Nos últimos anos o boom na cena eletrônica brasileira fez emergir para o mundo talentos de diversas vertentes. Vimos artistas brilharem lá fora e aqui dentro, produtores musicais lançando em labels de figuras estelares mundiais de todos os gêneros, de Armin Van Buuren a Richie Hawtin; mas quem está com a bola toda, com a estrela cada vez mais forte por onde passa, é uma DJ, empresária e uma super mulher que ajuda a fomentar a cena techno no país desde o final da década de 90, Eli Iwasa.
Vinte anos se passaram desde que a nossa japa se tornou promoter da Technova no Lov.e, com inúmeras conquistas desde então, mas 2018 tem sido um ano ainda mais promissor. Do sucesso do Caos – clube que ela inaugurou num galpão industrial revitalizado em Campinas em dezembro de 2017 – consolidando-se como um divisor de águas da cena no interior paulista ao trazer artistas do calibre de Laurent Garnier, Carl Craig e Nina Kraviz, aos cinco anos bem vividos do Club 88 (eleito melhor clube do interior no Prêmio RMC 2017), também em Campinas, não é exagero dizer que Eli é hoje uma das principais empresárias do techno nacional. Inclusive participou de dois painéis no BRMC deste ano: representando a ala feminina no gerenciamento de clubes ao lado de gigantes como Laroc e Green Valley, e compartilhando sua caminhada como DJ, empresária e uma das curadoras mais bem sucedidas do cenário no painel do Music Non Stop sobre mulheres no line up.
Se seu lado empresarial vai muito bem, obrigada, como artista ela também acumula milestones desde que decidiu se tornar DJ. Em 2003 foi convidada para participar do Red Bull Music Academy em Cape Town, na África do Sul, na mesma turma de um tal jovem chamado Black Coffee. De lá pra cá, Eli cresceu viajando o Brasil e o mundo, e acaba de retornar de uma tour pela Europa representando o Warung (onde ela acabou de se tornar residente) em superclubs como Egg Londres, Watergate em Berlim e Pacha Barcelona. Em outubro parte para Amsterdã, onde toca na festa do selo holandês Straf-werk e do Kölsch, ao lado de ninguém menos que Recondite, Tiga, o próprio Kölsch e também da ANNA.
Poucos dias após o lançamento de sua música, Sunday Monday (da sua banda Bleeping Sauce com Marco A.S. em que misturam synthspops e pós-punk com os belos vocais de Eli) na compilação La Femme da Austro (selo de música eletrônica da Som Livre), ao lado de algumas das maiores produtoras do país, batemos um papo com Eli sobre carreira e todas essas novidades, confira!
Ouça Sunday Monday
Musicnonstop – Você acabou de voltar de mais uma tour na Europa e em outubro toca no ADE, na festa Straf_werk X Kölsch. Como tem sido a abertura por lá e como sente a troca do seu som com o público europeu?
Eli Iwasa – Percebo que a cada tour que faço na Europa, as gigs tem sido cada vez melhores, com uma recepção super carinhosa por onde passei. Lembro da minha primeira tour na Alemanha que beirou o desastre, quando me bookaram num club de hardcore numa cidade bem pequenininha, tive uma intoxicação alimentar e tinha dificuldade para me comunicar. Voltei para o hotel e chorava de saudades de casa haha. Aí eu olho para esta última viagem, tocando em clubs como Watergate, Pacha e Egg… que evolução! Lógico que tem um aspecto desafiador em encarar algumas das pistas mais exigentes do mundo, mas vejo isto como um estímulo para aprimorar e amadurecer como DJ.
Musicnonstop – E você está mostrando agora novamente seu lado mais criadora com o Bleeping Sauce, que retorna com música nova pela Austro. Você e o Marcão são muito cuidadosos com as sonoridades, mostram diferentes backgrounds com o projeto que aproxima o synthpop das pistas. Como foi gravar desta vez com ele e, se a primeira música foi lançada em 2014, como está sua relação com o canto e a composição agora em 2018?
Eli Iwasa – A Sunday Monday foi uma das músicas que gravamos na última sessão em estúdio que fizemos, e ela é a cara do Bleeping Sauce: cheio de referências dos anos 80 e synths marcantes. Levei uma idéia para a letra e lapidamos o vocal e sua melodia conforme gravamos. Cantar é um processo de aprendizado contínuo para mim – e as aulas me ajudam muito a conhecer melhor minha voz, aprimorar técnica e me dão mais confiança. Foi muito difícil eu perder a vergonha de cantar, especialmente em público, e o Bleeping Sauce me permite amadurecer nestes aspectos. 2018 tem sido um ano de muitas gigs como DJ e foco total no Caos, enquanto o Marco grava seu álbum solo – mas não vejo a hora de retomar nossas gravações!
