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Senoide. Seu guia para entender o que está acontecendo de novo na música e fugir da mesmice das playlists.

Jota Wagner
Por Jota Wagner

Senoide, a sensacional coluna de Marco Andreol, está de volta ao Music Non Stop  para fazer do seu domingo uma bússola de novas tendências, caminhos sonoros, portas de saída para a mesmice da sua playlist.

 

Seja na música experimental ou não, engana-se quem diz que 2020 não aconteceu.

Produtores independentes até hoje trancados em seus estúdios puderam arriscar novas trajetórias sem o crivo do público, sem a insegurança típica que persegue a maioria dos artistas a cada nota, som ou célula rítmica. Este momento é inédito também pela liberdade que proporciona aos criadores de música.

Do ponto de vista da eletrônica experimental de pista – que foi batizada de Conceptronica pelo jornalista Simon Reynolds em 2019, mas que hoje está sendo chamada simplesmente de Avant-garde nos grupos das redes sociais – 2020 é o momento em que o Pop se infiltra e se funde aos experimentalismos da década de 10, de certa forma freando o ruído quase radical. Mas, se nos últimos anos sua atenção estava voltada à canção e aos videoclipes, é possível perceber que o Pop tornou-se mais “estranho” – por exemplo, o instrumental que sustenta as canções açucaradas de Charli XCX, ou as fusões múltiplas de 100 Gecs e seus remixes.

Música Experimental

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Nesse sentido, vivemos um momento parecido ao da New Wave da virada para os anos 80, que mesclou naturalmente a música eletrônica ao Rock. Hoje é a eletrônica radical não-minimalista que encontra o Pop com vocal.

Imaginem o estranhamento que a New Wave e o Synth Pop causaram no final dos anos 70 quando uma grande leva de artistas uniu elementos do Rock à influência de Kraftwerk, superando a Disco e banindo qualquer regra ou fórmula estabelecida até então.

Entre o leque de ousadias sonoras da década de 10, foi a PC Music que melhor fez a ponte entre experimental e Pop. Antes irônica, a PC Music imaginava um futuro próximo hiper-real onde canções quase infantis assumiriam o trono das divas do tapetão. A indicação de Arca para o Grammy 2021, cujo álbum contém a participação da estrela máxima da PC Music, SOPHIE, confirmou a aposta de A.G. Cook, mente por trás do selo/gênero. Mesmo que Arca não faça parte do time de Cook, ela representa bem essa ponte que o Pop vê como experimental e o experimental como Pop.

O programa ‘Radio Diva Experimental FM’ que Arca apresenta desde Fevereiro de 2020 sugere uma rádio pirata e representa bem a abertura do Pop ao experimental.

O sucesso e a difusão da influência da PC Music no Pop atual se deve não só à sua sonoridade animada ao extremo, mas à compreensão para vários artistas experimentais de que é cada vez mais difícil conseguir o mínimo de sucesso comercial sem usar estéticas visuais que traduzam seus novos sons a um público que ainda depende de imagens para compreender sons.

Por isso, singles lançados muitos meses antes do lançamento de seus respectivos vídeos – como os do último álbum de Grimes – só passam a “existir” realmente quando há um anúncio de lançamento, uma divulgação bem arquitetada e o teaser do vídeo oficial postado no Instagram do(a) artista, exatamente nessa ordem. Essa relação viciosa com o lançamento faz com que dezenas ou centenas de outros nomes que não possuem recursos para divulgar seu próprio trabalho sejam quase completamente ignorados. É como se os zoomers – ou geração z – tivessem introjetado de tal modo o esquema do mercado que, mesmo estando abertos a sonoridades inovadoras, aprenderam a depender do tempo do comércio, um esquema que era inevitável até os anos 80 do século 20 e que parecia ter sido superado há 30 anos. Parece que a independência em relação ao comércio, que prometia novos mundos através de redes de compartilhamento da virada do milênio (Soulseek, Napster), hoje não é mais tão importante.

música experimental

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Por outro ângulo, o revival da Disco House acertou em cheio o público das divas com Dua Lipa, Róisín Murphy e Jessie Ware, sem importar-se com grandes inovações. Vale a pena voltar um pouquinho no tempo para ver como a coreana Yaeji (desde 2017) ou a sueca Robyn (desde 2016) moldaram o caminho das lindas de 2020. Talvez seja o álbum de 2012 de Azealia Banks que mereça o crédito pela volta da House no Pop.

 
Além da Disco House, a eletrônica latina com vocal sexy e descendente do Reggaeton de nome Perreo (Meth Math, La Zowi), e também o Cloud Rap (Yung Lean, Bladee) alcançaram um público maior neste ano. 

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Nem todo revivalismo é déjà vu para quem se liga na história da música. Depois de uns dois ou três anos de BPMs acelerados que remetiam a um tempo indeterminado da eletrônica, o Hardcore Techno e o Gabba (90s) surgem mesclados ao Hardstyle (00s) e dão continuidade aos experimentalismos da década de 10, desta vez emprestando uma estrutura relativamente mais palatável aos extremos quase “indançaveis” da eletrônica da década de 10, melhor dizendo, à Conceptronica que é, na verdade, uma evolução do IDM que leva em consideração a imagem e a performance do artista. Eis aqui lincada a coletânea de Hardcore pós-Conceptronica mais interessante do ano.

Como dito anteriormente, é uma pausa no experimentalismo radical, mas também é a nostalgia de uma era de ouro para a dance music – a virada dos anos 80 para os 90, mais especificamente os inúmeros projetos de Marc Trauner e também o tipo de Jungle que se confunde ao Hardcore Techno; o primeiro álbum de Prodigy, de Bizarre Inc., de Altern 8 e aqueles samples de vozes pitched up que traduziam em sons as imagens de adolescentes em raves inglesas ultra coloridas e que causaram terror na mídia tradicional da época. Quem também fez essa ponte entre 2020 e a estética pseudo-infantil dos anos 90 foram Machine Girl e Recovery Girl

A estética sonora e visual do Happy Hardcore (subgênero do Hardcore que se estendeu até meados dos anos 90), das coletâneas Thunderdome, do Gabber de Rotterdam e da série Frankfurt Trax se parecem ao lado mais pesado da eletrônica 2020 por resgatarem o contraste entre júbilo e terror em imagens cartoon.


Em 2020 tem até Metal, Pós Punk e sombras do Witch House mesclados à eletrônica na coletânea de remixes de Health, o que gerou variadas interpretações sobre a evolução do Industrial, que até há pouco era sinônimo de Techno alemão para o público das raves dos galpões paulistanos.

2020 não se encerra neste texto, a próxima Senȯide vai expor um panorama mais nítido e detalhado do que foi esse estranho ano de baladas imaginadas, ou melhor, vivenciadas por grupos de amigos íntimos em casa.  

Jota Wagner

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é repórter especial de cultura no Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.

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