Há 60 anos, então assinando como Davie Jones, o futuro astro inglês lançava seu primeiro single
Uma coisa bacana sobre os grandes gênios do rock’n’roll é conhecer o início de suas carreiras — ou seja, o turbilhão de erros que cometeram antes de seus primeiros acertos. É nessas horas que a gente tira o ídolo do pedestal e o coloca em pé, do nosso lado, num ponto de ônibus qualquer. É ali que lembramos que pessoas como David Bowie, que há 60 anos botava as mãos em seu primeiro disquinho, é um ser humano comum.
Comum e ambicioso. Aos 17, o adolescente inglês enfiou na cabeça que seria um artista famoso e não tirou mais, chegando até a usar de pegadinhas para a TV, como quando deu entrevista como presidente da Sociedade de Prevenção à Crueldade Contra Homens Cabeludos, uma organização inventada por ele mesmo, para chamar a atenção.
Em 1964, ano em que resolveu pegar carona na polêmica do cabelo comprido usado pelos jovens na Inglaterra, Davie Jones (“David Bowie” só seria adotado em 1968, para evitar comparação com Davy Jones, integrante do The Monkees) dava seus primeiros passos no mundo da música. Passos erráticos, cheios de dissabores, que renderiam ao futuro astro histórias hilárias.
A rápida carreira da banda Davie Jones & The King Bees, a despeito do foco de seu vocalista no sucesso, foi uma sensacional roubada. Ainda sem repertório autoral e disputando espaço com a sensacional seleção de bandas inglesas que tocavam nas rádios na primeira metade dos anos 60, Bowie descolou uma oportunidade. Ser agenciado por Leslie Conn, um cara que já tinha certa história na indústria musical britânica. Conn mantinha uma pequena empresa de gerenciamento de direitos autorais chamada Doris Day. Além disso, o cara era olheiro do empresário Dick James, que havia sido parceiro de Brian Epstein no começo dos Beatles, e mais tarde lançaria artistas do porte de Elton John.
O primeiro trabalho da banda, conseguido por Conn, foi um show em uma festa de casamento. Fiasco total. Contratado para fazer uma seleção de R&B estadunidense, David e sua turma tocaram tão rápido e alto que os noivos os expulsaram do palco com apenas dez minutos de apresentação. Os Kings Bees devem ter ficados arrasados. Perderam a grande chance de mostrar seu trabalho a um profissional da música. Mas a história se desenrolou de um jeito diferente. Leslie sentiu um “lance” ali naquela meia dúzia de cabeludos e seguiu empresariando a banda. O próximo passo seria um single, a ser lançado pela gravadora Vocalion Pop.
A banda entrou em estúdio para gravar uma música do próprio Conn, Liza Jane, ligeiramente inspirada em uma faixa de soul chamada Little Liza Jane, gravada por Nina Simone em 1960. A canção saiu no lado A, enquanto o lado B trazia um cover de Louie, Louie Go Home, de Paul Revere & The Raiders.
Esqueça o glam rock espacial, o folk poderoso e as letras espetaculares. Afinal, Davie Jones ainda não era David Bowie. Não havia ainda se apaixonado por Marc Bolan, do T. Rex, viajado para Nova Iorque para conhecer o mundo do glam rock e nem mesmo se aprofundado no som de Bob Dylan. Liza Jane é garage rock inglês clássico, divertido e bom de festa, aos moldes do que faziam os Beatles, Stones e Kinks. Mas, deu a Bowie uma pequena experiência de estúdio (o single foi gravado nos Decca Studios em menos de seis horas) e, em 5 de junho de 1964, o garoto de 17 anos pôde chegar em casa e bradar: “mamãe, gravei um disco!”.
Apesar de ter sido relativamente bem tocado pelas rádios inglesas, o compacto não vendeu quase nada. Leslie Conn rompeu o contrato com os King Bees, desistiu de insistir naquele adolescente cabeludo e, dois anos depois, se mudou para Maiorca, na Espanha. A banda acabou se separando em 1965.
Em sua casa espanhola, o empresário recebeu um telefonema da mãe. Ela estava incomodada com uma pilha de caixas de discos entulhada em sua sala. Eram as cópias não vendidas do single dos King Bees. Conn não pensou duas vezes: “pode mandar tudo para o lixo”, recomendou à mamãe, que prontamente se livrou de centenas de cópias de um disco que hoje valeria uma tremenda fortuna.