O Lov.e Club & Lounge foi um dos maiores divisores de água da cena noturna brasileira. A casa surgiu na segunda metade dos anos 90 com som primoroso, decoração kitch e um conceito que reinterpretou o heroin chic que tomava Nova York ao jeito brasileiro: música quente, dança fervorosa e noites intermináveis. Muito mais club e menos lounge.
Laerte Castanha conversou com os envolvidos e nos conta a incrível história desta saga. Fotos Fábio Mergulhão.
“O Lov.e foi minha segunda casa!” – Claudia Assef
Na segunda metade dos anos 90, assistimos à explosão das raves, que passaram de pequenos eventos envolvendo algumas centenas de iniciados a grandes festivais para milhares de fãs. Com cada vez mais boates assimilando os novos ritmos que pipocavam a toda hora, a cena eletrônica cresceu exponencialmente no país. Em São Paulo, vivia-se a onda dos superclubes como o Floresta, Columbia, B.A.S.E. e U-Turn, locais com grande capacidade de público, projetos arrojados de muitos ambientes, jardins e várias pistas, em que se tocava uma mistura de house, techno até dance comercial e pop.
A paixão dos clubbers ainda balançava por pistas pequenas, com muita fumaça, pouca luz e calor intenso, como as do Hell’s ou d’aLoca, onde podia-se ouvir também deep house, hard techno, jungle ou drum’n bass.
Angelo Leuzzi e Flávia Ceccato eram sócios da incrível B.A.S.E., mas não estavam felizes com as muitas interferências dos inúmeros sócios nos rumos da casa. Então, em 1997, venderam sua parte e partiram para um novo projeto, em um local pequeno na Vila Olímpia onde antes funcionava um puteiro.
“Estávamos duros! Comendo kit-habbibs de R$ 7, então o clube seria basicamente uma caixa com as paredes pintadas de preto e pichações, como tantos espaços de música underground. Se chamaria E.Lectro”, conta Flávia. Mas, num jantar com um amigo de Los Angeles, o arquiteto Peter Schorf, tudo mudou. Ao contarem o que pretendiam fazer, ele falou: “Nada disso, o nome tá na mão dela!” (Flávia tem a palavra LOVE tatuada nos dedos da mão). Ficou Lov.e. E de eletrônica. E de êxtase. No lugar do caixote preto, um espaço lúdico de cores quentes, decoração em laranja, azul e rosa, pegada kitsch, luminárias e lava lamps. Com todos os detalhes pensados pela Flávia, tocaram o projeto via fax, trouxeram de navio os lustres garimpados em Los Angeles e em três meses a casa estava pronta. Foi inaugurada em 12 de junho de 1998, dia dos namorados. Nada mais emblemático.
Um espaço retangular com aura retrô e um toque psicodélico dos anos 60, onde cabiam espremidas umas 450 pessoas (mas a gente jura que já houve noites com beeeem mais!). Uma característica que difere muito dos recintos dos dias atuais é que o Lov.e era a pista. Não havia outros ambientes, área de fumantes (se fumava ali dentro mesmo) ou um local mais tranquilo para relaxar ou bater papo com som mais baixo. Ao entrar você já era atordoado pelo ótimo som DAS que algum excelente artista estava mandando. E a sensação da pista bombando só cessava ao sair de lá. Na verdade, havia um lugar mais calmo, mas não aberto para todo o público, o concorrido lounge Super-vip. Uma sala pequena com dois sofazinhos, um pequeno bar e uma máquina daquelas automáticas para fazer fotografias. Também havia uma pequena saída para uma área aberta onde cabiam três pessoas e uma escada que levava ao telhado. Por ali, muitas estripulias ocorriam. “A gente entrava no clube pela cozinha, atravessava por uma passarela, saía pelo telhado, se trancava no estoque…”, conta Dani Lang, frequentador assíduo do clube, “Onde cabiam duas pessoas, a gente entrava em dez!” (risos).
