Como nós estamos nos relacionando com o tempo? Lalai Person dá dicas em sua coluna direto de Berlim.

Jota Wagner
Por Jota Wagner

Quanto tempo o tempo tem

A Revista Gama publicou um especial sobre o tempo para responder porque ele anda tão escasso.“Pode parecer até um certo lugar comum dizer que somos muito mais ocupados hoje do que no passado, mas, de acordo com a psicóloga e escritora Claudia Hammond, essa afirmação não é necessariamente verdadeira. Segundo ela, as pesquisas feitas na década de 1950 sobre o uso do tempo não tinham resultados muito diferentes de estudos recentes a respeito do tema, feitos antes da pandemia.”

A pandemia alterou nossa percepção do tempo a partir do momento em que a vida pessoal, social e profissional se juntaram no mesmo espaço: a nossa casa. Você já se perguntou o que perdeu e/ou ganhou quando deixou de usar parte do seu dia com deslocamento para ir e voltar do trabalho, a pausa para o cafezinho ou cigarro e a saída pro almoço? Pois faça… talvez você se surpreenda ao ver o quanto perdemos com a falta dessas trocas.

Não há como falar sobre esse assunto sem mencionar o Gustavo Nogueira, meu sábio amigo viajante do tempo, que passa a vida estudando o tema. Ele fez uma palestra no TEDxRio para dar dicas de como podemos lidar melhor com o tempo, esse faceiro. Na abertura ele já provoca citando Carlo Rovelli (de A ordem do tempo): “Para sair do buraco negro, você precisa se mover para o presente e não para o futuro. E aí, você está vivendo para o futuro ou no presente? Mas afinal, quanto tempo o tempo tem é a questão principal desse documentário na Netflix.

O tempo e o bem-estar

A genial Lidia Zuin escreveu um dos melhores artigos que li sobre a indústria wellness. Em a positividade tóxica dos coaches de bem estar, ela usa o livro “A Sociedade do Cansaço”, de Byung-Chul Han, como fio condutor para questionar se essa cultura da positividade não faz a gente dizer sim pra tudo. Voltamos às nossas cobranças de sermos cada vez mais produtivos “explorando a si mesmo até se esgotar (burnout)….. Se éramos proibidos a algo, hoje somos incentivados: é sempre possível conquistar uma versão melhor de si mesmo, o que significa, portanto, que nunca ninguém será bom o suficiente, afinal, não podemos parar nunca.” Para ir mais a fundo no assunto, recomendo a série Indústria da Cura.

E onde fica a nossa diversão nessa vida super produtiva e nesse mundo em que precisamos ser cada vez mais perfeitos? Esse longo texto da Vox procurar responder o que é diversão hoje em dia, pois em tempos de pandemia “tudo o que você costumava recorrer porque era divertido ou não está mais disponível ou está de um jeito tão diferente que você ainda não se acostumou a ele. E se você está se divertindo, quanto tempo leva para que a culpa apareça?”.

Eu deixei de tentar ser eficiente e produtiva o tempo todo. Estou aprendendo a dizer não (lembram do livro “Essencialismo” que eu falei aqui?) e aos poucos abro mão de atividades que não me acrescentam nada, nem mesmo prazer. Agora eu tenho tempo livre e estou aprendendo a saber o que fazer com ele. Tenho pedalado por horas, lido bastante ou feito minhas audições de álbuns na íntegra sem qualquer distração.

2020 tem sido para mim um ano cíclico ao invés de linear. Às vezes mal me lembro em que mês estamos. Meu dia tem girado mais em torno da luz do dia do que pelo relógio, pelo menos enquanto é possível, mas em breve não será mais. Aos poucos vou me cobrando menos. Você sabe o que faria se trabalhasse apenas quatro horas por dia?

Música para inspirar e relaxar

Contemplation, de Hélène Vogelsinger, vai ser o álbum mais bonito que você vai ouvir hoje

Uma das coisas mais bonitas que vi nos últimos tempos foi “Reminiscence”, uma apresentação da compositora francesa Hélène Vogelsinger com seus sintetizadores modulares no meio de um castelo abandonado. Hélène explora lugares abandonados para criar sua música. Para ela, a energia e as histórias vividas por pessoas que passaram nesses espaços a ajudam a criar momentos imersivos cheios de poesia e melancolia. Eu me emocionei. Por aqui ela conseguiu me suspender no tempo.

