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“Reggae é música de luta”: Como o Buena Onda Reggae Club se cura através do som

Buena Onda Reggae Club

Buena Onda Reggae Club. Foto: Vini Pimenta/Divulgação

Grupo paulistano de reggae instrumental fala sobre seu novo álbum, Take 3, produzido pela autoridade do ska Victor Rice

É delicioso acompanhar aquela fase da carreira de uma artista em que ele está lançando um disco melhor que o outro. É tempo de acensão e de descoberta de novos sons e caminhos, além da consolidação do que já deu certo.

Em meados de outubro, o Buena Onda Reggae Club lançou seu terceiro álbum, Take 3. Aproveitando o apoio que conseguiram através da 6a Edição do Programa Municipal de Fomento à Linguagem de Cultura Reggae/Rastafari (SP), o septeto investiu no trabalho, chamando novamente Victor Rice para a produção.

Rice é uma lenda do movimento, responsável pelo famoso projeto Easy All Stars. O produtor imprimiu uma cara internacional para o Buena Onda que, por ser instrumental, encanta mesmo quem não é do universo.

Take 3 apresenta canções compostas nos duros dias da pandemia, que bateu pesado nos integrantes. Provaram, no entanto, o quanto o reggae é “uma música de luta”. Transformaram dor em esperança, e cura através da dança.

Conversamos com Marcos Rossi (guitarra) e Victor Fão (trombone) sobre a concepção do disco, a função do reggae no mundo e as aventuras de se tocar em uma banda instrumental.

Guia: O Buena Onda Reggae Club se apresenta nesta sexta-feira (10), gratuitamente, às 19h, na Vila Itororó em São Paulo. Detalhes no final desta matéria

Jota Wagner: Sem demérito nenhum aos dois discos anteriores, vemos uma evolução sensível no Take 3. Como rolou a parceria com o Victor Rice?

Victor Fão: Quando a gente gravou o primeiro disco, mandamos pra ele. Quando encontramos com o Victor novamente, ele falou “pô, eu quero muito trabalhar com vocês”. E aí a gente teve a oportunidade de fazer o Take 2 com ele. Quando acabamos, ele falou que queria fazer pelo menos mais dois.  Acho que ele sempre fala isso para os artistas (risos).

Então, a gente estava passando pela pandemia, aquele momento superdrástico e triste. Mesmo assim, não paramos de compor, cada um da sua casa. Foi um momento em que a gente conseguiu entender mais os caminhos de produção, cada um no seu estúdio.

Quando abriu o Edital Municipal do Reggae, a gente foi contemplado, e já estava com umas 12 músicas levantadas. “Vamos falar com o Victor de novo?”. E ele topou.

É uma honra máxima trabalhar com ele, por diversos fatores. Um cara que veio de Nova Iorque, de uma cena de ska do final dos anos 80, começo dos 90. A chamada terceira onda. Ele fundou uma banda que gostamos muito, New York Ska Jazz, tocou com Desmond Decker, meu cantor predileto…

A gente senta lá, ouve histórias e aprende coisas que leva para a carreira.

Vocês sempre trabalharam com produtores nos discos?

Marcos Rossi: Sim. A gente se produziu em alguns singles, tomando um pouco mais do controle. Mas nos discos, a gente sempre achou legal ter um produtor, com uma opinião externa. O primeiro foi produzido pelo Pedro Lobo, baixista da banda Brasa.

O segundo, quando fomos gravar, era de músicas que a gente já tocava e ensaiava há um bom tempo. Nesse terceiro, a gente compôs à distância. Foi quando começamos a sentir as facilidades e o desafios de cada música, dos arranjos.

Agora é que estamos tocando nos ensaios, pensando no formato ao vivo, que não é igual ao que está no disco.

Tem essa coisa, né? Às vezes, a música que o artista mais gosta de tocar não é a que o público vai achar mais legal…

Fão: Exatamente. O Victor tem um lance de pensar no fonograma. Nós pensamos na música em um show, com pedaços maiores, mais dub.

A narrativa proposta em Take 3 está bem amarrada. Temos músicas com cinco, seis minutos, que o Victor rearranjou para três — o necessário para contar a história inteira.

Foto: Vini Pimenta/Divulgação

O que a pausa forçada pela pandemia significou para vocês?

Marcos: Um pouco antes, a gente ganhou um edital de circulação de shows. Acabamos fazendo só duas apresentações, em fevereiro. Então tivemos de mudar, de última hora, para cinco shows no formato digital. Foi bem trabalhoso, mas nos aproximou desse contato com a tecnologia.

Fão: A pandemia veio de uma forma muito abrupta para nós, né? Ficamos dois anos sem poder trabalhar nos shows, nossa principal fonte de renda.