“Às vezes, a Super-vip virava até pista. Fazíamos a Discology às terças e o clube lotava tanto, em pleno início da semana, que a gente usava a Super-vip pra fazer uma segunda pista. Muita gente legal que não era DJ tocou ali: Soninha Francine, Fabio Mergulhão, João Sal, Luma… ficava apinhado de gente e era incrível. A gente apagava a luz do clube às 6h, dando de cara com a quarta-feira gritando”, relembra a jornalista Claudia Assef. “Nessa época eu tinha uma agência na rua de trás do Lov.e e atravessava um terrreno baldio pra ir ao clube toda noite, praticamente! Foi minha segunda casa. O clube era muito rico nos detalhes, as pulseiras, o café da manhã super lindo (que eu nunca comi kkk), os DJs, a decoração. A Flavinha é muito detalhista e o clube era a cara dela. Foi minha segunda casa”, conta Claudia.
As inovaçõs do Lov.e Club
Uma das primeiras a chegar foi a DJ Paula Chalup, que ficou encarregada de fazer o aquecimento para as noites, tocando de terça a sábado, das 21h à meia-noite durante cerca de um ano, quando ainda servia-se comida no local. Após esse período, passou a ser organizadora e residente, aos sábados, da Combustível. “Foi uma escola pra mim, tanto para me aperfeiçoar como DJ como para aprender a fazer e produzir festas”, conta Paula. “Quando eu não estava trabalhando, eu frequentava pra me divertir”. Paula, uma DJ que estava apenas iniciando, foi uma das acertadas escolhas de Ângelo, fato que termina por sintetizar algumas das principais características do clube, tais como a busca por novidades, do aprender fazendo e de criar laços entre as pessoas.
Entre as principais inovações do Lov.e estavam as noites totalmente segmentadas, cada uma dedicada a um estilo. Muito provavelmente foi o primeiro clube a ter uma programação fixa nesses moldes, coisa que se tornaria padrão na maioria deles a partir de então. Ângelo trouxe Cesar Semensato, parceiro de várias empreitadas desde o Rose Bom Bom. Cesar era assessor de imprensa e também fazia na terça-feira a Lov.e 4 Friends, onde se revezavam semanalmente projetos diferentes, como o Jack, de Marcos Morcerf, o Substância com Mr. Gil e Jac Jr ou a Discology da nossa Claudia Assef. A noite era uma das mais queridas da casa e um sucesso de público em pleno começo de semana. As quartas eram de Dmitri, com a Lov.e Tribe, com trance e progressive, estilos em alta nesse período em que ocorria a popularização das raves. Ângelo apostou e trouxe o povo raver pra dentro do clube e deu super certo. “Devia ser uma das festas mais lotadas da casa pois, quando acabava, a pista ainda estava cheia” conta Dmitri. “Tinha que mandar todo mundo embora!”
A primeira noite de drum’n bass em clubes do circuito Jardins foi com um jovem veterano que estava destruindo nas carrapetas pela periferia, particularmente na Toco onde era residente, o DJ Marky. Flávia e Ângelo assistiram ele tocar numa festa da jornalista Erika Palomino e ficaram passados com a performance, depois foram vê-lo jogar em casa, na ZL, e bateram o martelo para fechar sua residência e criarem a Vibe. A partir daí, todas as quintas-feiras a Vila Olímpia tremia. Foi na pista do clubinho que Brian Gee também ficou de cara com a absurda técnica e carisma do nosso Marquinhos e o convidou para ir a Londres. O resto é história.
Nessas andanças em busca de ideias e gente para tocar os projetos foram parar numa festança fervidíssima comandada por Oscar Bueno, que já organizava um chill-in lendário no The Cube, que levava o povo pro Hell’s depois que o bar fechava. Foi fácil decidir; Oscar comandaria o after que fez história na cena paulistana, o Paradise. E assim fomos do caixote escuro à luz transbordante, do inferno ao paraíso. De primeira, definiu-se que o DJ seria George Actv. “Era um nome que estava surgindo, com um ótimo som e excelente técnica, tudo que precisava para reforçar a novidade”, conta Oscar. O Paradise tinha outra característica que antagonizava com o Hell’s, ali era proibido tocar techno, a ordem era descer a mão na house. “A gente tinha uma regra, se um DJ pesasse na lenha a gente logo chegava lá e chamava a atenção, brincávamos que tínhamos um houseometro para controlar”, diverte-se Oscar. “Mas, na verdade, o que o George tocava era um tech-house”, conclui.
