Fazendo tremendo sucesso em um momento em que o MP3 acabava com a venda de discos, jogos ajudaram a “salvar” músicos
Sabe aquela sensação, quando você lembra de uma memória muito querida da sua adolescência, de que as cores estão mais vibrantes, o cheiro mais pronunciado, e até a música daquele momento pode tocar perfeitamente clara dentro da sua mente?
Bom, para os fãs de Tony Hawk’s Pro Skater 1 e 2, que foram lançados originalmente para Playstation em 1999 e 2000, essa sensação acaba de se tornar realidade.
Domínio total do Playstation
Com o lançamento da versão completamente remasterizada desses dois jogos feito no começo deste mês na Steam, a mais popular plataforma de jogos para computador, esses e outros clássicos que marcaram a infância e adolescência de muitos de nós, 80’s e 90’s babies, chegaram para reviver memórias — e trilhas sonoras — que não somente marcaram época, mas talvez tenham de fato revolucionado o mundo da música.
Abertura da versão “remaster” do jogo Tony Hawk’s Pro Skater
A conexão entre o universo dos jogos e da música pode não ser óbvia à primeira vista, mas alguns de nós já viveram a emoção de pegar um CD de videogame e inseri-lo em um toca-CDs somente para ouvir a trilha sonora do jogo em uma tarde após a escola.
E se você considerar que nomes como Rage Against The Machine, Red Hot Chili Peppers e Papa Roach estão entre as dezenas de bandas apresentadas nas trilhas sonoras da série Tony Hawk’s, começa a ficar um pouco mais claro como algumas produtoras de jogos podem ter grandemente influenciado o gosto musical de uma geração.
Com uma jogabilidade baseada em — sim, você adivinhou — fazer sequências de manobras de skate através de pistas diversas e megalomaníacas, cumprindo missões cada vez mais difíceis, a franquia garante infinitas possibilidades de combinações, horas e horas de gameplay, e, se você considerar uma trilha sonora de aproximadamente meia hora de duração (em Tony Hawk’s Pro Skater 1) combinada com a limitada gama de jogos esportivos disponíveis na época, o resultado é de virtualmente muitas, mas muitas reproduções MESMO das mesmas faixas em milhões de casas ao redor do mundo.
Detentora de um Guinness World Record para videogame de esportes de ação mais vendido com Tony Hawk’s Pro Skater 2, que vendeu mais de 2 milhões de cópias somente nos Estados Unidos, e uma receita total que hoje ultrapassa os $1.4 bilhões de dólares, pode-se concluir que esta franquia mudaria para sempre a conexão música-videogame, trazendo visibilidade e receita, além de memórias nostálgicas de uma geração de gamers, a centenas de artistas que seriam incluídos em sua trilha sonora ao longo de décadas de produção.
Os heróis da guitarra
E falando em memórias nostálgicas e trilhas sonoras que atravessam décadas, é impossível não citar uma das franquias de maior sucesso de todos os tempos, o lendário Guitar Hero. Lançado em 2005 e popularizando os controles em formato de guitarra, com os quais o jogador deveria pressionar os botões no ritmo da música conforme eles aparecessem na tela, Guitar Hero 1, que também podia ser jogado utilizando um controle comum de Playstation 2, trouxe ao imaginário de milhões de pessoas a vida de astro do rock e, futuramente em outros jogos da franquia, mais possibilidades com baterias eletrônicas e até microfones como controles de videogame.
Campeonato de Guitar Hero tem embate de estilos: banquinho e violão x headbanger de chinela
Em sua trilha sonora, Guitar Hero 1 apresentava versões cover impecáveis, não somente de novidades do mundo do rock como “Take Me Out” (2004), pela banda escocesa Franz Ferdinand, ou “Cochise” (2002), da então recente Audioslave, mas também clássicos da década de 70 como “Iron Man” (1970), do Black Sabbath, “Ziggy Stardust” (1972), de David Bowie e até “Crossroads”, da inglesa Cream, de EricClapton, Ginger Baker e Jack Bruce, que foi originalmente lançada em 1968, mesmo ano do encerramento da banda.
O jogo foi lançado alguns meses depois de uma curta turnê de reunião da banda que passou pelos Estados Unidos em maio de 2005, e, em fevereiro de 2006, três meses depois da data de lançamento de Guitar Hero 1, a banda recebeu um Grammy Lifetime Achievement Award em reconhecimento pela sua contribuição e influência sobre a música moderna.
Qual exatamente foi a influência de um evento sobre o outro, podemos especular sobre, ainda mais depois de ouvir o que Greg LoPiccolo, desenvolvedor da Harmonix, produtora responsável por inúmeros sucessos em jogos musicais no ocidente, teve a dizer sobre a escolha das músicas para o jogo.
