Psicodália Foto: Flavio Ribeiro/Divulgação

Entre o otimismo e o ceticismo, diretor do Psicodália desabafa sobre liminar que restringe menores no festival

Flávio Lerner
Por Flávio Lerner

Conceituado evento de música e artes tenta cartada final para permitir a entrada de crianças e adolescentes

Nessa segunda-feira, 05, a produção do Psicodália — conhecido festival alternativo de música, artes e cultura — foi pega no contrapé com uma liminar que barrava a entrada de menores de 16 anos no seu evento, programado para começar nesta sexta-feira (09), em Rio Rufino, na Serra Catarinense, estendendo-se até o fim do Carnaval (14).

“Essa liminar foi bem surpreendente. Dentro do que a gente conhece de jurisprudência e das leis, não contempla essa situação. A partir do momento em que os menores de idade estão acompanhados dos pais e responsáveis, são essas pessoas que decidem o que é mais saudável pra eles”, me explica Klauss Pereira, diretor geral do festival.

“Obviamente, liminar se cumpre. Mas montamos um conselho jurídico, tivemos apoio em massa do público e tentamos a estratégia mais urgente, entrar com um mandado de segurança, que imediatamente foi recusado. Então partimos pra uma segunda alternativa, um agravo de instrumento, e a gente não tem nada a fazer a não ser aguardar.”

Klauss e toda a organização do rolê se consideram otimistas em conseguir, aos 50 do segundo tempo, reverter a liminar, fazendo com que o festival volte a poder ser frequentado por menores. Ao mesmo tempo, se mantêm céticos, não querendo sinalizar com novas promessas que podem acabar gerando ainda mais frustrações. Afinal, a decisão embargou os planos de muita gente.

“Tinha pessoas vindo do Chile, do Uruguai, do Nordeste, pessoas que planejaram todas as férias em torno disso, compraram voos, ônibus, reservaram hotéis, compraram barraca, investiram… É muito triste. A gente recebe cada relato… cada leitura é um choro. É um golpe em todos.”

“Sinto que é um golpe na arte e na cultura do país, na liberdade de escolha dos pais e das mães. Ninguém tá escolhendo algo prejudicial pros filhos e filhas, mas algo em que acreditam: um olhar de mundo de harmonia, de cuidado ao meio ambiente, de valorização da natureza, das artes, de comer bem, se divertir, relaxar, ficar em paz, limpar a cabeça, descansar, ter esperança com o mundo. Não entendo o que pode ter de errado nisso.”

O conflito não é de hoje, embora agora tenha chegado ao seu ponto mais crítico. Em 2018, a organização do Psicodália foi condenada por infringir o Estatuto da Criança e do Adolescente [ECA], o que acabou acarretando em uma mudança inédita para a edição seguinte [e, até então, última]: limitar o acesso e entrada para menores de 18 anos.

“Teve uma situação em que eu não estava na gestão do evento, e por uma infelicidade, um pré-adolescente entrou numa sessão de cinema com uma classificação etária levemente diferente da dele. A gente tinha deixado a classificação na porta do cinema, mas cometemos o erro de escrever numa lousa de giz, e choveu e molhou. Coincidentemente, foi bem o momento em que o Conselho Tutelar estava fazendo uma visita”, explica Klauss.

“Assumimos a responsabilidade, fomos condenados, pagamos a multa e fizemos todos os ajustes necessários pra isso nunca mais acontecer. No ano seguinte, a juíza do município de Rio Negrinho publicou uma portaria que tornava impossível adequar o festival pra menores de idade”.

A condenação foi usada para basear o pedido recente da Promotoria de Justiça da Comarca de Urubici, acatado nesta semana pela justiça.

“O Psicodália não fere os direitos da criança, mas os fortalece. Fortalece o direito do acesso ao bem-estar, ao lazer, ao esporte, à cultura, ao cuidado, à educação… A gente só faz isso de um jeito nosso, que é fora do padrão”, segue Pereira.

“É incontável a quantidade de rodeios em que as pessoas consomem álcool, jogam, se tem shows até tarde da noite, músicas com letras de putaria, sem nenhum cuidado, nenhuma gestão ambiental e de resíduos, sem segurança, sem ambulatório, sem conselho tutelar… E você vai lá e tem criança. Eu mesmo fui em um, nesse final de semana, pra comprovar que [o olhar crítico da justiça] é só com a gente.”

“É difícil de aceitar que é apenas um cumprimento da lei e a busca pelo bem das crianças e adolescentes, se não é pra todos. Vemos esses eventos que têm o que a gente têm: música ao vivo, bar, estadia noturna, e aí tá tudo bem, porque é popular, tradicional. Só porque temos uma proposta estética musical e artística diferente, parece que somos monstros. A gente é igual a todo mundo”, desabafa.

Flávio Lerner

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Editor-Chefe do Music Non Stop.