O Paradise foi um sucesso estrondoso e mudou alguns outros conceitos, como o de todo mundo pagar para entrar. Ângelo disse pra Oscar: “Esse negócio de todo mundo que é hype entrar de graça não dá, assim ninguém vai pagar!”. A solução foi chamar o ícone da noite paulistana Marcelona para controlar a entrada. Pronto! De salto alto, casaco de peles e empunhando um taco de basebol, ela botava ordem na bagunça, e o povo obedecia e encarava as enormes filas que se formavam. Após um tempo, com o grande êxito do Paradise, Oscar foi escalado para organizar no sábado um projeto de techno que trouxesse também essa cara de novidade que o clube representava. Nascia a Technova, com Mau Mau como residente. Mau era um nome consolidado que sempre abria espaço para novos e jovens talentos. Oscar ficou até 2000 quando saiu para abrir seu próprio clube, o Stereo. Em seu lugar chegou a jovem Eli Iwasa que levaria a festa a outro patamar, tornando-a talvez a mais importante do país pela quantidade e relevância dos DJs que trouxe.
Eli transformou a Technova numa sala de aula em que a cada semana alguém experimentava uma epifania através de um set absurdo que estava rolando. O DJ Renato Cohen tinha residência n’ A Loca, no principal projeto de hard techno na cidade, mas estava querendo tocar outros sons. Numa das idas ao Love.e, quem estava tocando era Ricardo Villalobos. “A música estava em pelo menos 20 BPMs a menos!”, diz, rindo, Cohen. “Então perguntei pra Eli, ‘Posso ser residente também? Ela disse, pode (mais risadas)”. Simples assim, como em várias decisões no clubinho, as noites passaram a ter Mau e Cohen como residentes e estabeleceram uma parceria que fazia muita gente ir até lá especialmente para ouvi-los tocar, independente de ter atração gringa ou não.
Flavia Ceccato assume a bronca
Apesar de ser um sucesso de público e crítica, financeiramente e pessoalmente as coisas não iam bem. Em 2000, Flávia e Ângelo terminam o casamento sob um forte litígio para ver quem não iria ficar com o Lov.e, já que ambos queriam mesmo era ficar com a casa em que moravam. Após meses de briga, um dia Flávia desencanou, foi morar com a amiga Claudia Liz, ex-mulher do agora ex-marido, e assumiu a direção do clube. Chamou seu pai para cuidar das finanças, formou uma equipe forte e fez algo que Ângelo nunca faria; passou a delegar poderes.
“Ele era totalmente centralizador, e eu sou o oposto”, diz ela. Funcionou, e em pouco tempo o clube estava no azul. As mudanças operacionais trouxeram mais profissionalismo e principalmente selaram a união entre funcionários, promoters, hostess, pessoal do bar, segurança. Todos terminaram por formar algo muito próximo do conceito de família que tanto se ouve quando se referem ao clube. “Devo tudo àquela equipe, era tanto amor que reverberava”, diz Flávia. Uma das que chegaram foi a hostess e hoje DJ sediada em Nova Iorque, Elle Dee: “Era uma delícia e uma honra trabalhar lá. E uma escola também, fora o fato de conhecer grandes artistas como Octave One e Anthony Rother.”
Falando em Rother, é impossível não lembrar a primeira vez em que ele esteve no Brasil com seu live com meia tonelada em aparelhagens, fazendo muita gente chorar, inclusive o alemão, que desabou em lágrimas na salinha ao terminar a apresentação. Foram dezenas de noites memoráveis no clubinho, como as de Laurent Garnier. “Uma vez ele veio para tocar no Via Funchal, e eu fui encontrá-lo”, conta Eli. “Convidei-o para conhecer o clube e assim que entrou me disse: ‘Por que eu não estou tocando aqui!? Esse é o meu tipo de clube!’. Expliquei que não podíamos pagar seu cachê e ele acabou tocando várias vezes por um valor muito abaixo do que cobrava”. Ou de Sven Vath, que chegou de surpresa, mandou buscar o case de discos no hotel e tocou a noite toda. Mais noites inesquecíveis com Afrika Bambaataa tocando para um clube entupido de gente em plena segunda-feira, o Slam, que ficou até as dez da manhã em uma terça, Dave Clarke em sua primeira gig no Brasil, Marco Carola deixando todo mundo de cara com sua técnica e calma em três toca-discos, Vitalic destruindo tudo e obrigando a segurança a travar as portas, pois não cabia mais ninguém. Ou os E-Z Rollers ou Dilinja quase pondo abaixo o prédio na Vibe. Fora dezenas de brazucas que faziam a função com extrema categoria, aliás não foram poucas vezes que artistas como Marky, Mau Mau, Daniel Um ou Murphy botaram os gringos no bolso.