Para a gente se manter vivo, foi uma das coisas que decidimos fazer: arte. Então, por mais que a gente estivesse aqui, cada um na sua casa, foi algo bem triste. Parentes morrendo, a gente tentou não deixar nossa arte morrer.

Todas essas canções que saíram de Take 3 são dessa época?

Fão: Sim, exceto por uma música. A gente manda os arquivos, um para o outro. Acabou sendo um momento muito frutífero de produção. A gente precisava por para fora as frustrações que estávamos tendo, todo esse desmoronamento que aconteceu com a vida artística.

Fiz muita música. Marquinhos também… Todo mundo. Tanto que esse disco acabou sendo o mais plural.

De quem foi a ideia de montar o Buena Onda?

Marcos: Eu já estava com essa ideia pessoal, já tinha falado com o Cauê [Vieira, saxofonista], mas começou mesmo com uma ligação minha para o Fão…

Vocês nunca tinham tocado juntos?

Marcos: A gente já era amigo, um já conhecia a linguagem do outro, curtia a mesma onda. Os dois conheciam gente que estava a fim de tocar. Em uma semana, já estávamos ensaiando.

Reggae, ska, afrobeat… para que lado queriam que a banda puxasse mais?

Marcos: Nossa matriz é a música jamaicana. É a linguagem que todo mundo gosta. Daí, a gente mistura com música brasileira, latina, com o jazz… Além disso, cada um tem seus gostos pessoais, o que acaba somando na banda. A gente é aberto, mantendo a linguagem jamaicana como base.

São muitas referências. Teve algo que vocês tiveram que tesourar nas composições? Tipo: “não mano, isso aqui não”…

Fão: Em três discos, foram vários jeitos de compor. Em alguns casos, já chegamos com a música inteira e todo mundo toca. Em outros, alguém chega com algo pronto e, no ensaio, a música vira uma outra coisa. São vários processos.

Mas acho que limar alguma coisa, pelo que me lembro, não. Até porque, todos sabem que a música jamaicana permite misturas. Queremos fazer como se estivesse sendo tocada em Gana, ou no norte da África, ou em Cuba…

E a gente é brasileiro. Eu já tive oportunidade de tocar na Jamaica, Marquinhos também. E sempre eles falam: “que legal o que vocês fazem com o reggae!”.

Mas não soa como um jamaicano, porque a gente não é. Por mais que estude tudo isso, sempre busque a excelência, vamos fazer do nosso jeito. Misturamos a essência jamaicana com uma parada que é do mundo.

Qual a diferença entre fazer música instrumental e música com vozes?

Fão: O lance da música instrumental é que ela não tem um endereço. Ela té dá um local, mas não dá o nome da rua, nem o número da casa. Fica aberta a mil interpretações, então dá um campo maior pra gente brisar em várias coisas. E o resto fica por conta do ouvinte. É diferente de uma música que tem o texto, a caneta.

Marcos:  Eu também sinto que a gente acaba mostrando um pouco mais o lado músico. Não tem vocalista, não tem letra e, apesar de ninguém aqui ser nenhum virtuoso, a gente joga muito pela banda.

O reggae, principalmente no imagético coletivo, é uma coisa que transmite positividade, esperança… Como ele funciona num mundo louco como o de hoje?

Fão: Eu acho muito louca essa parada do reggae ser uma música ser assim no ideário. Todo mundo remete a isso. Mas o reggae é uma música de luta. Bob Marley falava que 90% das letras dele eram de protesto, de luta e de revolta. De gente que sofre, proletário.

Sempre brincamos com isso, que somos operários da música. A gente se vê com consciência de classe, de realmente trabalhar por ela.

Por mais que a música seja instrumental, uma das mensagens que queremos passar é que a luta continua. Mas o show, em si, é um momento de diversão para a classe trabalhadora. De dança, descontração e troca de afeto.

Sei lá por quantos anos este mundo ainda vai existir, quantos anos a humanidade vai ter — acho que não é muito. Mas como operários da música, vamos continuar fazendo até o fim.

Marcos: A gente tá muito ligado no que está acontecendo, e isso se reflete bastante no nosso som. A luta continua. As composições surgiram em um momento bem difícil para todos. Mas conseguimos, no estúdio, transformá-las em música de esperança.

Quase 100% do que a gente faz impõe nossos sentimentos pessoais, tudo o que a gente passou, e é, também, política. Ao vivo, somos uma banda alegre.

Serviço

Buena Onda Reggae Club no Centro Cultural Vila Itororó

Quando: 10/11/2023, sexta-feira, 19h

Onde: Centro Cultural Vila Itororó – Rua Maestro Cardim, 60, Bela Vista, São Paulo/SP

Classificação: livre

Entrada: gratuita

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