Britney Spears Foto: Reprodução/Internet

Pé na bunda, coragem e falta de foco: há 20 anos, Britney Spears chegava ao auge com “In The Zone”

Jota Wagner
Por Jota Wagner

Lançado em novembro de 2003, o álbum do single Toxic marca o melhor momento da carreira da artista americana

Algumas vezes, no mundo da música, não saber o que está fazendo pode gerar um resultado muito melhor do que foco e planejamento. Foram justamente um coração partido, coragem e falta de foco os elementos que fizeram de In The Zone o melhor álbum da carreira de Britney Spears.

Lançado mundialmente em novembro de 2023, o disco surpreendeu a crítica musical. O ícone juvenil havia “crescido” e se tornado candidato ao posto de rainha dos palcos coreografados do showbizz, pós-Madonna (que, por sinal, colaborou com Spears em uma faixa, Me Against the Music).

Com as letras mais profundas e obscuras de In The Zone, aliadas a ritmos mais voltados para a pista de dança, Britney se expôs em meio a uma transição. Não era mais um menina, ainda que também não havia estabelecido sua maturidade, pessoal e artística.

E foi justamente este não saber o que fazer da vida o maior fermento para o seu disco matador. A artista havia acabado de se separar de um relacionamento com Justin Timberlake. Enquanto namoravam, tudo era público, compartilhado com os fãs e a imprensa sensacionalista. O casal dos sonhos entre os adolescentes americanos.

Quando veio a separação, não foi diferente. A faca entrou mais fundo quando Timberlake afirmou ter sido a parte do casal que entrou com o pé. Questionou, também, a estabilidade psicológica da ex. Pesado. Tanto que Britney, à época encerrando sua turnê Dream Within a Dream (julho de 2002), anunciou um afastamento total dos shows e do circo midiático em que vivia para um retiro de descanso.

Com o coração partido, a artista se escondeu dos repórteres e começou a compor novas músicas sem saber, segundo ela, “para onde queria ir”. Mas a falta de horizontes artísticos, pelo jeito, pairava só no campo consciente. Sem se dar conta, a artista armava para si uma grande virada.

Enquanto dissolvia sua fossa escrevendo letras autobiográficas, ela aproveitou suas férias para conversar com pessoas que pudessem transformar sua carreira. E a lista de gente com quem Britney Spears tomou café dá mostras do quanto ela ansiava por essa mudança, deixando para trás o título de princesinha pop, apesar do sucesso comercial.

Encontrou-se com Timbaland, Missy Eliot, Daft Punk, Willian Orbit e James Murphy, do LCD Soundsystem, com quem até arranhou umas composições. Pediu conselhos, sugeriu parcerias e começou a desenhar mentalmente o que ela queria para si, enquanto artista.

Em novembro de 2022, decidiu que o retiro já havia sido suficiente, e começou a trabalhar em seu novo disco. Provando o quanto ainda estava indecisa em relação à miríade de possibilidades que acabara de abrir, contratou diversos produtores diferentes para a empreitada.

Um time diverso, mas com peso de toneladas: Bloodish & Avant (dupla sueca que depois viria a formar, com o vocalista Andrew Wyatt, o celebrado grupo indie Miike Snow), Moby, Christopher Stewart, The Matrix e R Diddy. Profissionais experientes e antenados com o que as pessoas pediam nas pistas, no começo do novo milênio.

Importante ressaltar que ninguém trabalhou em conjunto. Spears mandou uma faixa para cada um. O resultado foi uma obra eclética, que deu muito certo.

O primeiro single lançado para divulgar o álbum foi Me Against the Music, com feat da Madonna. Aliás, três meses antes, em agosto de 2003, Britney Spears subiu ao palco do MTV Music Awards e cantou duas músicas com Madonna, Christina Aguilera e Missy Elliot, na icônica apresentação que terminou com o beijo as três primeiras. Empoderada, reerguida, cheia de energia e andando com as novas “migas”, a artista dava ali um recado do que estava por vir.

Porém, a faixa que virou a cabeça da crítica no avesso (em relação a Britney, claro), foi Toxic, cujo sugestivo nome poderia remeter a Justin Timberlake. A produção de Bloodish & Avant aplicou um humor denso e festeiro a ela.

Os suecos abusaram das aliterações nas frequências mais graves, coqueluche do momento entre os produtores mais experimentais da época. Em vez da batida da bateria soar como o tradicional “bum” (o chamado “kick”), ouvíamos “buooooauuun”, fazendo com que o quadril pesasse cem quilos em quem a estava dançando.

O uso de sons puramente sintetizados abriu espaço para a voz da cantora, e a primazia no ritmo fez com que a música se tornasse hit nas festas pop de todo o mundo. Alcançou o Top 10 da Billboard e é lembrada, hoje, como o diamante de In The Zone.

A gravadora Jive não queria Toxic como single. Sugeriu (I’ve Got That) Boom Boom e Outrageous. Mas Britney bateu o pé em relação a uma das canções preferidas da sua carreira. Acertou em cheio. Por unanimidade, público e crítica louvaram uma grande obra, extraída de um ótimo disco.

O mais curioso de tudo isso? Ela poderia não ter sido de Spears. Bloodish & Avant ofereceram a base da faixa (sem os vocais) primeiro para Kylie Minogue usar em seu álbum, Body Language. Mas a australiana não gostou do que ouviu e rejeitou a oferta.

Jota Wagner

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é repórter especial de cultura no Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.

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