Murphy tocou a primeira vez lá na Jack, numa terça-feira, e foi tão bem que foi chamado na mesma hora para fazer mais duas semanas seguidas. Logo se tornou residente da Combustível e depois da Lov-e Express, na época comandada pela promoter Carla Doll. Ele deu muito trabalho para o tal Dave Clarke, fazendo um set memorável em que abriu a pista para “The Boss”. “Tocar no Lov.e era uma referência, um ponto muito importante da carreira”, diz Murphy. “As pessoas no exterior sempre me perguntavam do clube, no Gashouder (Holanda), no Rex (Paris)…”, completa. O clube foi um dos primeiros a receber atenção fora do país, sem dúvida devido à excelente impressão que causava nas centenas de DJs do mundo todo que lá tocaram.
Definitivamente nas graças dos notívagos paulistanos
Com a popularização da música eletrônica naquela década, muitos roqueiros passaram a frequentar as festas, raves e clubes, seduzidos pela atmosfera libertária, novos sons e loucura. Um dos que mergulharam nessa foi João Gordo, que já era frequentador do Hell’s e assim que a casa abriu passou a bater ponto lá. Nesse período João comandou junto com Vivi Flaksbaum a festa On The Rocks, com muito new wave, punk, glam e hard rock. A festa era um sucesso e uma das primeiras a trazer o rock para os clubes de eletrônica. Para uma geração que foi criada sob o slogan sexo, drogas e rock’n roll parecia o caminho lógico.
“Eu frequentava de quinta a domingo, foram os anos mais loucos da minha vida, acho que derreteu um pedaço do meu cérebro lá!”, conta João. “Aquele lugar era muito louco, o ambiente, as mulheres lindas… E tinha aquele banheiro! Tenho certeza que abriu um buraco na cabeça”, risos. O tal cômodo era o toalete para cadeirantes que ficava bem atrás da cabine do DJ e que era utilizado das maneiras que sua imaginação permitir e com lotação muito superior à sua capacidade. Eli parece concordar: “E o que era aquele, banheiro!? Quem não viveu naquele banheiro não viveu o Lov.e!”, diz ela, rindo muito.
O Lov.e começou underground, mas logo acabou por atrair artistas, socialites e celebridades. A lista de famosos que frequentavam ou passaram por lá é grande: Ana Hickmann, Fábio Assumpção, Mariana Ximenes, Preta Gil, Guta Stresser, Marisa Orth e Antonio Calloni. Tinha também todo o povo da moda, como Alessandra Ambrosio, Alexandre Herchcovitch, Marcelo Sommer mais Fernanda Lima e Rodrigo Hilbert antes de namorarem. Era tão badalado que foi escolhido por Caetano Veloso para comemorar um aniversário no clubinho em uma festona bapho.
Aliás, as festanças de aniversário do Lov.e eram históricas e ocorriam em outros locais, pois o clube obviamente não comportava tantas pessoas. Houve uma num Cine Paramount em ruínas, no Playcenter com o povo louco se divertindo nos brinquedos e uma num puteiro com as moças todas lá, curtindo também. Bem, ou quase. “Elas viram a casa cheia e pensaram que iam se dar bem”, conta Cohen. “Mas o pessoal estava em outra, só querendo se jogar!”. A solução para elas foi cair na farra também. Sem falar nas tradicionais comemorações de Natal, sempre com seus respeitáveis e consagrados strip-teases. Como a que fizeram em parceria com a Circuito e que trouxe Surgeon e Miss Kittin. Também houve uma enorme, junto à Ultralounge e à X-Demente, na Fundição Progresso no Rio de Janeiro, no Réveillon de 2002, com centenas de clubbers paulistanos se deslocando em caravana para a Cidade Maravilhosa. A atração principal também foi a francesa e o rolê foi um arraso com as três pistas lotadas do começo ao fim.
