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Como surgiu “Blue Monday”, o single de 12 polegadas mais vendido de todos os tempos

New Order Blue Monday

Imagem: Reprodução

Saindo das sombras do Joy Division e cheio de novas referências, New Order ajudou a fazer a música dançante ser cult há 41 anos

Em 07 de março de 1983, ainda se reestruturando na transição pós-Joy Division, o New Order lançava o que viria a ser o single 12 de polegadas (o tal bolachão) mais vendido de todos os tempos. Mas para compreender como surgiu Blue Monday, é preciso entender o contexto, tanto do grupo quanto do cenário musical da época.

Deixando as sombras

Após a trágica morte de Ian Curtis em 1980, os integrantes remanescentes do Joy Division — o guitarrista Bernard Sumner, o baixista Peter Hook e o baterista Stephen Morris — ressurgem como New Order, cumprindo um pacto de que se algum dos membros viesse a falecer, os outros continuariam o grupo com outro nome.

Chamaram, então, a tecladista Gillian Gilbert, que namorava Morris à época, para explorar novas possibilidades com o uso de sintetizadores. As modificações visavam afastar o fantasma do JD e levar a sonoridade para algo menos sombrio.

Em Movement (1981), seu primeiro disco, ainda é nítida a presença estética da banda anterior, com o baixo por cima da guitarra, os efeitos em reverb e eco e até várias passagens que remetem diretamente ao modo de cantar de Curtis.

Mesmo começando a explorar mais os synths, eles ainda são usados num contexto basicamente de rock. Ao vivo, ainda se apresentam tocando Ceremony e No Lonely Place, duas das últimas composições dos tempos de Ian. Mas já há um movimento (desculpem!) em direção à luz e à pista em Dreams Never End e Chosen Time.

Em 1983, quase três anos haviam se passado e o New Order parecia fadado a ser conhecido apenas em um círculo restrito de iniciados e aficionados de pós-punk e synth-pop, eternamente lembrados como viúvas do Joy Division. Contudo, as mudanças aos poucos surtiam efeito, e o quarteto começava abandonar o tom soturno para embarcar em uma viagem mais pra cima — basicamente, de uma música dançável, bastante apoiada nos sintetizadores e aparatos eletrônicos. Eles estavam preparando um álbum (Power, Corruption & Lies) que poderia ser a chave da virada para uma nova fase.

Os primeiros sinais inequívocos de que algo mudara e de um embarque rumo às pistas de dança vieram com Everything’s Gonne Green e, principalmente, com Temptation, lançada no ano anterior apenas em single, e que carrega forte nas programações de sequenciadores e bateria eletrônica (uma Oberheim DMX, se interessar a algum nerd).

Uma viagem a Nova Iorque em 81 apresentou à banda a música de Giorgio Moroder e faixas de dance music e italo disco que utilizavam esses recursos, aplicando muitos sons sintéticos na construção da estrutura da track, e não apenas como adorno. De volta a Manchester, Morris passou a destrinchar as drum machines, e Gilbert, os sequenciadores. Temptation é maravilhosa, mas não emplacou.

Música dançante e cult

Em 7 de março de 83, uma segunda-feira, o New Order saiu então com Blue Monday, uma canção fortemente apoiada nesses recursos e com um apelo irresistível à pista. As primeiras inconfundíveis batidas dão o sinal de que nos próximos sete minutos e meio você se entregará à musa da dança, Terpsícore.

A faixa é a maior representante de uma ponte imaginária entre a discoteca, que morria no final dos anos 70, e a música eletrônica do final dos 80, quando passou a receber um tratamento de cult. Com a explosão da acid house, uma leva de bandas de rock passou a fazer uma música mais dançante e com presença da eletrônica. Desnecessário pontuar que o NO era referência, né?

Há algumas curiosidades a respeito da canção, como o fato de haver um defeito na programação do sequenciador, já que a “fórmula” era escrita em folhas coladas nas paredes do estúdio. Em um descuido de Gilbert, uma parte ficou faltando, causando uma leve quebra na sincronia com a bateria. Deu certo, eles gostaram e mantiveram assim.

