Ao lançar o aclamado Róisín Machine este ano, a irlandesa Róisín Murphy consolida sua posição de diva pop européia. O disco caiu como uma graça para os aficionados por música dançante com um apelo eletrônico, provocativo e bastante calcado na house de Manchester, lugar e período que viveu intensamente.
Róisín Murphy conversou com exclusividade no Brasil para o Music Non Stop, direto de sua casa. Ao fundo um piano, porta retratos, flores… e filhos interrompendo a entrevista por Zoom. Algo que nos aproxima. Da porta para dentro não existem rockstars. Da porta para fora ninguém está nu.
Desde que deixou a dupla de sucesso mundial Moloko, com a qual veio ao Brasil no ano 2000 para se apresentar no Free Jazz Festival ao lado de Leftfield, Róisín trouxe ao mundo álbuns elogiadíssimos. Seu primeiro disco solo, Ruby Blue, foi produzido por Mathew Rebert (produtor de Björk e outros grandes nomes), é considerado uma obra prima do jazz sintético.
Dois anos depois a cantora lançou Overpowered, premiado na Irlanda, seguido por uma pausa na carreira para se dedicar à maternidade que durou quase uma década. Voltou às prateleiras com o intimistas Hairless Toys (2015) e com as sobras deste álbum lançou Take Her Up To Monto, de 2016.
Mas é com Róisín Machine que a cantora entrega para o mundo algo que muita gente precisava. Um álbum ao mesmo tempo dançante, experimental e transgressor. A sensação é parecida com a audição do primeiro álbum, Disclosure: de que sim, há muita coisa ainda que pode ser feita na house music e que o estilo serve como uma bela cama para pirações pop.
Róisín Machine, produzido por Richard Barratt e lançado em outubro, já está na lista de melhores do ano de jornais como o The Guardian, Pitchfork e BBC. A cantora conversou com exclusividade no Brasil ao Music Non Stop, em papo que envolveu seus discos prediletos, sua vida em Manchester e muito mais. Róisín também participou do webshow Todo Mundo é DJ, produzido aqui no quartel general.
O interesse pela música surgiu cedo. “A música meio que salvou minha vida. Quando criança, vivia em Manchester em uma família muito dramática. Meus pais se separaram quando eu tinha 15 anos e comecei a andar com o pessoal da música… parei de me sentir como se andando em círculos. Sempre tinha shows para ir, lojas de discos para visitar e coisas para ler”, nos conta Róysín. Quando sua mãe retornou à Irlanda após a separação, foi a música que fez com que ela decidisse ficar em Manchester. “Música nunca me fez mal. Sempre me trouxe as pessoas certas e me levou aos lugares certos na hora certa”.
“Sempre adorei dançar. E era isso o que eu fazia todos os dias”, continua ao lembrar dos tempos do verão do amor nos Midilands. “lá era o lugar para estar nos anos 80 e 90. Era fantástico. Fui ao Hacienda algumas vezes mas não era meu club favorito na cidade. Era muito grande pra mim. Tinha muitos corredores. Eu gosto de atravessar a porta de entrada e já dar de cara com a pista de dança. Feche a porta e esqueça completamente do mundo lá fora. Estes são os melhores clubs” – avalia. “Eu ia a Sheffield. Lá a cena era bem menor, todo mundo se conhecia, amava música, montava pequenos selos e estúdios. Era uma pequena comunidade de pessoas criativas, DJs, designers, todos envolvidos com música”.
Corta para 2020 e o Róisín Machine
“Róisín Machine começou há 10 anos atrás, ou mais, durante minha parada. Quando eu terminei Overpowered eu quis ir mais fundo na house e na disco music. Então a melhor escolha para produzier seria seria Parrot, o único cara que poderia me ajudar nisso. Nós frequentamos a mesma cena juntos. Sabia que poderíamos fazer algo autêntico. Nós dividíamos a mesma coisa em Sheffield”, conta a cantora ao explicar a escolha de Richard Barratt, produtor da Earth Records que também assina como Parrot. “Ele criou uma cena inteira em Sheffield. É parte do meu DNA”.
“Eu uso música como remédio. Como droga” – nos conta Róisín Murphy, que faz que estão de frisar que, antes de ser uma fazedora de música, é uma fã de música. “Conheço vários produtores que eu realmente respeito, que simplesmente enjoaram de dance music. Não aguentam mais ouvir. Eu simplesmente não entendo isso”.
A adolescente que saia para dançar em Manchester nos anos 80 e evitava o Hacienda porque era muito grande continua ali, inclusive saindo para balançar as cadeiras com seu namorado quando podia.
Róisín Machine, portanto, é sonoramente auto biográfico. A biografia do rolê. Da noite. Da pistinha lotada que, como já disse a cantora, está em seu DNA. E justamente por isso soa tão autêntico. O cheiro, o sabor, o som do começo da dance musica eletrônica underground está lá. No disco, na capa, na Róisín Murphy.