Em dezembro de 2005, em entrevista à MTV, LoPiccolo afirmou que o foco inicial do jogo supostamente deveria ser o hard rock. Mas, em meio à lista de desejos ideal e o que pareceria uma batalha sem fim com direitos autorais e licenciamento de músicas, algumas das faixas que o time legal conseguiu para o projeto não eram exatamente parte da cena hard rock, como “I Wanna Be Sedated“, dos Ramones. Ainda assim, a música foi incluída no jogo. Os desenvolvedores se sentiram moralmente obrigados a colocar essa música na trilha sonora.
“Muitas crianças de 10 e 12 anos vão comprar esse jogo. É nossa missão garantir que eles conheçam músicas que eles talvez não ouvissem de outra forma”, afirmou.
Ou seja, não, não foi por acaso que Guitar Hero trouxe tantas referências clássicas a um público tão jovem, muito pelo contrário.
Lançando música nos videogames
Seguindo a popularidade da franquia, também é válido mencionar alguns spin-offs específicos, como o Guitar Hero: Aerosmith, que aparentemente trouxe mais receita para a banda sozinho do que qualquer um dos seus álbuns de estúdio.
Uma semana após seu lançamento, em 2007, o game já havia vendido 600 mil cópias e gerado mais de $25 milhões de dólares. Comparativamente, segundo um levantamento da revista Rolling Stone, o álbum Honkin’ on Bobo, de 2004, vendeu aproximadamente 160 mil cópias na primeira semana, levantando uma receita de “apenas” $2 milhões de dólares.
Após o sucesso estrondoso dessa versão, outras bandas perceberam a mudança dos ventos e decidiram surfar a onda, até mesmo lançando suas músicas diretamente na plataforma. Esse foi o caso com Shackler’s Revenge, do álbum Chinese Democracy, de Guns ‘n’ Roses, que foi lançada em 2008 no game Rock Band 2, ou Death Magnetic, álbum do mesmo ano, do Metallica, que saiu simultaneamente para o público geral e como conteúdo extra para download no jogo Guitar Hero III: Legends of Rock.
As vendas de álbuns já deixavam de ser a única preocupação para diversas bandas, e a importância de também popularizar suas faixas para o público gamer se tornava cada vez mais óbvia.
A sensacional abertura da edição Beatles, do jogo Rock Band
Fortemente inspirado em Guitar Freaks (1999), muito conhecido no Japão junto a outros títulos que também traziam a experiência de jogar com controles-instrumento, a franquia Guitar Hero trouxe essa jogabilidade do ambiente exclusivo dos arcades para os videogames pessoais, iniciando o que seria uma nova era de franquias, versões e outros jogos inspirados em seu sucesso no ocidente.
E apesar desse histórico ter virado os holofotes para os consoles como forma de distribuição de música — o que nos leva a hoje, quando trilhas sonoras de jogos são tão relevantes quanto as de filmes —, a importância de videogames da Sony na música do começo dos anos 2000 não se resume, de maneira nenhum,a a versões de músicas populares, sonhos de bandas de rock e pistas de skate.
Fazendo música no Playstation
O que poucas pessoas sabem é que o Playstation 1 também mudou o jogo quando se trata de produção musical.
Lançado em 1999 para Playstation 1 e em 2000 para Windows, o “jogo” Music 2000 transformava o seu console ou PC em um sequenciador de música, no qual era possível se divertir com 24 canais e uma grande variedade dos chamados “riffs” (sons pré gravados disponíveis no software) para criar as mais diversas músicas e batidas. O programa contava com sons de bumbos, pratos, teclado, sintetizadores, entre muitos outros, que auxiliavam o usuário a produzir faixas rápidas e interessantes.
Faixa de jungle composta inteiramente no Music 2000
Para gêneros musicais que estavam até aquele momento associados com equipamentos caros que produziriam os mesmos sons que o Music 2000 — como o grime, gênero britânico essencialmente DIY do início dos anos 2000 —, o videogame viria como mais uma possibilidade a milhões de amadores, barateando e popularizando a arte e removendo do caminho obstáculos como orçamentos, horas de estúdio, conhecimento profissional e equipamento de mixagem.
Ao longo de algumas décadas de existência, a indústria dos games já passou de algo para adultos, para crianças, para todos, para aficionados. Já esteve muito longe e muito perto da indústria da música, já trouxe clássicos de volta à vida e introduziu novos sucessos no gosto popular.
Os videogames já apresentaram sonhos de rockstar com jogos que imitam instrumentos, e já foram ferramenta de trabalho, transformando em brincadeira a produção musical.
Em poucas décadas, uma nova forma de arte nasceu, se apresentou e criou raízes, sendo hoje intrinsecamente ligada a outras formas, possuindo roteiristas, atores, compositores e diretores. E a cada ano surge mais um tipo de jogo relacionado a música e sons — desde os que respondem à voz do jogador àqueles que pedem que você cante para avançar.
Já sabemos algumas formas pelas quais os games influenciaram o mundo da música, e agora nos resta perguntar: como a música ainda pode revolucionar os games?