“O Sónar sempre mexe com os meus sentidos. Gosto de como sua programação é provocativa, nos levando a refletir sobre a cena atual e como ela provavelmente será amanhã“
Cheguei no Sónar Barcelona na quinta-feira, 13, e me surpreendi com o lugar vazio. Eram quatro horas da tarde e esperava encontrar a Fira de Barcelona já movimentada. No entanto, era apenas cedo demais, pois com 154 mil participantes somados entre o Sónar by Day, Sónar by Night e OFF Sónar, esta foi a edição mais bem-sucedida do festival catalão.
Durante três dias e duas noites, com um line-up extenso de nomes emergentes e consagrados, o Sónar animou fãs da música eletrônica de todas as gerações. A sexta-feira, 14, chegou com ingressos esgotados para quem decidiu ir de última hora. Para esta edição, o festival uniu-se a outros festivais de música experimental, como Berlin Atonal e Unsound, adicionando frescor à sua programação. Fez parceria com o Printworks, que assinou o palco SonarLab à noite. Nele, o famoso superclub londrino instalou um telão vertical de 6×10 metros e uma iluminação impressionante.
Outra novidade foi a inclusão de performances multidisciplinares. O destaque foi a coreógrafa espanhola Candela Capitán, que colocou três performers acorrentadas no palco SonarHall, dando vida a Models, álbum do britânico Lee Gamble produzido com vozes sintéticas geradas por Inteligência Artificial. As performers se filmaram o tempo todo com smartphones, transmitindo ao vivo no Instagram, explorando a dinâmica da corporificação, imitação e mecanização. Foi curioso assistir à performance ao vivo e ao mesmo tempo na tela do celular.
O Sónar by Day é um festival com várias atividades simultâneas, enquanto o Sónar by Night é a grande festa, atraindo um público mais jovem. Durante o dia, é possível assistir a palestras, ter experiências imersivas de realidade virtual e participar de (poucas) ativações de marcas, enquanto à noite, a experiência está centrada nos palcos.
A área de alimentação é bem servida com ótimas opções. Quem comprou VIP ou é da imprensa tem acesso a um bar exclusivo nos fundos do palco principal. Nele, as opções de comida melhoraram bastante, incluindo menus combinados e uma carta de vinhos naturais custando o mesmo que a cerveja, seis euros. Para quem gosta de conforto, vale a pena a diferença de investimento, especialmente à noite, quando uma grande passarela facilita a travessia entre os palcos, além de proporcionar acesso a banheiros com menos filas e uma área exclusiva de comida.
Na sexta-feira, cheguei no fim da tarde para assistir o show da catalã Adelaida. Foi uma ótima surpresa. Apresentado no Complex+D, palco que funciona em um teatro ventilado, foi um show bem performático e intimista. Adelaida tem uma abordagem nada convencional à música. Ela explora o limite de sua voz uma elegante produção de música eletrônica toca ao fundo. Seu vestido vermelho, cheio de franjas e ombreiras gigantes, compõem o cenário de maneira cinematográfica.
O Stage+D foi ocupado durante toda a sexta-feira por PHYSIS, performance de seis horas do ASIANDOPEBOYS, uma espécie de ritual gótico cheio de drama. Performers cantavam, gritavam, choravam, dançavam ou rastejavam em meio a uma cenografia cheia de folhas e buquês de flores espalhadas, enquanto no teto um animal inflável gigante flutuava pelo espaço.
Um dos shows mais esperados da tarde era o da colombiana Ela Minus, no SonarHall, um dos meus palcos favoritos. Ela não decepcionou. Com uma bela projeção nos fundos do palco, Minus entrou toda performática cantando ao som das batidas eletrônicas pesadas de “megapunk”.
Depois veio o fatídico momento de escolha com três shows que eu queria ver no mesmo horário: Marie Davidson, Surgeon & Speedy J e Laurent Garnier. Optei por Surgeon & Speedy J e não me arrependi. Foi um dos shows mais bonitos que vi. Eles apresentaram Multiples, projeto novo da dupla, que lançou em maio o álbum Two Hours of Something. A apresentação foi uma explosão sonora com a precisão cirúrgica de Surgeon somada à sensibilidade ambient de Speedy J. Amigos que assistiram à Marie Davidson garantiram que também foi memorável. Senti FOMO.
Quando cheguei no Village, Laurent Garnier tirava pérolas do case e já tinha colocado todo mundo para dançar na noite que seguia ensolarada. Leques abrindo e fechando para todo lado, tamanho era o calor. Ele conseguiu reunir diferentes gerações que frequentam o festival e que, na maior parte do tempo, ficam em pistas diferentes. O set começou chique e aos poucos enveredou para uma (quase) farofa sem perder a elegância (é possível? Com o Laurent sim).