Musicnonstop – Vinte anos de carreira! Seu início se deu logo num projeto promissor, o Technova, no lendário Lov.e. Quais eram as suas maiores preocupações na época, você se lembra?
Eli Iwasa – Entrei para cuidar do projeto, no lugar do Oscar Bueno que saiu para abrir o Stereo, onde é o D-Edge hoje. O Technova era um projeto novo, entre as duas noites de mais sucesso na época, que eram a Vibe do DJ Marky e o afterhours Paradise, num momento de transição do Lov.e Club, quando a Flavia Ceccato assumiu sua gestão. Minha maior preocupação era fazer um trabalho à altura do que o Lov.e já era na época – afinal de contas, eu estava apenas começando, tinha pouca experiência ainda, mas muita vontade de fazer acontecer. E deu no que deu – com o início do Supernova, que trouxe artistas internacionais como Laurent Garnier, Richie Hawtin, Ricardo Villalobos, Marco Carola, entre tantos outros, junto com os residentes DJ Mau Mau, Renato Cohen e Daniel U.M., as infames noites de sexta feira acabaram se tornando um momento muito importante do techno e house na história da música eletrônica no país.
Musicnonstop: Quando foi que começou a bater aquela vontade de ser DJ e quem são os artistas que mais te despertaram este sonho?
Eli Iwasa – O primeiro disco de techno da minha coleção foi um presente do inglês Chris Liberator – era um EP do Carbine, um de seus projetos. Este disco acabou “chamando” pelo próximo, e o próximo e o próximo, minha discoteca foi crescendo, ganhei um par de toca discos da minha mãe, fiz um curso na Fieldzz… e deu no que deu 🙂 Sempre penso também no DJ Mau Mau como meu grande professor: foram 7 anos juntos no Technova, e cada set era uma aula do que é ser DJ para mim – ser apaixonado pelo o que faz, correr riscos, ter técnica, saber ler uma pista, criar diferentes atmosferas, e acima de tudo, um ser humano exemplar, humilde e generoso. Ele e o Laurent Garnier vão sempre ser minhas inspirações e até hoje, dois dos meus DJs favoritos.
Musicnonstop: Quais foram as melhores lições que você tirou do BRMA na África do Sul, há 15 anos? E, se você tivesse a cabeça e a experiência que você tem hoje, como você aproveitaria ainda mais o projeto? Que dicas você da pra quem ta indo?
Eli Iwasa – Minha participação no Red Bull Music Academy foi o momento em que decidi realmente encarar ser DJ como uma carreira. Ali, em contato com djs e produtores do mundo todo, todos tão apaixonados por música como eu, conhecendo lendas como Bob Moog e Hugh Masakela, pensei: por que não? Tocar era um hobby, minha paixão, e ser uma DJ profissional parecia algo distante, mas eu não queria fazer outra coisa da vida. A troca num RBMA é constante – não só pelas palestras e workshops com gente que você admira, mas especialmente pelas relações que você cria ali dentro, com pessoas que vêm de backgrounds diferentes do seu, que tocam e produzem de outra maneira, que vivem outras realidades sociais – de tudo de incrível que acontece, isto é o mais valioso. Por isso minha dica é para aproveitar cada minutinho, perguntar, aprender, conhecer a cena local, porque são 2 semanas que passam num piscar de olhos, e que vão te marcar para sempre. Eu morro de saudades!
Musicnonstop – Naquela época pouco se falava do papel da mulher na cena. Que desafios você enfrentava lá atrás e que desafios enfrenta hoje, dentro desta questão?
Eli Iwasa – Eu falei um pouco disto no BRMC no painel da WME – acho que a mulher tem que provar muitas vezes ao longo de sua carreira, porque tudo vem antes de seu talento: se você é bem sucedida, é porque ser mulher facilita, porque você é bonita, porque namora com alguém influente, te questionam se você é muito feminina, se você é sexy, não importa o tanto de trabalho árduo, dedicação e capacidade você tenha.
Musicnonstop – Com todo esse avanço das mulheres na cena, como você se sente, ao olhar pro lado e ver tantas outras meninas fodas, muitas delas se inspirando em você?
Eli Iwasa – Uma das coisas mais legais é receber este reconhecimento das meninas, de sentir que elas se sentem representadas de alguma maneira. É uma responsabilidade bem grande, mas espero que meu trabalho possa inspirar outras a acreditarem em seus sonhos, em si mesmas, e nunca deixarem de fazer algo que elas amam tanto .
Musicnonstop – Em 8 meses vocês já transformaram o Caos num dos destinos mais desejados do Techno em SP. O trabalho de curadoria do club tem sido um desafio pra você? Como está sendo, tendo em vista toda a sua bagagem como curadora em outras importantes festas e clubs de SP?
