Como Thomas Bangalter deixou de ser um dos robôs do Daft Punk para “voltar” a ser humano
Despido da persona misteriosa que o “protegeu” por quase 30 anos, o músico agora se encontrou como compositor de orquestras, fazendo trilhas sonoras para filmes e balés
O Daft Punk acabou, não voltará mais [ao menos, é o que garante a dupla], mas certamente seguiremos de olho nos passos de Thomas Bangalter e Guy-Manuel de Homem-Christo em seus novos projetos. Sobre o último, ainda não sabemos se virá de fato algo, mas sobre o primeiro, há bastante coisa interessante a caminho.
A gravadora francesa Ed Banger Records anunciou nesta terça-feira [09] que irá lançar a trilha sonora do filme DAAAAAALÍ, de Quentin Dupieux, que, por sua vez, será assinada por Bangalter. De acordo com a Deadline [via NME], a obra, que estreia nos cinemas no dia 07 de fevereiro, se trata de uma cinebiografia surrealista de Salvador Dalí, na qual o icônico pintor será interpretado por vários atores diferentes.
Um filme sobre Dalí com trilha assinada por um dos “robôs” do Daft Punk e lançada pela gravadora do Justice já é algo promissor por si só. Não espere, entretanto, por muitas similaridades com a sonoridade do duo que elevou a música eletrônica a outro patamar no planeta. Isso porque Thomas Bangalter, definitivamente, não é mais um robô.
Se já era possível perceber, em Random Access Memories, que os franceses estavam querendo se distanciar um pouco das máquinas para soarem mais orgânicos do que nunca, o momento atual de Thomas é este: rosto à mostra, usando um bonezinho do Friends, falando corriqueiramente sobre sua vida e carreira. O encanto foi quebrado, e não há mais volta.
“Minha prioridade em 2023 está no lado dos humanos, não das máquinas. Eu definitivamente não tenho nenhum desejo ou intenção de ser um robô em 2023. Não existe um motivo sequer para eu querer sê-lo”, disse ao New York Times em matéria de abril do ano passado, que revela como o músico francês se encontrou agora como compositor de trilhas sonoras e balés.
Na época, ele estava gravando a trilha de Mythologies, balé apresentado na França, com músicos e dançarinos de carne e osso, criado em parceria com o coreógrafo Angelin Preljocaj. E de acordo com Zachary Woolfe, que escreveu a reportagem, apesar de ter abandonado os computadores e os teclados, o novo trabalho de Bangalter incrivelmente soa tanto como uma quebra do que era feito com o Daft Punk, quanto como uma continuidade. Afinal, alguns cacoetes e visões artísticas, naturalmente, permanecem. O robô Thomas Bangalter e o homem Thomas Bangalter, no fim das contas, são um só.
Em outra entrevista, desta vez à Radio France, é possível entender melhor o que “ser um robô” significou para ele. Falando sobre o mito de Perseu [um dos abordados em Mythologies], o artista admitiu abertamente que, assim como o semideus grego se protegia do olhar petrificante de Medusa com seu escudo, ele, Thomas, se protegia de possíveis efeitos colaterais indesejados da fama com o seu capacete, optando por se manter distante e misterioso. Nada disso, porém, existe mais, senão como belas lembranças e retratos daquele tempo, eternizados através da fantástica música que o Daft Punk lançou.
Vale lembrar também que o duo já havia assinado a trilha sonora para o reboot do filme Tron, em 2010, o que, olhando em retrospectiva, era revelador quanto às intenções atuais de Thomas. Diferentemente daquele disco, porém, o agora compositor quer se ver longe dos elementos sintéticos e digitais. Ao menos, por um tempo.
“Inicialmente, eu estava interessado em misturar música eletrônica e sinfônica, como eles fizeram em Tron. Mas eu acho que o Thomas queria ter uma experiência completamente nova. Ele me propôs uma composição completamente orquestral, e eu obviamente respeitei o seu desejo”, revelou Preljocaj ao Times. Ao mesmo tempo, o próprio Bangalter admitiu que pode voltar a usar elementos da dance music em futuras composições:
“Eu sinto que aprendi algumas coisas em todo esse processo [como parte do Daft Punk] que eu ficaria feliz de integrar em meus projetos criativos futuros. Mas o que sempre me guiou foi seguir por um caminho, e depois fazer o oposto”.
À Radio France, complementou o pensamento:
“Acho que [se livrar das máquinas] é libertador para muitas pessoas. Quando você coloca essas máquinas de lado, você tem a impressão de estar em um lugar mais calmo e tranquilo. Sempre fui fascinado por elas e por tecnologia em geral, mas o que eu questiono, e o que me assusta um pouco, é o relacionamento que temos com elas atualmente.”
Pois é.