Peggy Gou Imagem: Reprodução

Review: Peggy Gou não acerta nem erra em seu primeiro álbum

Jota Wagner
Por Jota Wagner

“Ninguém dirá que I Hear You é um disco chato ou ruim, justamente por estar restrito a ritmos e timbres que já deram certo. É justamente aí que mora o perigo”

O lançamento do primeiro álbum é um momento transformador na carreira de um DJ. Ao contrário do modo de operação de uma banda, por exemplo, em que artistas gravam seus primeiros trabalhos autorais e a partir de então se metem em casas de shows para divulgar sua carreira, os mestres das picapes fazem um caminho contrário. Geralmente, rodam o mundo e conquistam um legião de fãs, discotecando “música dos outros”, antes de criar coragem para entrar em estúdio e apresentar às pessoas seu talento como compositor e produtor. É o caso da DJ Peggy Gou, estrela de festivais e clubs nascida na Coreia do Sul, que acaba de lançar seu primeiro álbum, I Hear You.

O mercado exige que todo DJ que ganha alguma expressão no cenário mundial precise consolidar sua carreira com um álbum. É como se caísse no conto de que, para se tornar um “artista de verdade”, produzir um disco completo fosse imprescindível. São poucos os que subvertem essa regra. Com a experiência adquirida em muitas horas como maestro das pistas de dança, o DJ ganha a capacidade de identificar o que funciona ou não em uma boa faixa de dance music. No entanto, há uma armadilha no processo. O artista já tem uma identidade. Todos conhecem o seu estilo, construído através de centenas de músicas de outras pessoas, muito bem mixadas, em suas discotecagens.

Pois eis que chegou o tal momento para Peggy Gou. E ela decidiu por seguir o caminho de tantos outros colegas: mostrar versatilidade, passeando por algumas vertentes da música eletrônica, apelando para uma ou outra faixa mais radiofônica e tentando não se descolar muito do que vem tocando em seus sets, que atualmente são um passeio pela house music, com muito apego às sonoridades mais clássicas.

I Hear You tem dez faixas, que vão da euro-house aos breakbeats acessíveis que povoaram as rádios na década de 90. As produções são assustadoramente básicas, tão obedientes às fórmulas que, em muitos momentos, fica difícil acreditar que é um álbum de 2024. Surpreendente, se considerarmos os ótimos EPs que inauguraram sua carreira como produtora — Art Of War I e II, e Day Without Yesterday, todos de 2016.

A sujeira e a inteligência dos primeiros trabalhos se foi. Em seu lugar, uma produtora comportada, sem ousadias. Nem a faixa que traz o vocal de Lenny Kravitz, I Believe In Love Again, consegue puxar o disco para cima. Em alguns momentos, temos a impressão de estar ouvindo C+C Music Factory ou Snap!. Os melhores momento do disco estão justamente na aventura de Peggy Gou pelo jungle, na faixa Seoulsi Peggygou, numa interessante mistura do estilo com instrumentos tradicionais coreanos, e em 1+1=11, a última música do álbum, um techno progressivo (também preso aos timbres antigos) com uma vibe meio épica e baleárica.

Por ficar no meio do caminho — o álbum não é pop o suficiente para competir com os grandes mestres do momento, nem provocativo e estranho a ponto de alçá-la ao degrau de super produtora cult —, é possível que I Hear You não expanda muito o reinado da mina no mundo artístico. Também não vai atrapalhar, porque de tão obediente, o álbum também não erra. Peggy Gou seguirá discotecando em grandes festas pelos quatro cantos do mundo, uma vez que é uma DJ excepcional. Sabe o que faz atrás dos toca-discos há muito tempo e, por isso, merece tudo o que já conquistou.

Ninguém dirá que I Hear You é um disco chato ou ruim, justamente por estar restrito a ritmos, timbres e construções que já deram certo milhares de vezes, nas mãos de produtores que vieram antes. É justamente aí que mora o perigo. Para se destacar em um universo tão povoado quando o da música eletrônica, é preciso incomodar.

Jota Wagner

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é repórter especial de cultura no Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.