. É impossível falar de Eliana Pittman sem falar de  Booker Pittman, que era neto do educador e líder-afro-americano Booker Taliaferro Washiington, fundador da primeira universidade para negros em Tunskegee, no Alabama. Booker tinha espírito andarilho, com uma adoração para a estrada e rodou tanto por aí que nem tinha residência fixa. Tanto tempo na estrada o levou ao mundo das drogas e bebidas. O excesso foi até tema de uma reportagem na revista O Cruzeiro, sobre ele sendo resgatado do vício no Paraná, vindo da Argentina. A incrível história chamou a atenção da mãe de Eliana Pittman, que leu a reportagem e é aí que a história começa a ficar boa!

Eliana Pittman nasceu no Rio de Janeiro no dia 14 de agosto de 1945. É filha de mãe paulista com pai gaúcho e morava em São Paulo. Dona Ofélia, sua mãe, era cabeleireira, costureira e uma líder negra da cidade e seu marido, Orlando Francisco da Silva, era muito mulherengo, a relação entre eles estava ficando um pouco estremecida quando, em 1948, a cidade se preparava para receber um dos principais nomes do jazz, Louis Armstrong, no Teatro Paramount. Armstrong convidou também Booker Pittman para subir aos palcos (eles eram grandes amigos de juventude). Ofélia foi à apresentação e levou sua filha, Eliana e, mesmo com os solos incríveis de Armstrong, foi em Booker Pittman que Ofélia focou no fim do show, preocupada com o saxofonista.

“Minha mãe não sabia nada de inglês mas mesmo assim foi falar com o Pittman. Nessa época a relação dela com o meu pai estava abalada, meu pai era muito namorador, sabe? Conversaram, marcaram um encontro e eu não sei como, mas minha mãe namorou Booker atrás da igreja da Consolação durante seis meses, sem ninguém saber de nada. Depois desses encontros, minha mãe me levou para conhecê-lo e queria a minha aprovação, mesmo sabendo que Booker não queria relacionamento. Eu tinha 11 anos e só estudava.”

Eles se acertaram e foram morar no bairro Bosque da Saúde em 1957/1958. Dona Ofélia, que nunca tinha pisado numa boate, passou a frequentar esses locais sempre, acompanhando Booker. Tanto que começou a exigir desses lugares que eles dessem uma estrutura melhor para Booker e que começassem a pagá-lo pelas apresentações. Isso fez com que Ofélia se tornasse, além de esposa, empresária de Booker

Em 1961, o embaixador americano do Rio de Janeiro ia promover um evento para receber a banda dos fuzileiros navais americanos e Booker foi convidado a tocar com a sua banda e Eliana conta que havia rumores de que a cantora do conjunto era muito paqueradora e isso incomodava um pouco o embaixador. “Ele então, pediu para que outra pessoa cantasse no lugar dela. Foi aí que ele me convidou para cantar, me ensaiou. O trecho que eu cantaria seria assim: “mama don’t want no music play here.” Acontece que houve uma fatalidade, o avião caiu e o show não aconteceu. Eliana, já ensaiada, foi convidada a acompanhar o padrasto em shows na TV, cantou no programa de rádio de César de Alencar na Rádio Nacional no susto e passou a cantar também em standards de jazz, com 16 anos.

“Eu não tinha ideia da grandiosidade do Booker Pittman e ele me ensinou, com a maior humildade do mundo, tudo o que ele sabia. Ele foi o meu pai artístico, pai espiritual, uma pessoa muito forte que Deus colocou na minha vida.” 

Eliana com seu pai adotivo, o saxofonista americano Booker Pittman. Foto reprodução

Samba e Bossa Nova

Rodou o mundo com o pai adotivo e nos Estados Unidos fez apresentações coast to coast, cursos com mestres do show business como Fred Steal, aulas de dança com Sammy Davis Jr, apresentações na televisão com Jack Parr, um dos maiores apresentadores da NBC americana. Sua estrela brilhou mais ainda quando a bossa nova estava virando um fenômeno no Brasil e ela já tinha gravado, ao lado de Booker Pittman, um dos primeiros discos do gênero – New Sound Brazil Bossa Nova. Através de Jack Parr, foi contratada pela agência artística William Morris e pelo Playboy Club. Reconhecida pela crítica e aplaudida pelo público norte-americano, transformou-se numa das maiores surpresas da MPB, além de um tipo de intérprete única, no país, da música americana. Em 1965 Booker fez um alerta a Eliana, dizendo que ela precisava saber quem ela era e o convidou para ir ao carnaval no Brasil.

“Booker percebeu que eu estava seguindo para uma carreira estrangeira e me perguntou se era isso mesmo o que eu queria. Disse que eu precisava me decidir e que, para ajudar nisso, voltaríamos ao Brasil para ver uma escola de samba. Minha mãe nunca tinha visto uma escola de samba antes.”

