Stigmata é a dica da vez na coluna de Amandha Monteiro
Se você gosta de manifestações inexplicadas, santos, demônios, mentiras e sangue (muiiiito sangue!), vai amar Stigmata, clássico filme de Rupert Wainwright lançado há 25 anos. Frankie Page (Patricia Arquette) é uma cabeleireira de vida nada casta que, do nada, como se estivesse possuída pelo demônio, é afogada na banheira e quase sangra até a morte com o surgimento de estigmas — feridas como as de Jesus, na crucificação, normalmente atribuídas a grandes santos e figuras religiosas.
Até que surge um padre gato pra ajudá-la, e juntos, eles vão lutar até contra a Igreja Católica pra desvendar a razão de uma ateia estar recebendo esse “presente”. Gabriel Byrne, que faz o padre, está superbem, e olha que interessante: antes de ser ator, ele foi seminarista por cinco anos, desistindo após ser vítima de abuso sexual. Além disso, ele é arqueólogo formado. Ou seja, o cara foi perfeito para o papel!
Outro destaque vai pra licença poética, recurso muito comum utilizado no cinema pra potencializar o efeito dramático de algo. E quanto mais elas são pertinentes e bem dirigidas, menos você as repara ou questiona. Só que normalmente, se trata de um detalhezinho. O que chama a atenção em Stigmata é que há muiiiiitas licenças poéticas. Por exemplo, durante boa parte do filme, cai água dentro do apartamento de Frankie, como se houvesse um vazamento vindo de cima. Mas ninguém fala sobre isso, não faz parte da trama; essa água só cai do teto pra aumentar a carga dramática da cena.
Outro exemplo: mesmo sem ser religiosa, ela tem no seu banheiro um altar de velas, assim como ao lado da cama. Então, bota reparo em como a mecânica da licença poética é eficiente em aumentar a dramaticidade! E o segundo “bota reparo” vai pra montagem: ágil, sexy, envolvente e misteriosa. O ritmo é muito bom!
Importante dizer: não se trata de um filme de terror, mas de um filme de horror. Pode ir sem medo assistir a esse grande sucesso dos anos 90 que arrecadou milhões de bilheteria e que fez o diretor entrar na “lista negra perpétua” da Igreja Católica até hoje! Com o alvoroço causado — depois da estreia, ele chegou a ser censurado na Itália —, Wainwright filmou dois finais, sendo um mais lúdico e brando. Isso porque a perseguição ao filme foi tamanha, mesmo durante as filmagens, que pra reduzir os problemas, ele optou pelo mais levinho.
Agora, deixo vocês com as palavras do professor Dennys Xavier, que me ajudou a compor uma análise mais filosófica de Stigmata.
Filosoficamente falando…
Stigmata traz algumas reflexões muito importantes sobre a mediação de figuras e instituições, quando nós estamos diante de determinadas ideias ou determinadas crenças que desejamos alimentar. Há uma cena que diz: “o mensageiro não é importante”. Quem faz a mediação entre as ideias e os homens não importa, porque as ideias podem ser absorvidas diretamente pelos homens, sem mediação.
Isso mexe muitíssimo comigo. Por que é que, com muita frequência, nós passamos a considerar como coisa de maior importância o intermediário da mensagem, e não a mensagem propriamente dita? Por que nós vamos discutir qual mensageiro é mais importante? E por que não estamos falando sobre a mensagem levada por ele? Há muito poder envolvido. Há muita manipulação envolvida. Há muito mau-caratismo envolvido.
A única forma que nós temos à disposição para nos livrarmos da ditadura do mensageiro é a inteligência bem-nutrida. É a pergunta cética. É a dúvida. Coisa que, obviamente, os mensageiros, eles próprios, não vão alimentar. Pelo contrário, o que eles vão dizer é: “acredite, eu te conduzo. Eu te levo. Não precisa ir até o texto, estou te oferecendo o resumo, pronto e acabado”.
A grande mensagem do filme, independentemente de questões religiosas, é: será que não vale a pena nutrir-se mais pela mensagem do que pelo mensageiro? O mensageiro erra, o mensageiro morre, o mensageiro se corrompe, o mensageiro se vende. A ideia, aquela que nós devemos realmente nutrir, permanece!
Stigmata pode ser assistido no Amazon Prime Video e na Apple TV.