O Lov.e desempenhou um importante papel social com eventos ao ar livre em vários pontos da capital e grande São Paulo. Através do hoje Secretário de Cultura Alê Youssef, fizeram a parceria Lov.e por SP, que arrecadava alimentos e levava grandes DJs para tocar de graça a um público que não tinha condições de vê-los nas casas noturnas e a milhares de pessoas que tinham contato com a música eletrônica pela primeira vez. Também foram o primeiro clube a ter uma escola para DJs e com metade das vagas destinadas a bolsistas. Além disso, nas terças e quintas, o ingresso para o clube era 1kg de alimentos não-perecíveis. Um dos segredos do ambiente amoroso, tanto entre os frequentadores quanto aos profissionais da tal Love Family, é que eram todos muito amigos, com vários deles recebendo convite para o trabalho ali mesmo. Como o DJ Sylvio Balzer, o Sylvinho, doorman na época: “Eu já frequentava muito as noites do Marky, até que um dia fui chamado, mas disse que não podia, pois jogava futsal profissionalmente”, conta. “Disseram pra eu ficar três meses e depois decidir. Fiquei sete anos!”, ri Sylvinho. Vários amigos e frequentadores começaram a carreira ali, como a DJ Ale Rosa, que foi hostess e bartender, a produtora de eventos Elaine Ela, que foi hostess e produtora de noites, além de Claudia Riston, Sylvinho e Eli Iwasa. E alguns foram contratados literalmente na pista.
Tudo era muito divertido naquela cápsula de amor, hedonismo e loucura, porém, após algum tempo, a realidade se mostrou bastante dura. Em 2003, a polícia começa a realizar uma operação em busca de drogas nas boates e casas noturnas da capital, uma tal e famigerada Operação Dancing. O Lov.e foi uma das mais visadas, recebendo cerca de 15 visitas em dois meses. E as inspeções não eram nada amistosas, homem pra um lado, mulher pro outro, mão na cabeça, truculência. Teve até DJ gringo que tomou tapa na cara porque não entendeu o que o policial estava falando. E toda a vez era a mesma coisa, os agentes não encontravam nada que justificasse aquela encenação. Até que, de repente, após uma “conversa” com Flávia, as batidas cessaram. Tanto transtorno resultou em um prejuízo considerável no faturamento, com muita gente deixando de frequentar.
Em 2006, o clube precisava de uma novidade, algo que renovasse e trouxesse público. O funk carioca, como era chamado, tomava conta do Brasil, com exceção de São Paulo, onde havia forte resistência ao estilo. O DJ, e hoje Secretário de Turismo e Cultura de Mangaratiba, Marlboro queria trazer o funk para a cidade e através de Marcos Boffa, amigo de Flávia, firmaram a parceria em uma das noites mais inusitadas e insanas da casa, a Pancadão. “São Paulo estava em coma!”, diz Marlboro, “A festa foi uma injeção de adrenalina no coração da cidade!”, completa. Para o clube também. “Foram as noites mais lotadas que tivemos, com até 1.200 pessoas!”, conta Flávia. “Um dia achamos uma calcinha no lustre!”, diverte-se ela.
Marlboro vinha do Rio em um ônibus com funkeiros de várias comunidades de lá, a tal Ponte do Funk, para misturar todo mundo em um caldeirão de gente ensandecida, com direito a famosas tirando a roupa e descendo até o chão. Numa das edições, com Serginho e Lacraia quem tocava era a DJ Caroline Campos, que presenciou um insólito leilão de beijo da Lacraia: “A Pancadão era uma loucura, eu cheguei antes de abrir, mas só consegui descer da cabine às cinco da manhã de tão cheio que estava!”, conta. “Lá pelas tantas, oferecem R$ 50 pra quem beijasse a Lacraia. Um boy aceitou e depois ficou meio sem jeito quando viu o tamanho da figura, mas aí era tarde demais!”, ri Caroline.