A próxima atração que eu queria ver era o Air, que tocou no SonarClub na programação noturna. Escalar o Air para levar sua atual turnê foi um golaço. Estetas como são, o cenário do palco era impecável, uma caixa retangular branca com uma iluminação de muito bom gosto. O trio estava também todo vestido de branco. Jean-Benoît Dunckel posicionado na lateral esquerda do palco, enquanto Nicolas Godin ficou na lateral oposta. No meio, o baterista.
Aos poucos, me embrenhei no meio do público até chegar próxima à grade. A qualidade sonora deu um salto. Embalei então em “Moon Safari” que é tocado à risca. Só a canção “You Make It Easy Fodin” fugiu um pouco do álbum original devido à ausência de Beth Hirsch, mas Godin a substituiu muito bem recorrendo ao vocoder. Além do álbum, fomos presenteados com mais cinco músicas, entre elas Venus, Highschool Lover e o encerramento com Electronic Performers. Só faltou descer uma aeronave para resgatá-los e levá-los para a Lua.
Foi difícil não chorar emocionada com um disco que foi uma das trilhas sonoras da minha vida. Dali, não consegui ir longe, mesmo com um line-up disputado, incluindo a diva disco Jessie Ware. Preferi voltar para casa para guardar esse momento tão especial. Dormi com Air nos ouvidos.
Abri o sábado (15) com a britânica Loraine James. No ano passado, ela lançou “Gentle Confrontation”, álbum que mostra suas influências que vão do grime ao math rock, R&B e drill. Acompanhada de um baterista ao vivo, James me seduziu com seu IDM cheio de ruídos e graves que criavam diversas texturas e paisagens sonoras. Saí de lá com os ouvidos derretidos.
Antes de me jogar no set animado, mas sem surpresas, da Kittin em um B2B com David Vunk, espiei a Laurel Halo apresentando “Atlas” com a violoncelista Leila Bordreuil. Foi o show mais intimista do dia, com Halo ao piano e sintetizadores ao lado, onde adicionava samples ao vivo para dar mais vida ao álbum.
O duo EMPTYSET honrou a promessa de fazer um dos shows visuais mais bonitos do festival. Os raios de luz transbordavam do palco, ocupando todo o teto do SonarHall, deixando toda a plateia hipnotizada. A música se tornou a trilha sonora para o visual.
A cereja do bolo do sábado foi a dupla Stacey Hotwaxx Hale e DJ Paulette, duas lendas da house music que colocaram o Sónar by Day abaixo com um set redondo e cremoso. Dançamos com elas por uma hora e quarenta minutos até doer o quadril. Entrou para o meu “top 5” do festival.
O grande show da noite foi do Floating Points no palco da Printworks. Depois dele, tentei me manter acordada vagueando entre os palcos até dar 05h30, quando finalmente Kerri Chandler entraria no palco. Não fiquei para contar a história. Infelizmente a bateria acabou, e resolvi ceder voltando para casa.
O Sónar é um festival que sempre mexe com os meus sentidos. Apesar de sentir buracos na agenda em alguns momentos por não me identificar sonoramente com nada do line-up, eu gosto de perceber como sua programação é construída. Ela é muitas vezes provocativa, nos levando a refletir sobre a cena da música atual e como ela provavelmente será amanhã.
A música está cada vez mais curta, com BPM mais rápido e barulhenta. Misturar trance com hardcore e heavy metal também parece em alta. É claro que não faltou reggaeton e amapiano. No fim das contas, não dá para desassociar a nova música do TikTok, já que tudo parece produzido para fazer sucesso na plataforma. Quando lemos a biografia dos artistas mais jovens, nos deparamos com a dificuldade em enquadrar suas músicas em estilos específicos. Afinal, eles ainda não surgiram, são uma grande colagem de estilos musicais que já ouvimos exaustivamente.
A alemã horsegiirL é sensação no TikTok ao esconder o rosto com uma máscara de cavalo e misturar eurodance, gabber e hardcore. Apesar de torcer o nariz para a música, parabenizo pelos visuais muito bem feitos. Foi um show disputado por pessoas de gerações diferentes. E é isso que eu mais gosto no Sónar by Day: ele atrai profissionais da indústria da música, uma geração mais velha, que vão de ouvidos abertos e com muita boa vontade para ver o que há de mais novo na cena. Dançar ao ritmo da música dela parecia uma missão impossível, mas as pessoas entraram no clima e pulavam como se estivessem cavalgando um cavalo.
Para os meus amigos que falam “ah, o Sónar já foi muito melhor”, eu apenas respondo: “na verdade, não. Fomos nós que envelhecemos”.
Já abriram o pre-sale para 2025, que acontece nos dias 12, 13 e 14 de junho, em Barcelona.