DJ Tuca Foto: Divulgação

“Vivo intensamente tudo o que me move”: um papo com o DJ Tuca, do Tomba Trio

Jota Wagner
Por Jota Wagner

Jota Wagner conversa com o experiente DJ paulista, que transformou sua vida e carreira a partir da luta contra o câncer

“2018 foi um ano de virada de chave na minha vida. Aconteceram várias fitas”, conta o DJ Tuca, 54, em uma longa conversa sobre sua jornada atrás dos toca-discos e das cabines de rádio. A tal virada de chave foi a consciência sobre a vida e o futuro que o cara teve após lutar contra o câncer. Ele não tinha mais tempo a perder. Os anos que lhe restavam seriam dedicados à house music, sua grande paixão.

Conheci Tuca nos anos 90, visitando a casa noturna Orion, em Campinas/SP. Me impressionei com a sua capacidade em levar uma pista lotada na mão, e mais ainda, a de embutir em seu set faixas interessantíssimas de house no meio do som popular que uma casa noturna do interior exigia. “Naquela época, fazíamos o baile. Tínhamos de tocar de tudo.”

O DJ dividia os bailes com o programa de rádio Rota 91, na Educadora FM, importantíssimo na formação musical da galera daquela região. A Educadora já era uma rádio poderosa, de grande audiência, e Tuca foi um dos responsáveis, conforme a aceitação e o conhecimento da música eletrônica foi aumentando no Brasil, por direcionar o programa cada vez mais para a house music, incluindo convidados de peso para discotecar no programa.

Fico me perguntando se hoje ele não agradece ao universo por essa sofrida virada de chave a que foi obrigado em consequência do câncer. Assumiu definitivamente seu posto de mestre houseiro, mudou seu nome de Tuca Flash, como era conhecido, dedicou-se a difundir a house nas diversas residências em casas bacanas de Campinas, como a Galerìa 1212, onde mantém uma noite, e formou o Tomba Trio ao lado dos paulistanos Mimi e Marcio S. Com o coletivo, virou convidado frequente do D-EDGE e está lançando suas primeiras produções.

Anacaram, o primeiro single dos três, acaba de ser lançado, e promete ser o primeiro de muitos, em produção fruto de um “estudo científico” que Tuca fez com músicos formados. A faixa é uma pérola de dar orgulho. Muito bem produzida e cool. Orgulho para ele, para o Tomba Trio e para nós, brasileiros.

Com remixes de L_cio e Apoena, é o primeiro do selo que o DJ criou, Bumba Music, para promover a house feita por ele, pelo Tomba Trio e também por outros artistas. Mais uma empreitada na nova fase de sua vida. No dia anterior ao que conversarmos, o DJ celebrava o aniversário de sete anos do fim de seu tratamento contra o câncer.

Jota Wagner: Você começou em rádio ou casas noturnas?

Tuca: Comecei por causa do meu irmão, sete anos mais velho. Lá por 1978, com a disco borbulhando, ele fazia bailinhos em casa. Eu chapava com aquela parada. Lâmpadas piscando, som rolando, a galera doida. Pedi para ele me deixar soltar as músicas. Mais tarde, com 15 anos, um amigo do meu irmão me chamou para trabalhar com ele. Tocávamos com fita cassete. As festas tinham cinco tape decks. Três eram para mixar e dois para rebobinar a fita no ponto certo. No começo, meu trabalho era colocar as fitas no ponto para ele. Com o tempo, ele foi me deixando tocar também. Naquela idade, já começou a rolar uma grana pelo trabalho.

Então, comecei a frequentar as domingueiras que tinham em Campinas. Fui trocando ideia com os DJs até conseguir tocar em um lugar chamado Terraço Bahamas. Ali, a coisa começou a decolar, conheci a galera de rádio. Fiz programas para a Antena 1, Nova FM, por volta de 1988. Até que chegou esse convite para começar um programa na rádio Educadora. Eu tinha um projeto com o DJ André Motta, chamado Double Vision.

Em 1994, fui chamado para tocar em um casa de Bragança Paulista chamada Flash. Daí veio o nome de Tuca Flash, para me diferenciar de um DJ de São Paulo chamado Tuca, que tocava na Paradise. Como eu escrevia uma coluna para a revista DJ Sound e precisa assinar as resenhas, o pessoal da redação meteu o “Flash” no meu nome, para me diferenciar do colega paulistano.

E agora tem essa associação com o Mimi e o Marcio S, o Tomba Trio. Como surgiu esse projeto?

Eu chamei o Marcio para tocar comigo no Galerìa 1212. Levei meu mixer Bozak [clássico entre os DJs houseiros nova-iorquinos]A maioria da galera não curte ou não conhece o mixer. Mas o Marcio não. Falou: “cara, deixa o Bozak ligado que eu quero tocar com ele também”. Ele me ouviu tocar e achou meu som muito bacana. Depois da meia-noite, começamos a tocar juntos, em back to back. Quando terminou, falamos um para o outro: “vamos tocar juntos daqui para a frente?”. Foi muito legal, de uma puta fluidez. Uma duas semanas depois, o Mimi veio como convidado. Convidei-o também para fazer um B2B, e ele me respondeu que não tinha esse hábito, mas mesmo assim topou. Foi legal pra caralho!

Mimi, Tuca e Marcio S formam o Tomba Trio

Mimi, Tuca e Marcio S formam o Tomba Trio. Foto: Divulgação

Fiquei com isso na cabeça. Passou um ano e eu ali, vendo como a nova geração está se conectando, se armando. Vários núcleos, vários caras juntando forças para fazer um rolê. Disse para mim mesmo: “eu tenho que entrar nesse clima aí”. Então fui chamado para tocar pela primeira vez na D-EDGE, e me lembrei dos dois. Os chamei para jantar antes da festa. Primeiro falei com o Marcio. Perguntei sobre a relação dele com o Mimi. “Meu irmão da quebrada.” Contei dos dois B2Bs, sobre como a molecada está se agilizando. Ele topou na hora. Achei até estranho: “porra, foi tão fácil assim?”.