Nos sábados houve revezamento de residentes, com Murphy, Lukas, Gu, Snoopy, Camilo Rocha e a rainha do acid-techno, Mara Bruiser que comandavam a Lov-e Express, organizada pelos promoters Hermes Sant Ana Filho e Elaine Ela. Foram as noites de acid e techno pesado e duraram cerca de dois anos com direito a um long set histórico de Dave The Drummer. “Foi o auge da cena eletrônica por aqui, só tenho boas memórias de lá”, diz Mara. “Era muito legal pois tinha uma mistura do pessoal under com uma galera mais jovem. Eu era a primeira a chegar e a última a sair” diverte-se Mara. As noites eram tudo menos monótonas. “Uma noite chegou uma menina que queria guardar uma cobra na chapelaria!” conta rindo Elaine. E de sábado para domingo ainda tivemos outros afters acontecendo como o Sonâmbulos de Nenê Krawitz e o Lov.e Machine organizado por Mari Delellis e Renats e que teve como residentes o casal numero um do hard techno, o Pet Duo, tocando em um formato inédito de quatro toca-discos e dois mixers e botando muita lenha nas manhãs de domingo. Uma das ideias mais inusitadas e incríveis foi a de servir um café da manhã de cortesia quando estava todo mundo em plena fritação. Talvez por perceberem que era bastante comum as pessoas saírem de lá direto para o trabalho. Deu super certo, o Lovely Breakfeast com frutas, sucos, brioches e café dava um gás pra quem ia descansar, encarar o batente ou continuar se acabando na pista.
A maior diversificação do público trouxe todo tipo de gente, incluindo quem não se encaixava naquele espectro do amor e diversão. Muita polícia, muito bandido. Houve um caso de um policial que entrou armado, se envolveu em uma confusão e acabou disparando a arma atingindo uma pessoa que veio a morrer no hospital. Um outro homem foi morto a tiros na porta da boate. Enquanto corriam os processos, a casa não podia se manifestar, o que gerou muito comentário negativo. Também sempre houve bastante reclamação de vizinhos por conta do barulho e de frequentadores pela lotação excessiva, calor e até pelo preço da água mineral. Em 2006, Flávia abre no imóvel ao lado a Loveland, um cabaré aonde as pessoas chegavam cedo, comiam, assistiam a shows para depois entrarem no Lov.e. Foi uma aposta alta que acabou não dando certo e que impactou fortemente nas finanças da empresa. Com todo esse desgaste mais a mudança do público que já não frequentava o clube como antes, ela toma a difícil decisão de fechar as portas. São realizadas então duas festas de encerramento, uma para o drum’n bass e outra para os demais estilos. Foram dezenas de DJs e muita choradeira. Um dos mais importantes capítulos da história clubber tinha acabado.
Após o fechamento do Lov.e a música eletrônica já estava consolidada como um grande negócio em nossas terras, que hoje conta com excelentes clubes mundialmente conhecidos. Muitos dos que dançaram naquela pistinha se tornaram respeitáveis profissionais da área e não é exagero dizer que ela teve um importante papel nisso. Ali as pessoas tiveram essa catarse de amor e loucura em pista de dança como poucas vezes tínhamos vivido até então. Claro que o momento conspirou, e o fato de o nome do clube ser um mix de amor com êxtase acabou dando um significado ainda maior a isso tudo. E dá uma saudade danada ao lembrar de como fomos felizes naquele clubinho do coração. E naquele banherón, então…
FRASES
“Era tanto amor que reverberava” – Flavia Cecato
“Aquilo era um caldeirão em ebulição! Era tão bom!” – Cesar Semensato
“A gente não tinha medida” – Dani Lang
“As pessoas não iam pra fazer social, iam pra dançar” – Renato Cohen
“A gente ganhava muito mais em outras festas, mas fazia questão de tocar lá” – Renato Cohen
“Tocar no Lov-e era uma referência, um ponto muito importante da carreira” – Murphy
“No começo, a pista ficava no chão e as pessoas enlouqueciam e subiam todas no praticável do DJ” – Murphy
“Sou extremamente grata por ter feito parte dessa história!” – Paula Chalup
“Foi uma honra e uma escola pra mim trabalhar lá” – Elle Dee
“Foi um privilégio ter vivido tudo aquilo, fazer parte dessa história” – Elaine Ela
“Tinha um garoto que toda noite estava. Era o (Dj e produtor) Daniel Dunkl. Acabamos casando! haha!” – Elaine Ela