Talvez uma das maiores lendas urbanas da noite underground de São Paulo seja o “ecritório do Anibal”. Lendário proprietário d’A Lôca, clube que completa 22 primaveras este ano, Anibal Aguirre é avesso a entrevistas – levei anos até conseguir a minha primeira com ele – mas gosta de bater papo. E é no “ecritório” que este argentino de alma paulistana recebe os amigos e DJs para as conversas mais loucas da noite.
Com tantos anos de história, o clube já viveu muitas fases. Foi point obrigatório da turma do techno pesado quando por lá tocavam Pet Duo, Renato Cohen, Murphy e Julião; foi parada semanal dos cybermanos; chocou ao trazer música pop para a pista de dança de um clube underground; abrigou performances históricas de drags; teve uma das noites de rock mais famosas da cidade (a Grind); recebeu artistas famosos dos mais diversos, que ali se sentiam àvonts pra fazer o que bem quisessem e, acima de tudo, sempre foi um lugar onde a contracultura era bem-recebida.
Aos 60 anos de idade, Anibal anuncia passar a direção e a administração do clube para um escritório de advogados. E tem mais mudanças. Timing perfeito pra fazer uma entrevista com, como ele mesmo zomba, o “loco da Lôca” para a coluna #MillerMusic. Vamos ao papo que foi gravado na casa de Anibal (e não no “ecritório”), que fica a alguns quarteirões da Lôca.
Music Non Stop – Você comentou comigo que vão rolar mudanças na Lôca. O que vai mudar?
Anibal Aguirre – A Lôca passou a direção e administração para um escritório jurídico formado pelos advogados Natália e Felipe Donoso. Eles vão administrar a Loca, e o escritório de administração da Loca vai ficar em frente ao shopping Frei Caneca. Faz um mês que passamos a direção e estamos ajeitando tudo. A ideia é fazer uma repaginação geral do clube. Vamos fazer algumas mudanças na estrutura, uma reforma na iluminação, no equipamento de som, no cardápio, vamos deixar o lugar mais aconchegante. Estamos querendo fazer um upgrade, voltamos a ter assessoria de imprensa, voltaremos a ter site e Facebook, que neste momento não está em poder nosso, mas o conteúdo é nosso. Estamos mudando as noites também, e os DJs. A Ginger Hot comanda as quintas e estamos analisando que irá comandar os domingos.
Music Non Stop – O DJ Pomba saiu?
Anibal Aguirre – O Pomba foi DJ muitos anos da Lôca, a gente deu uma fortalecida na noite dele quando ninguém acreditava que poderia acontecer… Mas, como dizia a não filósofa Cássia Eller, nada é para sempre. Foi bom para ele e bom para a Lôca, vamos buscar outros horizontes.
Music Non Stop – Mas você vai se afastar totalmente da administração?
Anibal Aguirre – Eu não vou ficar num call center, no? Continuo presente. Continuo sendo sócio-proprietário da Lôca, mas já são muitos anos trabalhando… tenho 60 anos, é muito cansativo ir todas as noites e me ocupar da parte administrativa, financeira, problemas de bebida, problema de som. É muito pesado, estou desgastado, não tenho o mesmo pique que tinha quando começamos a Loca. Eu continuo sendo proprietário, continuo atento a tudo e continuo como chefe de relações públicas da casa.
Music Non Stop – E a direção artística?
Anibal Aguirre – Fica por enquanto com a Ginger Hot e eu, além de alguns amigos que ajudam em off, por amizade e carinho.
Music Non Stop – A Lôca vai fazer 22 anos. Lembro de ter sentido a primeira vez que eu entrei na Loca uma liberdade que agora é muito comum nas festas independentes. Você sente que a Loca perdeu isso?
Anibal Aguirre – A Lôca passou por uma etapa meio de repressão, não por parte da direção, mas muito por conta de funcionários que foram tomando essa atitude. Por isso mesmo passamos adiante a administração para que ela continue a ter aquele espírito da Loca, underground, alternativo. Uma opção para o povo saber que sempre estamos aí presentes, e que, cada vez que você compareça, ainda que seja acidentalmente, encontre uma balada boa e com razões para existir. Queremos ter festas com liberdade, com atrativos. Por isso a Rita da Loca volta a comandar o lounge, e também por isso estamos fazendo essas mudanças todas.
Music Non Stop – A música eletrônica vai voltar com força na programação da Lôca?
Anibal Aguirre – No lounge tem a Danny Trash, ela mantém o espírito que a Lôca teve uma época, que não é mais tão forte agora. Nós perdemos muito espaço com a música eletrônica. Não somos pesados em música eletrônica como quando tocavam Julião, Ana & David, Renato Cohen, Murphy. Mas estamos atentos para voltar em algum momento. Temos DJs importantes que estão sempre por perto, Ronald, Julião. Esperamos a hora certa e o DJ residente certo.
Music Non Stop – E quando o público vai começar a notar essas mudanças?
Anibal Aguirre – A partir de maio. Vamos fazer uma festinha de reinauguração das mudanças. Mas temos que ter paciência porque hoje nada é fácil na noite de São Paulo, está muito pobre. Também se abriram muitas opções que antes não tinha. Em outra época, quando a Lôca inaugurou, éramos a única casa que tinha da Paulista para o lado do Centro. Éramos o lixo do luxo. Agora somos o luxo do lixo, porque a região virou meio… mas nós mantemos nossa identididade, nossa estrutura e, como você pode ver, somos o pedaço mais limpo deste setor.
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