
9.5/10
Tomando “um chops” em um boteco com mesa na calçada, após um show no Sesc Jundiaí, conto ao músico e poeta Maurício Pereira que considero perfeita uma canção que seu filho vez em homenagem à avó. “Imagina o que eu senti então, sabendo que ele falava da minha mãe? O Martin está grande agora, conhecendo todas as pessoas que eu sempre quis conhecer e nunca consegui. Bethânia, Erasmo… É amigo de todos os meus ídolos”, respondeu.

O Martin, citado pelo pai coruja cheio de orgulho, é Tim Bernardes, diamante da nova música brasileira, audaz a ponto de transitar entre o passado e o presente com a naturalidade de quem troca de camisa. A música a que eu me referia era A Balada de Tim Bernardes, mas não é dela que falaremos daqui por diante.
Falemos das relações musicais tão docemente invejadas pelo pai, duas das quais foram o mote para o novo single duplo de Tim, chamado Prudência / Praga, lançado nesta terça-feira, 29, e disponível a partir do dia 06 de maio em vinil compacto. A primeira, feita sob medida para Maria Bethânia. A segunda, composta em parceria com Erasmo Carlos e eternizada na voz de Alaíde Costa. Tá bom, ou quer mais?
“Prudência é essa batalha interna entre o lado passional e o lado controlador na cabeça do ex-boêmio romântico. Escrevi pra Bethânia gravar no disco dela, Noturno. A versão dela virou num bolero emocionante. Quando a vi ao vivo cantando e o público cantando junto, nem conseguia acreditar, chorei escondidinho na plateia. Ela contou que, quando mostrou o disco pro Caetano, ele achou que Prudência era algum clássico antigo que ela tinha garimpado para resgatar. Nada poderia ser um elogio maior”, explica Bernardes, humildemente ostentoso, em comunicado à imprensa.
Se o músico largou a cachaça da madrugada e o cinzeiro cheio dos bares do centro de São Paulo, certamente não renegou sua cultura. Prudência é um samba de Avenida São João às 03h da madruga, cheio de dor e reflexões ebrianísticas, como as feitas por mestres que, além de ídolos de Bethânia, são influencia do jovem músico: os lamuriosos Nelson Gonçalves, Francisco Alves e tantos outros, e também como o próprio pai, Maurício Pereira, claríssima inspiração.
Praga é a música feita com Erasmo para a voz de Alaíde. Outra bela canção repatriada na voz de seu compositor para um compacto que é um belo tesouro. Em ambas, Tim Bernardes joga o tempo em uma coqueteleira, sacode e serve. A velha escola brasileira de música ganha uma produção indie rock, com longos reverbs bem colocados para preencher a eternidade que há entre uma nota e outra, e sons com aquela sujeira do chão que nos leva da calçada ao minúsculo banheiro, entre um “chops” e outro. O maluco tem o dom.
Regravar as canções com sua voz lírica foi um ato de extrema prudência de Tim Bernardes, praga boa da nova música popular brasileira.