Outra apresentação belíssima é da Ellen Fullman com um instrumento de corda único, que tem quase 16 metros de extensão, construído por ela no início dos anos 1980. Seu trabalho reside nos campos da arte sonora e da música. Esse longo instrumento permite Ellen combinar a sua arte com atividades cotidianas como caminhar, transformando suas apresentações numa performance única.

As mulheres estão no pioneirismo da música eletrônica e aos poucos elas vão ganhando seus devidos créditos. O festival Sheffield Doc/Fest está exibindo essa semana alguns filmes que contam esse lado da história. Underplayed é outro documentário sobre a mulher na dance music e mostra o sexismo que ainda existe nessa indústria.

Esses dois filmes me remeteram ao Top100 DJs da DJ Mag, que recentemente apresentou a sua lista dos 100 maiores DJs do mundo. Li bastante por aí que a lista está incrível, mas sabe quantas mulheres temos nela? Apenas 11. Num dos artigos que vi, eu li o autor se mostrando surpreso e feliz com a quantidade de mulheres na lista e enumera 10 e “muitas outras”. Então, são apenas 11.

O Brian Eno deu uma entrevista ao NYTimes sobre sua nova compilação “Brian Eno – Film Music, 1976-2020”. Nela, ele discute sobre a música ambiente como funcional e se o que faz é criar experiências musicais. Também discorre como começou a produzir música ambiente, sobre seu processo de criação de trilhas para filmes e, por fim, afirma que a pandemia o deixou dois meses sem produzir nada fazendo-o pensar se seria a hora de se aposentar ou fazer outras coisas: “É muito boa a ideia de que você acabou de fazer algo ao invés de esgotá-la, que é o que normalmente acontece. Você apenas toma uma decisão e diz: É isso, agora vou trabalhar em outras coisas”. Ele anda cogitando escrever um livro.

Para entender melhor o surgimento e a história da música ambiente, eu recomendo o episódio “O que é música ambiente, proposta de Brian Eno”, no podcast Escuta, do Nexo Jornal.

Ainda no tema música ambiente, o compositor Auntie Flor criou a estação de rádio Ambient Flo com transmissão 24 horas por dia e com foco em três pontos: música, saúde e economia justa. A cada mês um novo curador é convidado. O primeiro foi o JD Twitch (Optimo), mas Shanti Celeste e Nicola Cruz estão na lista de próximos convidados. Uma das coisas que achei genial é que sempre tem uma música tocando e um outro player com sons da natureza, como pássaros. É possível remixá-las.

Eu, como fã do estilo, baixei o app Endel (obrigada Gabriel pela dica) que traz trilhas sonoras para os mais diversos momentos do dia e é perfeito para meditar.

A jornalista genial Cherie Hu estreou a coluna State of Play, sobre games & música. Em seu primeiro artigo, ela explora um ponto de vista bem interessante: o jogador também como performer dentro de um show, pois ele também atua enquanto joga. Como exemplo, ela menciona o Ninja, que sozinho teve 12 milhões de visualizações em seu vídeo de reação ao show do Travis Scott, no Fortnite, oferecendo ao público a sua visão do show feita a partir de seus movimentos.

Um estudo na Alemanha mostra que o risco de ser infectado pelo coronavírus em concertos em lugares fechados é baixo. E a Alemanha reconhece oficialmente clubs e eventos de techno e house como concertos, o que diminui consideravelmente o imposto recolhido em cima do valor do ingresso de 19% para 7%.

Já ouviu falar em deepfake music? O Guardian fez uma matéria ótima e bem humorada sobre música produzida por inteligência artificial. Como exemplo traz Frank Sinatra cantando uma canção natalian que desavisados dirão que é ele mesmo.

O Massive Attack lançou recentemente um curta sobre o impacto da indústria da música no meio ambiente e como fazer para diminuir a emissão de carbono.

As rapidinhas antes de ir…

Antes de partir, deixo aqui uma viagem pelas pirâmides de Giza, no Egito, com o Sébastien Léger.

Tchau, e numa singela homenagem ao Carl Sagan que faria aniversário no último dia 9 eu deixo: “Diante da vastidão do tempo e da imensidão do universo, é um imenso prazer para mim dividir um planeta e uma época com você.”

Jota Wagner

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é repórter especial de cultura no Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.