Compton Foto: Johnathan Kaufman [via Unsplash]

Compton: Como uma cidade de 90 mil habitantes se tornou um vulcão musical

Jota Wagner
Por Jota Wagner

A resposta é seca e direta, como muita coisa em Compton: fúria

Muitas qualidades chamaram a atenção do grupo Paris Texas durante sua última passagem pelo Brasil, no C6 Fest 2024: a mistura de influências adicionadas ao rap dos meninos, a apresentação furiosa, conquistando a galera desde a primeira música, e o fato deles, também, serem de Compton, cidade ao sul de Los Angeles, considerado um dos berços do rap dos Estados Unidos, terra natal de astros como Kendrick Lamar, Dr. Dre, N.W.A. e muitos outros, mesmo tendo pouco mais de 90 mil habitantes. Como dizemos por aqui, Compton é um “ovo”.

Como explicar que um lugar tão pequeno possa reunir tantos artistas per capta? A resposta é direta e seca, como muita coisa em Compton: fúria.

Apesar de ser uma das cidades mais antigas dos Estados Unidos, o crescimento de Compton estacionou na história, enquanto via a vizinha Los Angeles se tornar uma megalópole. Isso não a impediu, porém, de se tornar o lugar mais violento do país. Pequena no tamanho, mas enorme na ira, impulsionada pelo racismo e pela desigualdade. A vizinhança protagonizou a segunda maior revolta contra a polícia da história do país, o Tumulto de Watts, em 1965, e participou ativamente da primeira maior, o Tumulto de Los Angeles, em 1992. Ambas as erupções sociais tiveram como causa a violência de policiais brancos contra jovens negros.

A esse teatro de guerra, um novo e distorcido cenário foi criado a partir da década de 80. A desigualdade social plantou na cabeça dos jovens a fantasia de que seus verdadeiros inimigos eram seus iguais. A pequena cidade se dividiu entre duas gangues de áreas geográficas diferentes, os Bloods e os Cribs, rivais mortais. Mais um dado demográfico contribui para tentar compreender um pouco a alta temperatura do lugar: Compton é a cidade mais jovem do país, com média de 25 anos entre os habitantes. Dez a menos do que o restante dos Estados Unidos.

A pouca idade dos moradores de Compton aliada à opressão da violência e da desigualdade social foram os fertilizantes para fecundar a terra do hip-hop. Jovens viram nas rimas do rap a válvula de escape para dar vazão às suas ideias.

Artistas nascidos e criados em Compton ganharam o mundo expondo sua realidade. As dificuldades da quebrada e da vida no crime. Ferozes, ruidosos e com zero papas na língua, a geração do gangsta rap primeiro chocou a sociedade que havia decidido fechar os olhos para o que acontecia na vida das comunidades mais carentes. Quando álbuns de sucesso do N.W.A., como Straight Outta Compton, de 1998, invadiram os lares dos Estados Unidos, ficou impossível se fingir de morto.

E o barulho causado por esta geração com seu rap de tumulto deu resultados. Da revolta inicio dos primeiros nomes do gangsta de Compton até o animado e solar Paris Texas, muita coisa mudou. O barulho causado pela molecada levantou discussões, fez com que todos se voltassem para aquela cidadela em guerra e tomassem alguma atitude. Seja pelo chacoalhão nas autoridades, seja pela conscientização da própria juventude que se reconheceu no rap de seu bairro, a real é que os índices de homicídios em Compton caíram para mais da metade nos dias de hoje, e a cidade já entregou faz tempo o troféu de mais violenta dos Estados Unidos.

E Compton não deixou para o mundo somente astros da música. As irmãs tenistas Serena e Venus Williams são um exemplo. Porém, nem mesmo as esportistas escaparam da violência que assolou a cidade em épocas passadas. Sua terceira irmã, Yetunde, foi assassinada a tiros em 2003, quando passava de carro pelo local onde as irmãs costumavam treinar. Mas, como já vimos, os rappers da cidade não deixam passar nada em branco. O rapper The Game compôs e gravou a música Dreams em sua homenagem, e a incluiu no álbum The Documentary, lançado em 2005.

Jota Wagner

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é repórter especial de cultura no Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.

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