Montamos um grupo para falar disso, até que o pessoal da CAOS me convidou para comemorar meu aniversário tocando no beco da casa [a pista dois do club CAOS, em Campinas]. Ainda não tínhamos nem o nome definido, mas resolvi começar o projeto lá. Depois de fechado, tínhamos 15 dias para achar o nome. Ná década de 60 tinha o Tamba Trio, que era uma parada elitista pra caralho. Fizemos essa brincadeira, porque o nosso som é pra todo mundo. Aí metemos ficha. O Marcio marcou uma data para gente na D-EDGE, e o Renato Ratier  [dono do clube] nos convidou para voltar mais vezes à cabine do cultuado supeclub paulistano.

O Galerìa 1212 é um lugar que combina muito com a house, não é? Tamanho, estrutura…

Eles já sabiam que eu queria um parada mais pista de dança. Acabou a pandemia, metemos ficha e estou lá até hoje. Voltado pra house, com aquela pegada mais latina. Um som que a gente pode imprimir.

Nós estamos falando de um som que já tem 40 anos de vida. Como a molecada percebe a house em suas festas?

Chamam de “house clássico”. Fui entender que, na cabeça deles, é a house com piano, com o Rhodes muito bem colocado, metais e aquela parada orgânica. Para eles, há também a house mais sintetizada, sem tantos acordes. E foi um barato para mim ir percebendo isso também. Tive que me renovar. Hoje, busco os alicerces da house e também conto a história de como me conectei com a sonoridade mais nova.

Hoje em dia, com as pessoas muito mais acostumadas com os códigos da música eletrônica, sua forma de tocar mudou?

Mudou muito. A própria mudança das mídias. No começo, era o DJ residente, e tocava a noite inteira. Era um baile. Tinha de ir de A a Z, tudo no vinil. Depois, começou a era dos DJs convidados, o set diminui, mas tinha o lance do disco. O contato visual com a capa e menos opções. Quando mudei para o digital, senti um baque: “cadê minha capa aqui?”. Precisei me organizar melhor. Aí vieram aquelas tecnologias fodidas, como o Mixed in Key [uma ferramenta que reconhece o tom das músicas e permite que as mixagens sejam feitas na forma de uma construção harmônica]Comecei a ouvir um monte de DJs fodas para entender aquilo. Um turbilhão de coisas, um monte de ferramentas.

Fui até a Heavy House para ver um DJ que adoro, o Joe Claussell, tocando por cinco horas, de forma energética. Fiquei com aquilo na cabeça. Então chamei para o estúdio um brother que é um baita músico e mostrei o set para ele. Ouvimos juntos, para entender qual é a ciência que existe por trás daquilo. Não importa qual música o Joe toca, ele está sempre usando como fonte a clave da salsa e da rumba. Então esse meu amigo me disse: “você acha isso do caralho porque não existe salsa e rumba triste”. A partir daí, comecei a pensar desta forma em minhas produções.

DJ Tuca no Laroc Club

Tocando no Laroc Club. Foto: Divulgação

Você tem coisas lançadas antes da Anacaram?

Bastante. Mas é o primeiro do Tomba Trio, já pensado com este conceito das claves. Minha ideia é, de repente, fazer isso com claves rítmicas brasileiras, como o maracatú, por exemplo. Para ter um DNA próprio.

Você está em um momento em que está fazendo música, tem o reconhecimento de todo mundo sobre o som que toca, o que te dá liberdade. Concorda que é o melhor momento da sua carreira?

Cara, eu tô curtindo muito, porque estou colhendo o que fui semeando desde lá atrás. Você me conhece, sabe que sempre fui caprichoso com as coisas em que estava envolvido. Colher isso está sendo legal pra caralho. Ano passado, pela primeira vez, fui chamado para tocar aqui na Laroc [boate em Valinhos/SP]. É como se um jogador fosse chamado para a Seleção Brasileira. E eu não tenho agência. É tudo trampo meu. Eu que pego o telefone, ligo e falo: “vamos armar”. O Tomba é um projeto incrível, com caras que eu sempre admirei e agora toco junto. E, porra, ainda tenho muita lenha para queimar…

Ainda tem o lado moleque…

O Bumba Music entra muito nesse momento. Todo início de ano eu paro para dar uma repensada. No que aconteceu no ano anterior, no que eu conquistei, como eu posso melhorar. Este ano fiz novos planejamentos, para mim e para o Tomba, entendo que a minha música é de nicho. Quero continuar curtindo esse momento. Já passamos tanto perrengue e ainda assim seguimos nos divertindo pra caralho. Esse é o principal.

DJ é que nem vinho, só melhora…

Em 2017 eu tive um câncer, velho… Quase morri. Foi uma virada para mim. Foi pesadaço. Ontem mesmo, comemorei um novo aniversário, de sete anos. Sete anos do fim do meu tratamento, em setembro de 2017.

Virei para minha esposa e falei: “olha só, eu não perco mais um minuto da minha vida. Vou voltar a me dedicar ao que amo”. Ná época, isso estava em segundo plano. Tirei o nome “Flash” porque me atrapalhava. As pessoas achavam que eu era um DJ de flashback. Me desliguei do Rota 91, que era um filho para mim. Saí da Band, que me dava estabilidade. Hoje eu vivo intensamente tudo o que me move.

E quando você mete energia numa parada, o bagulho anda.

Jota Wagner

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é repórter especial de cultura no Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.