Dua Lipa Radical Optimism Imagem: Reprodução

Review: Dua Lipa desperdiça grande potencial em “Radical Optimism”

Jota Wagner
Por Jota Wagner

Jota Wagner compara novo álbum da cantora a uma lagoa congelada, com beleza estonteante na superfície, mas impossível de ser atravessada

Ouvir Radical Optimism, lançado na última sexta-feira (3), por Dua Lipa, é como pular de cabeça em uma lagoa congelada. Há uma beleza estonteante na superfície, impossível de ser atravessada graças a uma resistente camada de gelo. Em 11 faixas perfeitamente lapidadas para os grandes palcos (e não tanto para as pistas de dança, como nos fez crer em entrevistas), a artista segue tão convicta nas fórmulas certeiras do universo da música pop que impede que suas ótimas ideias transpassem sua convicção conservadora, musicalmente falando.

Estão presentes a construção curta e sem respiro, necessária na era das redes sociais, a voz estrangulada pelo processamento de estúdio e a completa falta de arestas, de espinhos e de rachaduras. O disco é doce e plástico, como são as apresentações de artistas de arena nos dias de hoje. Logo, um sucesso.

A carreira de Dua Lipa é extravagante em números, recheada de number ones, Grammys, hits e festivais. Efetivamente existe, em sua biografia, as ações e posições de gente que vence no mundo da música. Além de uma teimosia ferrenha. A cantora saiu da casa dos pais em West Hampton com 15 anos e foi para Londres batalhar seu lugar ao sol, seja na carreira de modelo quanto na de artista musical. Trabalhava como garçonete enquanto subia vídeos no YouTube interpretando covers de Cristina Aguilera e Alicia Keys. Hoje é um fenômeno da música pop mundial, comprou todos os direitos e fitas master de suas obras e ainda modela, mas para grandes revistas e estilistas de moda. A clássica saga do herói em um roteiro hollywoodiano.

No espaço de tempo entre os primeiros contratos com gravadoras e o absoluto sucesso que vem fazendo, mirou em bons produtores, boas parcerias e principalmente, uma fórmula infalível à era Barbie, que vivemos atualmente. Dua Lipa estreou como atriz, inclusive, no filme da boneca que tanto mexeu com o mundo no ano passado, além de escrever uma música para sua trilha sonora.

Para exemplificar melhor a história da teimosia versus as boas ideias a que me referi mais cedo: a influência de acid house que prometeu ao mundo em Radical Optimism se limita a uma linhazinha de TB-303 escondida na penúltima música do disco, Maria. O convite que fez ao gênio do pop psicodélico da nova geração, Kevin Parker (Tame Impala), para dar uma bagunçada em sua música e apontar novos horizontes também ficou esgoelado na melhor música do disco, Houdini. Parker até tentou, metendo uns sintetizadores aqui e um baixo doido ali, mas sua tentativa também ficou presa no fundo, sufocada pela camada de gelo.

Gerenciar a própria carreira é uma das mais belas vitórias das grandes artistas do pop atual. E é por isso que atribuo à Dua Lipa o vício de não permitir que tais boas ideias e referências tenham bagunçado mais o resultado de Radical Optimism. Para se eternizar, um álbum precisa incomodar, de alguma forma.

E ao não incomodar, é possível que as canções de RO se limitem, daqui a 20 anos, a fazer parte do setlist das “festas da firma” e de um outro casamento. Previsão que dói, pois as bases instrumentais de quase todas as músicas são deliciosas. Dançantes e cool, caindo para aquela vibração meio jazzy, meio indie dance, gostosas a ponto de nos fazer salivar. O problema acontece justamente quando entram as vozes. E, junto com elas, as harmonias simples, sem desafios, excessos e fúria.

Este é apenas o terceiro álbum de Dua Lipa. Ela tem margem e tempo para se libertar e ousar muito mais. E não duvido que o faça. No mundo da música do século XXI, antes de ir para a batalha é preciso se armar. Angariar poder. Depois de conquistar tamanho e força, o artista parte para a briga, estapeando todo mundo. Foi assim com Beyoncé, Madonna e até mesmo Britney Spears, por exemplo.

E poder, convenhamos, a mulher já tem. Agora é torcer para que ouse, choque, bagunce o status quo. Por enquanto, Radical Optimism é a trilha sonora perfeita para lojas de fast fashion em shopping centers.

Jota Wagner

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é repórter especial de cultura no Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.

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