Phoenix no Lollapalooza Phoenix no Lollapalooza 2024. Foto: Tati Silvestroni/Music Non Stop

Do indie à música eletrônica, os franceses fazem melhor

Jota Wagner
Por Jota Wagner

Nunca o termo soft power foi tão bem aplicado. Suavidade é uma das marcas da música francesa — e o encerramento das Olimpíadas é prova disso

Não era surpresa que os franceses usariam a cerimônia das Olimpíadas de Paris para promover algo que lhes enche de orgulho: a música. No caso dos franco-colegas, o som sofisticado, elegante e cool que fazem tão bem. A grande festa de fechamento dos Jogos Olímpicos de 2024 no Stade de France, para muitos expectadores, foi mais cativante do que a de abertura, que contou com um desfile de barcos no icônico Rio Sena. A organização local despejou o crème de la crème da música francesa para fazer um som, com nomes que foram desde os atuais Phoenix, Air, Kavinsky e Justice, aos clássicos Charles Aznavour e Édith Piaf.

Embora o país europeu tenha nos servido belos pratos musicais desde o século XVIII, através de nomes como Ravel, Debussy e Satie, já deliciosamente românticos, foi nas décadas posteriores à Belle Époque (1871–1914) que a cidade ganhou a medalha de ouro como mais divertida do mundo, reunindo músicos, pintores e escritores de todo o planeta, lotando seus cafés, trocando ideias e inspirações em um movimento notívago e hedonista que estabeleceu novas e libertárias convenções sociais, que se estendem até hoje e são decifradas em um DNA musical que inclui experimentalismo, sofisticação e a tal alegria de viver francesa, mundialmente conhecida como joie de vivre.

Uma época em que Paris era o centro do mundo. Jazzistas como Charlie Parker, Miles Davis e Chet Baker visitavam frequentemente o país, sendo recebidos com rosas atiradas ao palco (enquanto, nos Estados Unidos, sofriam com racismo e repressão), rivalizando com gênios da música como Edith Piaf, criadora do estilo cigarrinho, vinho e pernas cruzadas para ouvir música. Enquanto isso, na plateia, disputavam uma mesma vaga nomes como Pablo Picasso, o casal Fitzgerald, Ernest Hemingway, Ford Madox Ford, Gertrude Stein e o nosso Santos Dumont. Coisa fina. Festa hypada.

Se considerarmos que todo esse movimento coincidiu com o advento do mercado da música pop através da inovadora indústria fonográfica que dava fácil acesso a obras musicais, fica fácil concluir que Paris era o lugar certo, na hora certa, para se firmar como o lugar onde a música pop se cunhou de forma mais elegante, ideal para os bon vivants, gabaritando aqui a terceira famosa expressão em francês que utilizamos até hoje.

A partir dali, por mais que o mundo se modificasse, estressado pela Guerra Fria, pelas crises econômicas e humanitárias, até o ressurgimento dos furúnculos de extrema direita que vemos hoje, a música francesa sempre se manteve agarrada ao conceito de sofisticação e elegância, características que repercutiram nos mais diferentes gêneros musicais.

Serge Gainsbourg, sedutor putanhão que viajou do jazz ao rock’n’roll, do mambo ao reggae, virou produto exportação da música francesa, principalmente nas décadas de 60 e 70. O rock psicodélico e garageiro também foi assimilado pelo país, ganhando a sedução adicional da língua, através de nomes como Martin Circus, Le Tac Poum Système, Les Variations e até mesmo a multinacional (porém formada no cerne da revolução estudantil francesa de 1968) Gong.

O comportamento criativo do “faço como você, mas faço mais gostoso” sempre esteve encriptado na mente do francês. Chegou a hora do indie rock? A França nos dá Stereolab, banda que uniu o rock à música dos anos 60 e ao easy listening. Vocês têm White Stripes e eles chegam com The Limiñanas, casal supercool agarrado no rock garageiro e no soul.

Quando a música eletrônica chegou ao mundo, os franceses se apressaram em nos apresentar monsieur Ludovic Navarro, um maestro que assinava como St. Germain, levando o gênero para uma sofisticação nunca antes vista. Dimitri From Paris (em tempos passados), nascia em uma cena hype totalmente ligada à moda, liderando um movimento que ficaria mundialmente conhecido como french touch, que também teve Étienne de Crécy como um de seus pioneiros. A Alemanha arrasava no techno apocalíptico? Pois paris nos deu Laurent Garnier, um dos mais profundos e elegantes DJs de sua geração. E os exemplos podiam ser repetidos à exaustão.

Quem frequentava as festas e, principalmente, os chillouts do final da década de 90, se lembra bem da comoção que o duo Air causou. Uma reinvenção moderna, emocionante e fina da música de cinema, de Burt Bacharach e da chamada “música de elevador”. Ao lado da não menos importante dupla Cassius, puxaram a fila de uma nova onda vinda do país formada por duetos de produtores dedicados à evolução da música, como Justice e Daft Punk — além do próprio Phoenix, banda indie que também se destacou por sua consistência e pioneirismo. Os dois últimos, projetos musicais saídos da mesma turma de amigos, por sinal (como já contamos aqui).

A visão deste fenômeno, claro, é de fora para dentro. Uma versão turística do gringo que acha que, no Brasil, tudo é samba, praia e caipirinha. Mas é uma visão deliciosa e, tenha certeza, os franceses deliram com ela. Nunca o termo soft power foi tão bem aplicado. Suavidade é uma das marcas da sua música. E a cerimônia de encerramento das Olimpíadas é prova disso.

Além disso, ninguém aqui se incomoda não. Neste cenário, não há inveja. Sigam fazendo o que mais sabem, perpetuando a sensualidade, a luminosidade e a sofisticação francesa através da música, que a gente só agradece!

Jota Wagner

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é repórter especial de cultura no Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.