A famosa capa do álbum “Aladdin Sane”. Foto: Brian Duffy/ReproduçãoO homem que inventou ‘o raio de David Bowie’ — e a estética glam
Pouco conhecido, o maquiador Pierre La Roche se revelou um gênio do ofício após ser descoberto pelo rockstar inglês
O Carnaval está chegando, e você certamente verá milhares de pessoas com o “raio do David Bowie” pintado na cara. Ao longo do ano, também não tem como escapar da maquiagem mais icônica da história da música pop. Quase um logotipo facil, a imagem está em bottons, camisetas, quadros, festas à fantasia, releituras… É onipresente e segue cool, mais de 50 anos após ter sido criada para aparecer na capa do álbum Aladdin Sane, de 1973.
Acontece que o famoso desenho não foi criado por Bowie, mas por um dos mais importantes artistas da história da música, responsável pela invenção da estética glam rock que influencia o universo da arte até hoje: um maquiador chamado Pierre La Roche, cuja história é incrivelmente apagada, ainda mais considerando a mostruosidade de seu trabalho. Hoje, o Music Non Stop vai ajudar a mudar essa rota.
“O raio de David Bowie” não foi a primeira criação de La Roche na cara do astro, e tampouco é seu único trabalho importante e transformador. Longe disso. O rosto do personagem Ziggy Stardust foi dele, bem como vários trabalhos posteriores. Quando Mick Jagger ficou com invejinha do amigo, contratou o maquiador para acompanhá-lo na turnês dos Rolling Stones. E até mesmo o ícone máximo da cultura glam, o filme The Rocky Horror Picture Show, teve as maquiagens criadas por Pierre. Resumindo, um deus. Bowie o chamava de “my personal Picasso“ (“meu próprio Picasso”).
Em 1972, Pierre La Roche estava de saco cheio. Nascido na Argélia Francesa em 1931, mudou-se para Paris, e depois Londres, trabalhando como maquiador. Descolou emprego no centro de estética da famosa empresária e cosmetóloga Elizabeth Arden, onde passava o dia maquiando senhorinhas conservadoras ricas para casamentos e jantares especiais.

Pierre La Roche e David Bowie. Foto: Reprodução
À noite, saía para dançar e viver um pouco de liberdade. Foi quando encontrou, em uma festa no clube Sombrero, em Londres, David Bowie. Ficaram amigos e, mais uma vez, o astro em ascensão na música exerceu sua conhecida generosidade, convidando-o para tentar alguma coisa diferente na maquiagem de sua nova persona, Ziggy Stardust.
Era a chance de sua vida, e Pierre não a desperdiçou. Inspirou-se nas maquiagens tradicionais de seu país de origem para criar a estilização circular de terceiro olho na testa do rockstar, combinando com as cores que deu a seu rosto (“Bowie tem o rosto perfeito para maquiar”, declarou uma vez). O contexto musical, visual e literário de Ziggy Stardust foi uma sensação. O maquiador entrava para a história da música. Inteligente, David pensou: “esse cara agora é meu”. E poucas parcerias tiveram tanto sucesso no mundo da música.
Um ano depois, o astro sentaria novamente na cadeira de La Roche para transformar sua cara em tela para um novo quadro. O maior. O raio azul e vermelho de Aladdin Sane, partindo da testa de David Bowie, atravessando seu olho direito e terminando na bochecha. Fácil de identificar, potente e direto, um exemplo da pop art, em alta na década de 70.

La Roche deu ao amigo o toque de androginia que ele tanto desejava em sua imagem artística, ao mesmo tempo que se vingava das milhares de riquinhas que foi obrigado a maquiar no salão de beleza de Elizabeth Arden. Criou uma estética carregada, libertária, teatral e exagerada da maquiagem burguesa. Também é dele a indefectível maquiagem do álbum seguinte, Pin Ups.
Como maquiador, virou objeto de desejo. Mick Jagger o “pegou emprestado” e levou junto com a turnê dos Stones em 1975, no posto de maquiador pessoal. Ao mesmo tempo, foi convidado para criar os rostos do filme que mudou a história da música e do mundo queer londrino, o clássico Rocky Horror Picture Show. Fãs iam repetidas vezes ao cinema nas sessões da meia-noite, copiando no rosto aquela estética. O visual glam havia se popularizado, para nunca mais ser esquecido.
O último trabalho com Bowie foi na fase Scary Monsters, de 1980. Pierre foi um dos muitos gênios da arte sequestrados pela então nova e mortal epidemia da AIDS. Saiu de cena e faleceu em 1991. Hoje, sentadinho em uma nuvem lá no céu, testemunha com alegria e o orgulho a avalanche de outros artistas, estilistas de moda, diretores de cinema e, principalmente fãs de música que se influenciam por seu trabalho, todos os dias.

No próximo Carnaval, lembre-se de Pierre La Roche!