Quando Eliana foi, finalmente, prestigiar uma escola de samba, deu de cara com a Estação primeira de Mangueira cantando Monteiro Lobato na avenida Presidente Vargas, no Rio. Sem pensar duas vezes, ela disse que queria gravar aquela música, mas a gravadora disse que aquilo era coisa de favelado, de morro. Mas Eliana, mesmo não tendo o reconhecimento devido hoje em dia, gravou e esta é a primeira gravação de samba-enredo que existe no Brasil

“Como eu não tinha experiência não trouxe pra dentro do estúdio a bateria da escola. Também ia dar um puta rolo, porque não existia técnica de gravar tambor e tamborim. Gravei com sopros. Mas se eu pudesse regressar eu levaria de algum jeito a bateria para dentro do estúdio, porque bateria igual a da Mangueira não existe!”

Em 1967 Booker Pittman descobriu que tinha câncer de laringe e nos últimos dois anos e meio que ele estava doente, Eliana foi cantar na Espanha, em Portugal e sempre trabalhou. Booker se tratou em São Paulo, porque era onde tinha o melhor tratamento na época, com Cobalto. Mas, em 13 de outubro de 1969 ele morreu. 

Geraldo Azevedo

Nessa época, enquanto a Tropicália modernizava o Brasil, Marcos Lázaro conseguiu a TV do Jornal do Commércio e todo domingo Eliana ia para Recife, gravar. Ao final das gravações, era comum ir para os barzinhos que ferviam. Num desses rolês, Eliana se deparou com Geraldo Azevedo tocando. Voltou para o Rio de Janeiro e sua mãe, que tinha um ouvido musical muito forte, alertou: “Eliana, aquele rapaz lá…” Então Eliana telefonou para todos os barzinhos da região em volta do hotel, de um por um, até conseguir o endereço, com o intuito de trazê-lo para tocar em seu show.

“Mandei um telegrama e passagens para ele vir para o Rio. Na data da chegada dele, fui com minha mãe para o aeroporto. Ela não se lembrava da cara dele, eu também não. Eu disse que se chegar um cara magrinho, com um violão debaixo do braço seria ele. Aí chega aquele rapaz, muito magrinho, com um violão e uma sacola com roupas. Era ele, era o Geraldo Azevedo.” 

No disco Ao Vivo, de 1968, Eliana Pittman incluiu a primeira composição dele, Aquela Rosa (em parceria com Carlos Fernando). Canta a marcha de bloco (lançada por Teca Calazans em 1967). Em agosto deste ano (2020), Eliana foi convidada para um reencontro virtual com Geraldo no programa da Globo, Conversa com Bial e Eliana conta que a produção encontrou uma gravação da apresentação na TV Excelsior, em 1963 no programa O Rio é o Show. “Esse vídeo é lindo, são imagens maravilhosas minhas e do Booker. Eu até cheguei a pedir o arquivo para a Globo, mas eles são um pouco egoístas, né? Não custava nada.” 

Em Momento 68, Eliane cantou com Lennie Dale, Caetano, Gil, Walmor e Raul Cortez, Momento 68 foi o evento ao vivo mais caro já realizado no país até então, com temporadas em Rio e São Paulo mais passagens por outras capitais brasileiras e cidades do exterior como Montevidéu (Uruguai), Buenos Aires (Argentina) e Lisboa (Portugal).

Pinduca

Por volta de 1974, durante uma apresentação no Maranhão, Eliana ouviu pela primeira vez um tipo de música que lhe chamou a atenção: era o carimbó do Pará, na voz de Pinduca, durante um passeio à Praia do Olho D’Água. Ela gostou e foi perguntar para a atendente do quiosque onde tocava o LP se ela poderia vendê-lo. “Não vendo, não dou e não empresto”, foi a resposta. O namorado de Eliana, que morava em São Paulo, descobriu uma loja na Avenida São João que vendia discos de artistas do Norte e do Nordeste e comprou tudo o que havia de Pinduca. A cantora ouviu os discos do paraense e quis gravar Sinhá Pureza e Carimbó do mato. Como as letras eram curtas, teve a ideia de uni-las na mesma faixa. “No que juntei, não achei justo, para uma coisa tão brasileira, chamar de pot-pourri de carimbó“. Incluída em Tô chegando, já cheguei (1974), único Disco de Ouro da cantora, Mistura de carimbó fez enorme sucesso nas rádios.

Eliana e Roberto Carlos

Quando Roberto Carlos começou a cantar na boate Plaza, Booker já estava lá e Eliana e eles se cruzaram algumas vezes, mas nunca chegaram a ser amigos. Eliana gravou a música Abandono (1974), que ganhou do cantor e compositor brasileiro Ivor Lancelloti. Logo depois, Ivor foi para Los Angeles e o Roberto Carlos estava gravando lá. Ivor apresentou a música e Roberto gostou. O único problema é o que todos nós já sabemos: O Rei odeia regravações. Mesmo assim, Ivor seguiu e Roberto Carlos lançou a música Abandono. “Meu sonho é que o Roberto se convença de que ele tem que cantar essa música um dia, comigo.”

