Saiba mais sobre Brasil, é tudo pra ontem, curso de três dias protagonizado pelo rapper brasileiro na Universidade de Pittsburgh
“Sou formado na faculdade da rua.” Proferida por tanta gente, esta frase tem um sentido e uma beleza únicas no universo do hip-hop. Vem de artistas e articuladores culturais que realmente viveram e sentiram a periferia, os problemas sociais e o racismo, em um tempo em que as melhores instituições de ensino, mesmo públicas, eram reservadas à elite de todos os países. Entrevistar artistas do rap é realmente uma aula. São jovens com uma amplitude mental, política e social muito mais desenvolvida. Basta procurar vídeos e podcasts de caras como Mano Brown, Sharylaine, Thaíde, MV Bill, Criolo, Negra Li, Bivolt… e Emicida. É um outro bagulho, uma outra visão, impossível de extrair apenas dentro da sala de aula. Não são visões sociologicamente antagônicas, mas complementares.
É isso o que muitas universidades mundo afora têm tomado consciência nas últimas décadas (a aula aberta que Mano Brow, KL Jay e Ice Blue ministraram no centro de convenções da Unicamp, em 2022, é uma das mais incríveis provas disso). E a mais nova boa notícia sobre a caminhada conjunta entre academia e sociedade vem de um evento binacional. O paulistano Emicida, que começou sua carreira em batalhas de rima no centro da cidade, já está nos Estados Unidos para ministrar o curso Brasil, é tudo pra ontem, a convite da Universidade de Pittsburgh. Com conteúdo inspirado no processo de pesquisa e produção de seu disco AmarElo, as aulas começam nesta quarta-feira (25) e se estendem até sexta, 27 de setembro.
Esta não é a primeira vez que o rapper leva seu pensamento contemporâneo para além das fronteiras — foi mestre em uma cátedra insurgente na Universidade de Coimbra (Portugal), em 2021. Por isso, além de artista, o astro também é citado como pensador contemporâneo. Título justo. Quem já o ouviu e viu falando sobre a sociedade brasileira em programas de TV e podcasts sabe bem disso.
“Quando eu tive aquela primeira experiência em Coimbra, me conectei com uma série de pessoas de vários lugares do mundo. Participar de um ambiente de efervescência de ideias, onde pude trocar perspectivas do que uma mesma coisa representa para cada um dos presentes, me fez voltar para o Brasil maior do que eu fui — em termos de conhecimento”, explica, via assessoria de imprensa, com a coerência que lhe é peculiar.
“O objetivo central é que as pessoas saiam das conferências com a certeza de que podem observar uma narrativa por diversos ângulos. A maldição da historiografia é definir quem está certo e quem está errado. Se os alunos saírem se sentindo provocados a ver a história do Brasil por perspectivas diferentes da hegemônica, eu vou considerar uma grande conquista.”
Não há melhor forma de compreender o verdadeiro Brasil urbano do que ouvindo um rapper. O país é um dos responsáveis por inserir na cultura hip-hop o chamado “quinto fundamento”: o conhecimento (os fundamentos originais são o rap, o DJing, a breakdance e o graffiti). O convite partiu da brasileira Keila Grinberg, diretora do Centro de Estudos Latino-Americanos e professora de História da Universidade de Pittsburgh. E dentre os porta vozes das ruas brasileiras, Emicida é um dos mais preparados para refletir sobre a complexa, caótica e bastante injusta estrutura social do nosso país.