Brasileiros Gezender e Moebiius lançam EP com sonoridade das festas underground pelo clássico selo alemão Gigolo Records

Claudia Assef
Por Claudia Assef

O movimento das festas de música eletrônica envolve todo um lifestyle: looks abusados, locações diferentonas, pista de dança sempre cheia de gente interessada em dançar e DJs cada vez melhores surgindo a cada dia. Fotos dessas festas a gente já viu aos montes por aí, certo? Mas e se esse movimento pudesse ser representado por um som? São muitos os DJs e produtores que poderiam dar cara à essa sonoridade, mas ouso dizer que o EP OM, dos brasileiros Gezender & Moebiius, lançado no final de setembro pelo selo alemão International Dee Jay Gigolo Records, faria muito bem este trabalho.

Sobre Gezender você já leu por aqui. Trata-se do produtor Tiago Franco, produtor musical que se mudou de Florianópolis para São Paulo há cerca de dois anos justamente para focar na música. Além do projeto Gezender, que em maio de 2016 lançou pela alemã Neurom Records o seu primeiro EP, Spiritual Flesh, Tiago assina a festa Sangra Muta, que em menos de um ano de existência já recebeu nomes fortes da atual cena eletrônica underground, de L_cio a Cashu, passando por Zopelar, Tessuto, Érica Alves, Benjamim Sallum, Tati Pimont, entre outros. Tiago também cuida das carreiras dos artistas do coletivo Mamba Negra, como Cashu e Teto Preto. Ou seja, mais imerso no universo das festas de São Paulo, impossível.

Tiago Franco aka Gezender em foto de Marcelo Elídio

O lançamento do EP ganha força extra com o apoio do selo do DJ Hell, alemão que sempre esteve de olho no Brasil, tocou por aqui inúmeras vezes e teve papel importante no fortalecimento da cena eletrônica brasileira, ao lançar títulos como a coletânea Brazilian Gigolo mixada por Renato Ratier (em 2007) e o álbum da banda mineira Digitaria (em 2006).

Junto com Gezender, o EP apresenta Moebiius, um novo artista residente no Sul do Brasil, que trouxe para o registro uma pesquisa iniciada há seis meses sobre mantras e canções budistas, tentando trazer isso para um techno mais sensível e sensorial, recheado de questões espirituais, filosóficas e políticas. Para a produção, ele usou sinos zen para meditação combinados com modulações que remetem ao transcendentalismo, além de programação de bateria de techno. A gente aqui na redação do Music Non Stop curtiu demais o lançamento e é por isso que Moebiius e Gezender estão na nossa coluna #MillerMusic desta semana. Dá um play no EP e siga pra entrevista dançando.

Music Non Stop – Como rolou o contato com a Gigolo? O Hell é bem atento ao que rola no Brasil, mas como foi que ele chegou até vocês?

Gezender – Em janeiro, Om estava pronto e sem um lugar pra lançar. Falei com alguns amigos que já tinham lançado por selos que me interessavam, pedi dicas e contatos e alguns rolaram, mas tudo leva muito mais tempo do que imaginávamos. Alguns meses depois, o Hell lançou um álbum com uma track muito parecida com uma das que lançamos, Anytia e mandei um inbox pra ele. No mesmo dia, ele me respondeu dizendo que tinha adorado e que ia lançar o EP pela Gigolo. Foi incrível como rolou uma conexão imediata entre nós.

Music Non Stop – Sinto que tem um resgate de electro rolando no techno, não? Contem um pouco sobre as referências de vocês ao criarem este EP, por favor.

Gezender – O electro (e a Gigolo Records) foi meu berço na noite e pesquisa de música. Mas, mais do que isso, os sons que me agradam ultimamente têm influência de todos os estilos da música eletrônica. Pode parecer estranho, mas eu não me considero DJ ou produtor de techno, penso (ou sinto) músicas que me agradam dentro de uma abordagem muito mais emocional do que estética, então o techno não é uma fronteira, mas uma das linguagens pro meu trabalho. Se amanhã eu resolver fazer ou tocar qualquer outro estilo (o que já tem rolado), vou me sentir à vontade pra fazer isso. A música é uma expressão infinita e atravessar esses limites delineados por estilos é sempre libertador. Quero esquecer os estilos, mas não minha identidade.

