Fernanda Montenegro Foto: Reprodução

Fernanda Montenegro e a ‘cerimônia do adeus’

Jota Wagner
Por Jota Wagner

Aos 94 anos, atriz vem emocionando geral com monólogo em que lê texto de Simone de Beauvoir, e dá pinta de que está se despedindo dos palcos

Bastião do teatro brasileiro, a atriz Fernanda Montenegro vem emocionando milhares de pessoas com o monólogo em que lê o texto A cerimônia do adeus, de Simone de Beauvoir. A artista, com 94 anos de idade, não confirma, mas dá pinta de que vive um momento de despedida dos palcos, ainda que tomada de uma energia surreal enquanto atua.

Após concluir uma temporada com casa cheia no Sesc 14 Bis, em São Paulo, Montenegro decidiu agendar mais uma noite do espetáculo dia 18 de agosto, domingo, desta vez no Teatro Ibirapuera, com transmissão ao vivo em uma telão para mais 15 mil pessoas, nas dependências do parque. Tanto os ingressos do auditório, quanto da área aberta se esgotaram em menos de 30 minutos.

A convite do Music Non Stop, a psicanalista Paula Prucolli, fã de Fernanda e de Simone, esteve na última noite da temporada do Sesc 14 Bis no dia 21 de julho, e nos conta em um texto apaixonado como foi a experiência de ver, no palco, duas mulheres brilhantes em um mesmo corpo.

Logo na entrada já se percebia o burburinho e a excitação para o espetáculo que a grande atriz Fernanda Montenegro nos presentearia naquele inicio de noite paulistana. Pessoas se aglomeravam em frente o Sesc e outros arriscavam-se na entrada do teatro, todos em busca do bilhete premiado que os dariam o imenso privilégio de ver a colossal do teatro brasileiro levando ao palco Fernanda Montenegro lê Simone de Beauvoir, um raro encontro que não deveria causar estranheza, considerando que ambas confluem para o mesmo mar: fazer das palavras o estandarte da  liberdade.

A cerimônia do adeus, escrito pela filósofa francesa Simone de Beauvoir. Sim, isso não é pouca coisa, e São Paulo estava aos pés das duas gigantes. Acomodada na poltrona de número 25, a poucos metros do palco, vejo o teatro se apagar, as cortinas se abrem e de uma forma arrebatadora, luzes celestiais tomam o corpo daquela grande mulher. Nos próximos 75 minutos, Fernanda deu voz a Simone e tantas mulheres que de forma corajosa, ilimitada e poética, derrubaram muros e construíram ponte entre o saber e a liberdade de (r)existir e produzir.

O texto da filósofa francesa Simone de Beauvoir foi escolhido e organizado de forma primorosa por Montenegro. É impactante e nos revela uma Simone absolutamente humanizada, engraçada e apaixonada. Paixão que escolhe como primeiro e vitalício amor: os livros!

O espetáculo transcorre e a cada página virada, de alguma forma reconta a história da nossa Fernanda. Afinal, aos 94, ela estava comemorando seus 80 anos de profissão fazendo o que mais ama: criar arte com a linguagem. Percebemos que estamos presenciando a despedida desta grande dama dos palcos brasileiros, que nos deixa uma mensagem clara em tempos de guerra e escuridão: a liberdade se faz viva quando humanizamos nossos sentimentos e agregamos em nossa história a existência do Outro. Desejo que o arrebatamento entre essas duas grandes mulheres, evoque a criatividade e a humanidade em todos que estiveram presentes naquela noite.

Jota Wagner

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é repórter especial de cultura no Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.