Além de ter mensagem controversa, Woman’s World foi produzida por um homem que foi acusado de violência sexual
Deu ruim para Katy Perry. No último final de semana, a cantora precisou conviver com uma enxurrada de críticas a seu novo single, Woman’s World, com mensagem ambígua e lançado após três anos desde seu último trabalho — hiato que causou grande expectativa. O single é um aperitivo de seu novo álbum, 143, com lançamento marcado para 20 de setembro.
Em Woman’s World, a cantora aborda o feminismo — ou debocha dele — por uma ótica que, mesmo para muita gente atuante no tema, está datada, fora do contexto dos dias atuais. Mas independentemente da mensagem que tentou passar, seu grande deslize, imediatamente apontado por todos (inclusive colegas de profissão), foi ter chamado seu parceiro de longa data, Dr. Luke, para produzir a música. O produtor enfrentou uma longa batalha judicial iniciada por Kesha envolvendo acusações pesadíssimas, como a de ter sido drogada propositalmente por ele e depois violentada. Luke a processou de volta por difamação, e, no último ano, ambos chegaram a um acordo, encerrando o caso na justiça.
Mas a falta de um veredito não foi suficiente para limpar a barra de Perry. A atriz Abigail Breslin, por exemplo, disse nas redes sociais que “trabalhar com abusadores conhecidos em qualquer setor contribui para a narrativa de que os homens podem fazer merdas horrendas e ainda se safar das consequências”. Em resenhas publicadas em diversos veículos internacionais, a artista foi chamada de “desesperada” e “hipócrita”.
Desesperada porque Katy Perry, que surgiu para o mundo como uma “garota com criação cristã que meteu o louco”, abordando temas que iam do hedonismo e juventude à frivolidade, parece ter se incomodado tanto por ter perdido o protagonismo com o passar do tempo, que decidiu dar um chacoalhão na carreira compondo Woman’s World.
Muitas denunciam, no entanto, que Perry mudou (e muito). Em 2022, nas eleições para a prefeitura de Los Angeles, a cantora apoiou publicamente o candidato de direita Rick Caruso. Detalhe importante: ele estava disputando o cargo com uma mulher, Karen Bass, que acabou vencendo as eleições. Perry também doou dinheiro para organizações antiaborto. Suuuuper feminista.
A estratégica de recuperar a Katy do passado (para a opinião pública) se reflete também na estética da música e de seu vídeo de divulgação, tão datados quanto a própria letra, cujas frases têm versos como
“Sexy, confident
So intelligent
She is heaven-sent
So soft, so strong”
A discussão feminista já passou, há anos, do tipo de afirmação retórica dos versos acima. Todo mundo já sabe que as mulheres podem tudo (pelo menos, deveriam saber), e a expressão “tão delicada, tão forte” remete a estereótipos da mulher do lar, guerreira, que cuida dos filhos, da casa e do marido crianção. A luta está muito mais além, no mundo e na música.
Estudos recentes relevaram assustadores casos de maus tratos, abuso psicológico, sexual e disparidade de pagamentos entre os gêneros. A própria união de forças para expor e exigir punições a homens abusadores é uma das grandes pautas do momento, renegada por Perry ao contratar Dr. Luke. Custou caro: teve de passar seu último final de semana lendo críticas como “ela é uma relíquia dos anos 2010, uma artista em decadência tentando freneticamente colocar-se de volta à relevância” (Cat Zhang, para The Cut).
Katy Perry correu para apagar o fogo, alegando que ela estava sendo “sarcástica”. O videoclipe é de fato escrachado, mas faltou explicar se a ironia era em relação à sua estética, aos versos das letras ou ao próprio movimento feminista, dado o parceiro de produção que escolheu.