EIi Iwasa – O trabalho de direção artística e curadoria tem sido o foco do meu trabalho há quase 20 anos, então é algo que flui com naturalidade e me traz muito prazer. Adoro pensar nos line ups dos nossos clubs e eventos. Muitas decisões são emocionais, tem muito do nosso gosto pessoal, e buscamos pensar em todas as experiências e atmosferas que conseguimos proporcionar em uma noite. Porque eu também vim da pista, também fui influenciada e inspirada por tantos artistas que respeito e adoro, e esses fatores fazem a diferença no trabalho de curadoria.
O Caos veio não só pra realizar muitos dos nossos sonhos, dos nossos objetivos, mas ele também exige que coloquemos todo o nosso potencial e a nossa experiência ali. Eu sinto que tudo o que eu aprendi, todos os contatos que eu fiz, desde a época do Lov.e Club, que muitas vezes eu não conseguia explorar e colocar isso a favor dos nossos clubs, eu consigo agora no Caos. Todos ali envolvidos estão dando o melhor de si pra fazer algo realmente especial pra Campinas e toda a cena do interior de São Paulo.
Musicnonstop – A próxima abertura do Caos vem forte com a Ellen Allien (e na sequência tem Dixon…). Conte um pouco sobre como foi o processo para trazer a Ellen, e tantos outros bookings acontecendo pela primeira vez em Campinas?
Eli Iwasa – Uma das coisas que tem me deixado mais feliz é a viabilização desses grandes nomes pro Caos e pra Campinas. É um capítulo importante que está sendo escrito, não só por nós, mas por todo o trabalho do Laroc também, fomentando a cena, transformando essa região num centro muito importante hoje, que realmente fincou seu lugar nas rota de grandes turnês internacionais, e a coisa só tende a fortalecer, crescer. Campinas tem uma tradição de música eletrônica que vem desde o Clube Kraft, o Caos é uma evolução, uma sequência desse trabalho que vem sendo feito há quase 15 anos.
A Ellen é um nome que eu sempre respeitei muito, é uma das figuras femininas que eu mais admiro, ela tem um trabalho exemplar na BPitch Control, sempre esteve muito atenta a tudo o que acontece na cena e eu gosto muito do fato dela ter um feeling especial pra descobrir novos talentos, acho a curadoria do selo dela muito corajosa, ela arrisca mesmo, lança artista que depois de algum tempo você vê e estão super estourados, como o Modeselektor, o Apparat, teve um papel fundamental na carreira do Paul Kalkbrenner também. A Ellen é uma figura muito importante na cena de música eletrônica, tanto no house, como no techno e afins. Sempre quisemos trazer ela pra ca, e apareceu essa data meio de último minuto, de sopetão, e lógico que a gente abraçou. A confirmação da Ellen veio praticamente ao mesmo tempo da confirmação do Dixon, e tem muitas outras coisas legais ainda pra vir, a programação do Caos já esta quase em abril então a gente está vivendo um momento muito feliz e de muita realização aqui.
Ouça sets de Eli Iwasa no Sound Cloud
Musicnonstop – Apesar de já ter se apresentado nos maiores clubs e eventos do Brasil e do mundo, se tornar residente do Warung Beach Club te traz um novo leque de possibilidades. Quais são as principais responsabilidades de uma residência desta magnitude?
Eli Iwasa – Ser residente de um club da importância do Warung é uma grande alegria e uma responsabilidade, porque você é escolhida para representar sua visão e seus valores ao lado de todo time de profissionais que fazem o club acontecer. Minha relação com todos ali, especialmente com seu público, é muito afetiva: eu me senti acolhida desde minha primeira apresentação, e o Warung proporcionou alguns dos momentos mais especiais da minha carreira. Esta relação foi se fortalecendo naturalmente ao longo de 2 anos, e ser convidada para fazer parte de seu time de residentes é uma honra – por toda sua contribuição para o desenvolvimento da cena eletrônica no Brasil, por tornar-se um dos mais importantes clubs do mundo… dá orgulho ter um lugar como ele, com um trabalho exemplar, em nosso país.
Musicnonstop – Qual seu recado para artistas que têm o sonho de ser DJ? O que você considera fundamental para consolidar uma carreira na música eletrônica?
Eli Iwasa – O único conselho que tenho a dar ė sempre lembre de quem você é e de onde você veio. Nunca se esqueça porque escolheu fazer isto na sua vida. E não desista. Ser DJ não é só tocar para grande públicos, é compartilhar mú sica que ama, seja para 50 ou 50 mil pessoas.
* Confira mais informações sobre a Ellen Allien no Caos, no dia 25 de agosto, aqui.