Cabelo Mick Jagger Foto: Reprodução

O dia em que uma escola suspendeu 11 alunos por usarem ‘o cabelo do Mick Jagger’

Jota Wagner
Por Jota Wagner

Em 1964, a situação era tão cabeluda a ponto de envolver os Rolling Stones, os Beatles e até a 1ª aparição televisiva de David Bowie

Dia 27 de maio de 1964 — 60 anos atrás —, um diretor da escola Woodlands Comprehensive School, na pequena cidade de Coventry, no interior da Inglaterra, ganhou fama nacional nos jornais e revistas após mandar de volta para casa 11 de seus alunos. Eles não soltaram uma bomba no banheiro, nem arrumaram briga ou zoaram com algum professor. O motivo da suspensão foi uma questão de estilo: não era permitido usar cabelos “longos e bagunçados, como os de Mick Jagger e os Rolling Stones“.

A suspensão ganhou ares de divertida surrealidade quando o diretor, Donald Thompson, completou sua sentença. Os alunos poderiam voltar às aulas no dia seguinte, desde que cortassem seu cabelo de um jeito mais “curto e arrumado, como o dos Beatles“.

Criando uma baita polêmica graças à censura do visual dos jovens de sua escola bem na época em que o país vivia seus dourados anos de contracultura e inovação, conhecidos como Swinging Sixties, o senhor Thompson mal sabia que estava validando uma das mais famosas estratégias de marketing da história da música.

Embora os fãs de rock da época comprassem a ideia de que as duas bandas eram rivais mortais, seus integrantes eram, na verdade, bons amigos. A relação começou quando os Beatles foram convidados para assistir a um show dos Stones, ainda quando tocavam em seu repertório somente covers de blues americanos. Após assistirem e se conhecerem, a tropa toda foi para um after no apartamento de Mick Jagger, em Chelsea, que durou até as 04h da manhã.

A brodagem, no entanto, não interessa ao mercado da música inglês, ávido por batalhas e, principalmente, identidade artística. Tanto que, quando os Rolling Stones começar a ver que a coisa ficaria séria na carreira, procuraram Brian Epstein, o empresário dos Beatles, para cuidarem de seus negócios. Sabendo que já tinha na mão uma mina de ouro, que ocuparia todo o seu tempo, Epstein recusou o pedido dos Stones, mas indicou à banda seu amigo Giorgio Gomelsky. Antes, porém, o agente dos Beatles ligou a Gomelsky e deu a seguinte dica: “eu já estou trabalhando os Beatles para serem a banda da família. Faça com os Stones exatamente o contrário”.

Tudo começou a ser moldado, então, para que os Rolling Stones fossem uma banda de rebeldes, arruaceiros, no maior estilo “você não gosta de mim, mas sua filha gosta”, famoso refrão de Chico Buarque para a música Jorge Maravilha, lançada quase dez anos depois.

Com a devida anuência da imprensa musical, que adorou a “divergência”, rolou uma certa polarização entre os jovens fãs de Beatles e Rolling Stones na Inglaterra. E isso se refletiu também nos cortes de cabelo. Enquanto os quatro de Liverpoool adoram o estilo moptop, mais arrumadinho, a turma de Mick Jagger usava os cabelos “compridos e bagunçados”, como definiu horrorizado o diretor da escola.

A repercussão da suspensão dos estudantes da Woodlands caiu como uma luva para a imprensa, as bandas e principalmente seus empresários. Beatles pode, Stones não!

A decisão de Thompson pela suspensão se deu um mês após a Federação Nacional de Cabeleireiros da Inglaterra declarar que os cabelos dos Rolling Stones eram “os piores do país. Parecendo que a banda tinha espanadores na cabeça”.

A polêmica sobre cabelos compridos estava tão acirrada em 1964, que até o jovem David Bowie, então com 17 anos, se aproveitou da treta. A primeira vez em que o futuro astro da música apareceu em uma TV inglesa foi justamente para protestar sobre os direitos capilares.

Ainda usando o nome de David Jones, com 17 anos foi à TV representando uma fictícia organização chamada The Society for the Prevention of Cruelty to Long-haired Men (Sociedade de Prevenção à Crueldade Contra Homens Cabeludos). Na entrevista o garoto se queixava de piada que ouvia nas ruas como “querida, posso carregar sua bolsa?”, uma provocação feita por homens preconceituosos.

“Eles estão cansado de serem perseguidos. Cansados de perderem seus empregos”, disse o apresentador, ao apresentar o presidente da associação, senhor David Jones.

Jota Wagner

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é repórter especial de cultura no Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.

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