Moebiius – Acho que rola sim uma volta, mas toda vez que certa tendência volta, ela volta diferente, né? Pra gente que já estava nos clubes quando rolou a cena de electro no Brasil é fácil reconhecer a influência, mas pra quem não estava é algo novo. Lembro bem de ir nas festas (muitas delas do Tiago Gezender, inclusive) e ouvir Miss Kittin, Fischerspooner, Vitalic… Estar na Gigolo agora fecha um ciclo muito louco. Sabe quando parece que era pra ser?

A capa do EP OM

Gezender – Sobre OM, passei uns meses ouvindo muito ambient e de lá acabei descobrindo a música Zen budista. Pesquisamos mantras, sinos usados pra meditação e referências que vão de Fernando Falcão, Sven Grünberg a Osamu Kitajima. Foi interessante pensar em como traduzir esse universo contemplativo pra uma pista de dança e quase que inconscientemente (que só percebi depois de vários amigos comentarem algo do tipo), eu diria que o resultado beira a psicodelia, o trance dos anos 90 e até a new age em um shape de techno.

Moebiius – Eu já tinha produzido o primeiro EP do Gezender, e o Tiago já vinha num processo de amadurecimento artístico muito palpável quando ele trouxe as referências pra gente começar o que viria a ser o OM, esse lance transcendental, hipnótico e espiritual que a música eletrônica e a pista podem ter estava muito alinhado com o que eu queria também, então foi muito fácil essa nossa interação, quase simbiótico. Tanto que no decorrer da produção senti que deveria estrear meu projeto junto e acabei assinando duas faixas, Moksa, que saiu agora, e outra que logo mais vai sair pela Gigolo também.

Music Non Stop – Como vocês foram atraídos pela produção?

Gezender – Eu sempre quis produzir música, imaginava tracks inteiras na minha cabeça, mas não tinha informação técnica o bastante pra materializar isso. O Moebiius tem um estúdio completo e trabalha com produção musical há muito tempo, há cercar de dois anos o procurei pra começarmos a produzir juntos. Desde então, aprendi bastante com ele, e nosso processo tem sido cada vez mais rápido – às vezes uma semana é o bastante pra produzir e finalizar duas ou três músicas em uma imersão ouvindo referências, testando possibilidades e brincando com equipamentos.

Gezender em foto de 2016

Moebiius – Produzir pra mim veio primeiro do que discotecar, tenho formação na área e já tive outros projetos live que foram relativamente bem. Já trabalho produzindo outros artistas e meu estúdio atende clientes de animação e games. Em paralelo sempre desenvolvi minha linguagem eletrônica ali em volta do electro, techno, EBM e quando era moleque tive banda. Toco alguns instrumentos, então fazer minha própria música sempre foi mais importante. Até o meu objetivo em breve é transformar o Moebiius em live, me sinto muito mais confortável me apresentando assim! Mas, por enquanto, coloco meu fone no pescoço e toco como DJ, o que me deixa muito feliz também, obviamente. Com o Gezender então foi tudo muito natural, ainda mais que as referências dele casavam muito com o que eu queria pro Moebiius.

Music Non Stop – Tiago, você também trabalha com o casting da Mamba Negra. Como é estar dos dois lados do balcão?

Gezender – A Mamba tem sido uma escola pra mim. Trabalhei com produção cultural por mais de dez anos em Florianópolis, mas nada se compara a se relacionar diretamente com muitos dos artistas que mais admiro no Brasil. Não me incluo no casting, então a maioria dos contratantes mal sabem da minha carreira artística, mas é claro que isso tem me ajudado muito a descobrir como o mercado de música funciona. Mesmo que de maneira indireta, booká-los me situou como artista e me fez compreender melhor as necessidades dos clubes e festas, coisa a que a maioria dos artistas não tem acesso ou mesmo vontade de fazer. Com esse trabalho, descobri que muitos bookers, agentes e produtores também têm uma carreira artística em paralelo e que não precisaria me preocupar, uma coisa não anula a outra – pelo contrário: você pode somar as duas coisas. Na Mamba, percebi também que viver de arte é complicado e uma carreira se constrói com anos de trabalho e carinho pelo que se faz. Já não espero ficar com minha agenda cheia da noite pro dia e saquei que isso sempre vai levar muito mais tempo e dedicação do que imaginava.

