Sara Poyzer Sara Poyzer em “Mamma Mia”. Imagem: Reprodução

Decisão da BBC em trocar atriz por Inteligência Artificial causa confusão no meio artístico

Jota Wagner
Por Jota Wagner

Possível falha de comunicação colocou ainda mais lenha na fogueira no debate sobre IA

A emissora estatal inglesa BBC se meteu em uma tremenda confusão na última semana, gerando revolta na classe artística pelo fato de ter convidado, e depois dispensado a atriz Sara Poyzer, conhecida por atuar no musical Mamma Mia. A empresa de mídia preferiu utilizar vozes geradas por inteligência artificial para a narração em um documentário.

Ao ser avisada de que seus serviços não seriam mais necessários, Poyzer correu para as redes sociais e publicou um print do email, que avisava que ela estava dispensada do job, e o motivo.

A postagem gerou revolta entre os colegas atores, os sindicatos de classe e o público em geral, pregando a resistência contra a invasão das máquinas ao campo de trabalho dos seres humanos. Seu tweet teve mais de dois milhões de visualizações e respostas de outros atores famosos. Miltos Yerolemou, que atuou em Game Of Thrones, respondeu que “é hora de resistência”.

O que Poyzer se esqueceu de divulgar em seu protesto — e talvez, por falha de comunicação da própria BBC, não tenha sido avisada — foram os motivos pelo qual o seu trabalho de narração foram dispensados.

A corporação não quis usar a voz de um ator porque a pessoa registrada no documentário que está sendo filmado está em fase terminal de uma doença, e não tem mais condições de falar. Em conjunto com sua família, a produção decidiu recriar a voz do próprio documentado a partir de gravações de quando seu estado de saúde era estável. A emissora usou a tecnologia para permitir que o texto fosse narrado usando a voz do próprio autor. Perfeitamente compreensível, ainda mais se decidido em conjunto com familiares.

Em comunicado oficial, a BBC não divulgou qual o tema do documentário, e nem a identidade da pessoa que precisou ter sua voz reconstruída artificialmente:

“Nós estamos gravando um documentário com assuntos altamente sensíveis, que incluem um colaborador que está próximo do final da vida e atualmente incapaz de falar. Estamos trabalhando juntamente com sua família para decidir qual a melhor forma de representar sua voz no final do filme, quando um texto de sua autoria precisará ser lido. São nestas circunstâncias, bastante específicas, e respeitando o desejo de seus familiares, que concordamos em usar a inteligência artificial para uma breve parte do roteiro e recriar uma voz que não poderá mais ser ouvida. Além disso, a recriação será claramente identificada no filme”.

Quando a emissora se pronunciou, no entanto, a confusão já estava armada nas redes sociais. A preocupação em ter seu trabalho substituído por soluções mais baratas é realmente pertinente no momento atual. Mas o caso de Sara Poyzer tem muito mais a ver com o que o se chama, no meio corporativo, de “ruído de comunicação”.

Ainda assim, sindicatos de atores americanos e ingleses já cobram de seus deputados uma legislação clara em relação a permissões do uso de vozes e imagens geradas por computador em produções de entretenimento. Se levarmos em conta que, em mentes criativas, esses recursos podem ser explorados para criar expressões artísticas hoje impossíveis tecnicamente, a discussão vai ser longa.

Jota Wagner

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é repórter especial de cultura no Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.

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