Capa da Revista Intervalo – a primeira revista de TV que surgiu no Brasil em 1950. Nessa época as novelas começaram a ganhar destaque, mas eram os programas musicais que mais faziam sucesso. Na capa: Eliana Pittman e Roberto Carlos

Hoje em dia

No ano passado (2019) Eliana Pittman se preparava para circular pelo país com o repertório do seu álbum Hoje, Ontem e Sempre (2019) produzido por Thiago Marques Luiz mas, por conta da pandemia, o desejo precisou ser adiado. O álbum começou de um convite do Sesc para cantar com um balé da periferia de São Paulo. O repertório é  abrangente e vai de O Morro Não Tem Vez (Carlos Lyra/Vinicius de Moraes), ao argentino Fito Paez (Yo Vengo a Oferecer Mi Corazón), Chico César (Onde Andará o Meu Amor), Candeia (Preciso Me Encontrar), Ex-Amor (Martinho da Vila, e mais cinco canções, das quais a mais manjada é Drão, de Gilberto Gil. De bônus, traz a gravação inédita de um show em Paris, em 1970, formado majoritariamente por standards da bossa-nova, mais Aquele Abraço, de Gil, e Ponteio, de Edu Lobo. O álbum está disponível nas principais plataformas de streamming

No encarte de fotos do CD há uma imagem imagem na qual Eliana encabeça um elenco formado pelos atores Walmor Chagas e Raul Cortez, o bailarino Lennie Dale e os jovens músicos Caetano Veloso e Gilberto Gil, no espetáculo Momento 68. Já em 2020 lança o disco As Divas do Sambalanço, dedicado exclusivamente ao gênero, em que Eliana divide as interpretações com Claudette Soares e Doris Monteiro.

No último dia 24 de outubro Eliana foi convidada a fazer uma apresentação especial no Teatro Rival Refit, no Rio de Janeiro, para apresentar canções de seu álbum Hoje, Ontem e Sempre. O trio de músicos foi formado por Jimmy Santa Cruz (contrabaixo), Victor Betrami (bateria) e Sérgio Pinheiro (teclado). O show foi transmitido no Youtube do teatro e sobre essa re-adaptação parece não incomodar e muito menos intimidar a cantora.

“Foi totalmente diferente, lógico, porque o teatro estava com todas as cadeiras vazias. Eu até pedi para a produção desligar as luzes da plateia para eu não olhar para aquela cena melancólica. Mas é certo que a gente precisa se reinventar como artista e acredito que essa pandemia veio para nos mostrar isso também e nivelou todo mundo por baixo. Precisamos todos buscar novas inspirações, nos modernizar, repensar e aprimorar as nossas apresentações.”

 

Eliana Pittman. Crédito Murilo Alvesso

Carreira de atriz

Eliana Pittman sempre gostou de uma câmera e fez diversos trabalhos televisivos. Participou de filmes estrangeiros e Jubiabá (1987), filme franco-brasileiro escrito e dirigido por Nelson Pereira dos Santos, baseado no romance homônimo de Jorge Amado. 

Na globo participou de novelas como Malhação, em 1995,  América em 2005, Tempos Modernos em 2010 e Sangue Bom em 2013. Em 2009 participou da série Preamar, da Pindorama filmes, que estreou em 2012 pela HBO Brasil

Seu trabalho televisivo mais recente foi a participação na segunda temporada da série Coisa Mais Linda (2020) da Netflix. Eliana interpreta Elza Ferreira, mãe de Capitão (Ícaro Silva) e sogra de Adélia (Pathy Dejesus) e rouba todas as cenas em que aparece.

WME

Na terça-feira, 8, Eliana Pittman participa do WME Awards  – o primeiro prêmio de música brasileira dedicado às mulheres. Eliana divide o palco com Raquel Virgínia (As Baías), Eliana Pitmann, Tássia Reis, Preta Gil, MC Tha, Luísa Sonza, Agnes Nunes, Majur, Tulipa Ruiz, Maria Gadú, Assucena Assucena (As Baías), Karol Conka, MC Rebecca, Mc Mari, Mc Drika, Lara Silva, Tainá Costa, Drik Barbosa, Souto MC e Daniela Mercury. A apresentação acontece no Auditório Ibirapuera e, pela segunda vez, será televisionada pela TNT, o canal das premiações. Respeitando as medidas de isolamento da Organização Mundial de Saúde, a 4ª edição da cerimônia será realizada sem a presença de público. As cantoras Preta Gil e Karol Conká serão as grandes anfitriãs da noite, responsáveis pela apresentação das vencedoras.  Sobre o convite, Eliana disse que ficou muito surpresa.

“Foi uma grande alegria quando eu recebi o convite para participar desta edição desse prêmio tão importante para a representatividade das mulheres na música brasileira. Ainda mais para homenagear a rainha Alcione! A organização é impecável, a Claudia Assef e Monique Dardenne conduzem de forma brilhante toda a direção.”

Amanda Sousa

Amanda Sousa é mãe, feminista, tem 30 anos e é formada em Comunicação Social. Natural de São Paulo, atualmente mora em Jundiaí. É apaixonada por música desde que se entende por gente. Vai do punk ao pop, gosta de descobrir sons em todas as vertentes.