O New Order foi uma dos primeiros grupos a ter um sampler, um Emulator 1, que aprenderam a usar para incluir trechos de Uranium, do Kraftwerk, e de La Resa dei Conti, de Ennio Morricone. Peter Hook diz que também “roubaram” um trecho de Our Love, de Donna Summer, que é ainda mais presente em Temptation.

O uso do synth como base pulsante deixava Hook livre para solar o baixo e fazendo-o soar como uma espécie de guitarra, algo que se tornaria sua marca pessoal. Aproveitando esses espaços que a canção oferecia, ele realizava essas passagens de baixo que remetem diretamente aos filmes de velho oeste, que o músico diz ter assistido no estúdio em um dos intervalos das gravações. Pode ter certeza que se você assistir a algum dos filmes de Sergio Leone e escutar as maravilhosas trilhas de Morricone, nunca mais vai ouvir Blue Monday da mesma forma.

Outra particularidade é que a música não possui uma estrutura formal de letra com refrão, apenas uma sequência de colocações vagas que permitem múltiplas interpretações sobre seu significado. Questão que se repete, o tal “how does it feel?”, ora soa como “como você se sente me tratando assim?“, ora como “diga-me como eu me sinto”, e por aí vai.

Segundo Hook deixou escapar certa vez, Bernard Sumner estava sob o efeito de LSD ao compor a letra. O baixista era, de longe, o mais louco do grupo, e costumava falar e exagerar bastante em suas entrevistas. Mas na falta de provas, que se crie o mito!

A origem do nome

Por falar em sentimento, uma das histórias mais interessantes diz respeito ao título da canção, que por sinal, não aparece na letra. Blue Monday pode ser traduzida como “segunda-feira melancólica”. Na literatura americana da década de 1830, o termo se referia ao estado de ressaca da força de trabalho após um fim de semana passado bebendo, e à associação da cor azul com um estado de espírito deprimido.

Na década de 1860, a expressão começou a ser aplicada ao “dia de lavagem” semanal da casa. As roupas brancas às vezes eram enxaguadas com um produto azul. No entanto, a relevância desse fato para o apelido das segundas-feiras é contestada, e a expressão pode simplesmente ser herdada do uso anterior.

A ilustração no livro de Kurt Vonnegut. Foto: Reprodução

Bem, aparentemente esse baixo astral não parece pertencer diretamente à música, já que a denominação teria sido escolhida a partir de inspirações externas. Hook, sempre ele, clama que o título foi ideia sua, a partir de uma canção de mesmo nome de Fats Domino.

Depois vem a opção mais legal, a de que teria sido tirada de uma ilustração do livro Café da Manhã dos Campeões, de Kurt Vonnegut, que Stephen Morris estava lendo. A parte engraçada é que o desenho contém a frase “Goodbye Blue Monday”, e se refere ao momento em que a máquina de lavar foi inventada. Pronto, acabou o glamour, não dá mais para desler.

As novas tecnologias permitiram que a música ficasse pronta para ir para a rua antes que o álbum seguinte, Power, Corruption & Lies, estivesse finalizado. Assim, ela serviu como single que acabou promovendo o disco sem fazer parte dele. Em uma corrente crescente, se descolou do universo do synth-pop e pós-punk para atingir outras esferas de atuação e influência — de festas da firma ao techno de Detroit. Após os anos 90, ela foi adquirindo patente de faixa histórica, com dezenas de versões, remixes e trechos sampleados.

Acima de tudo, Blue Monday serviu como a virada de chave para tornar o New Order uma banda com vida própria, dissociando-se, ainda que não totalmente, do Joy Division. E foi essencial que tenham alterado o nome e o som do grupo, assim preservando o trabalho anterior e não tentando substituir Ian Curtis, o que seria impossível. Com o single, eles finalmente encerraram o luto e transformaram uma segunda-feira triste em uma das maiores canções de pista da história.

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