O havaiano Israel Kamakawiwo’ole faleceu em 1997, pesando mais de 300 quilos. Nove anos antes, protagonizou um dos causos mais incríveis do mundo da música
Eram três horas de uma madrugada de 1988 quando Milan Bertosa pulou da cama com o soar da campainha. O produtor mantinha um estúdio de gravação em sua casa, no Havaí. Ao abrir a porta, deu de cara com um garoto de 29 anos (“e provavelmente mais de 200 quilos”, segundo Bertosa), com um ukulele na mão, perguntando-lhe: “Posso entrar?”.
Milan já havia visto Israel Kamakawiwo’ole em bares e restaurantes havaianos, onde o cantor andava com a turma da banda folclórica Makaha Sons of Niʻihau, que fazia bastante sucesso na ilha desde o final dos anos 70.
Vamos combinar, não é algo que acontece todo dia. Bons produtores são treinados a reconhecer sinais como esse. Havia algo dentro da alma de Israel que precisava ser colocado para fora, e que não podia esperar a alvorada.
“Você tem 15 minutos”, disse Bertosa ao cantor, então com 29 anos e um pressentimento de que não viveria muito. Recém-casado e pai de uma garotinha, Israel Kamakawiwoʻole lutava contra a obesidade mórbida, batalha que perderia em 1997, pesando mais de 30o quilos.
Bertosa e o segurança do estúdio passaram um tempo tentando arrumar um banco que suportasse o músico para a gravação. Com o problema resolvido, posicionou alguns microfones para captar sua voz doce e infantil e o som do seu ukulele — uma espécie de cavaquinho havaiano que, graças ao sucesso que Kamakawiwoʻole viria a conquistar, se tornou febre no mundo todo.
Com tudo pronto, gravou duas músicas em 15 minutos, grudadas, uma na outra. Somewhere Over The Rainbow, tema de O Mágico De Oz, e What a Wonderful World, conhecida mundialmente pela voz de Louis Armstrong.
Israel deixou o estúdio antes do sol nascer com uma cópia da gravação. Outra, de segurança, ficou nas mãos de Bertosa. A gravação circularia, como conquista pessoal, apenas entre os seus amigos íntimos. Quando conseguiu recursos para gravar seu primeiro disco solo, Ka ʻAnoʻi, dois anos mais tarde, voltou ao estúdio de Bertosa e regravou a música, com mais instrumentos e uma produção afinada. Seu disco de estreia ganhou vários prêmios locais, dedicados à música tradicional havaiana.
Milan Bertosa, no entanto, não se esquecia da versão original e da história por trás de sua gravação. Mostrou, finalmente, ao amigo e também produtor Jon de Mello, quando ambos trabalhavam juntos nas gravações do segundo disco de Israel, Facing Future, lançado em 1993. “Vamos colocar essa gravação original no disco”, sugeriu Mello.
Foi então que a demo gravada em 15 minutos durante uma madrugada no meio do Oceano Pacífico se transformou em um sucesso avassalador, primeiro na Europa, e depois no resto do globo.
A faixa trazia consigo um otimismo triste. Aquele “tudo vai ficar bem” dito apenas para consolar, e não como expressão de confiança e verdade. A verdade, aliás, ficou na gravação. Urgente, simples, sem tratamento algum nos instrumentos ou na voz. Ouve-se, ali, um artista “real”.
Já com vida própria, Somewhere Over The Rainbow / What A Wonderful World integrou a trilha sonora de filmes pop hollywoodianos. Mais do que isso, caiu nas graças dos produtores de cinema e TV. Pode ser ouvida nos filmes Encontrando Forrester, Como Se Fosse a Primeira Vez e O Que De Verdade Importa, e nas séries de TV ER, Charmed, Scrubs, Cold Case e diversas outras.
Em 2004, graças ao buzz gerado pelas trilhas sonoras dos filmes, a canção, mais de dez anos após seu lançamento, chegou a beliscar o top 10 da Billboard. Mas Israel Kamakawiwo’ole não estava mais aqui para celebrar.