Uma noite como outra qualquer na Mamba Negra <3

Music Non Stop – Moebiius, a cena no Sul do país está bem aquecida, né? Tem de clubes mais gran-finos até festas com som underground. Conta um pouco sobre o momento atual da sua região.

Moebiius – Verdade, nunca teve tanto! E tem de tudo mesmo. É interessante que até poucos anos atrás as festas eletrônicas eram divididas basicamente entre mainstream, que tocava coisas mais radiofônicas, e underground, que tentava trazer as novidades. Agora já tem tantas festas que elas já estão se subdividindo em nichos, tem as mais groove, mais tech-house e até as mais techno. Sinto também uma certa vontade dos produtores de eventos em valorizar os artistas locais, o que é sempre ótimo pra toda a cena. Alguns dos projetos mais legais de Floripa e que considero terem uma missão maior, além de fazer dinheiro, são a Bateu, Trip to Deep e Bend. Tinha a Sangra Muta também, mas o Tiago resolveu levar ela embora pra São Paulo, com ele! =(

Falando da região Sul como um todo, acho incrível a cena toda e a cidade que mais me surpreendeu foi Passo Fundo e região. Os caras têm clubes e festas incríveis, uma puta cultura de musica eletrônica e levam atrações internacionais de peso pra uma região que é totalmente fora do circuito comum das capitais.

Music Non Stop – Uma faixas tem rmx do L_cio. Como vocês descreveriam a cena em que estão inseridos atualmente? Quero dizer, não tá dando pra reclamar do cenário eletrônico no Brasil… ou dá?

Gezender – Tudo rolou justamente dentro desta cena no qual estamos inseridos, enquanto eu tocava a música a gente trocou um papo rápido combinou que haveria um remix dele. Foi super gratificante ver que alguns amigos com uma carreira bem mais à frente estão interessados e atentos às produções dos colegas novatos, isso sempre dá um gás novo pra produzir e acreditar no que estamos fazendo. Falando em “cena”, quando eu cheguei a São Paulo, já um ano e meio atrás, o que mais me encantou nisso tudo foi presenciar e participar de um momento tão mágico. As festas estão cada vez mais sólidas e cheias de artistas de que sou fã, há um senso de comunidade e autosuficiência nisto tudo que sempre me emociona muito.

Pra reclamar, dá sim hahaha. Lançamos há duas semanas numa das gravadoras mais respeitadas mundialmente, com suporte de artistas como Richie Hawtin, Marcel Dettmann, Damian Lazarus, Marco Carola, Mano Le Tough, Phil Kieran, Digitaria e Agoria – e as gigs pela frente são basicamente de contatos que já tínhamos e de amigos. Ser (muito rs) gay em um ambiente formado pela grande maioria por homens héteros requer esforço duplo, algo parecido acontece com as mulheres nesse meio. De qualquer maneira, essas questões fazem parte de uma discussão complexa de que no momento não quero participar, mas construir o meu e abrir caminho pra mais LGBTs e mulheres na cabine, coisa que tenho feito principalmente na festa que produzo, a Sangra Muta . Vida que segue e vamos fazer o nosso <3

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Claudia Assef

https://www.musicnonstop.com.br

Autora do único livro escrito no Brasil sobre a história do DJ e da cena eletrônica nacional, a jornalista e DJ Claudia Assef tomou contato com a música de pista ainda criança, por influência dos pais, um casal festeiro que não perdia noitadas nas discotecas que fervilhavam na São Paulo dos anos 70.

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