TEXTO CLAUDIA ASSEF E LARTE CASTANHA
Migrou-se de Barueri para o Jaguaré, mas o conceito de passar uma noite dançando como loucos numa fábrica ornamentada com instalações de arte, line-up poderoso e a tentativa de produzir pouco lixo seguiu igual na segunda edição do DGTL, festival holandês que estreou em São Paulo em 2017 e teve sua segunda edição realizada no último sábado (5).
A primeira edição já dava sinais de que os holandeses tinham acertado em escolher São Paulo como seu braço sul-americano. Realizado num complexo de galpões onde havia funcionado a Eucatex e depois a Le Postiche, o festival chegou em 2017 com três palcos, cenografia com maquinários expostos, esquadrias piscando em led de diversas cores e instalações de arte. Logo de cara, arrebanhou 9.000 pessoas.
Este ano, com a economia dando sinais de leve melhora, o público saltou para 12 mil almas, que rumaram para uma antiga fábrica de livros no Jaguaré em busca de um line-up com um bom equilíbrio entre house e techno e entre brasileiros e gringos.
Logo na entrada, a pista Generator nos recebeu com a graciosa lenha da paulistana Cashu, figura emblemática da noite de São Paulo, já bem habituada a locações parecidas (porém menores), por conta de sua festa Mamba Negra. Dava pra ver que o público ali presente estava realmente a fim de prestigiar sua maestra Cashu, respondendo com a mesma animação que faz da Mamba uma das festas mais legais de São Paulo.
A escolha do line-up, aliás, deu o merecido peso a alguns dos principais agitadores da cena de festas independentes de São Paulo. Entre os brasileiros, além de Cashu, Davis, Vermelho, Zopelar, Max Underson, Luiz Pareto e Carrot Green foram os escalados. No time dos gringos, estavam alguns nomes aguardadíssimos, como Red Axes, Dax J, Dixon, Daniel Avery, Honey Dijon e Prins Thomas.
Eram 23h quando uma das atrações mais aguardadas pelo público mais maduro do festival se apinhou no gargarejo da pista da Modular para curtir a house bombada da dupla israelense Red Axes. Um dos grandes movimentadores da cena de Tel Aviv há mais de uma década, o Red Axes brilha muito mais quando tem o brasileiro Abrão envolvido, e era justamente esse o live que veríamos ali no DGTL. Ao lado de Dori Sadovnik e Niv Arzi, Abrão é o responsável não só pelos vocais, mas pela vibe colorida e pulsante que sai do palco do Red Axes. Apenas uma reclamação, por que não tocaram o hit Sabor, hein?
Meia-noite, bóra fazer um esquenta com Vermelho, um dos criadores da festa ODD, que nos entregou um set com categoria, como de costume. É sempre muito bom ver nossos artistas com o espaço que merecem e tocando em horário nobre (Davis mais tarde também botou todo mundo pra cima na pista externa, a Frequency, a mais fervida do festival), além dos grandes sets de Zopelar, Pareto, Cashu e Max Underson.
Dali, vamos direto pra pista Generator ver e ouvir Len Faki, um dos nomes mais aguardados entre os technoheads daqui, e pode saber que ninguém se decepcionou. Com versatilidade e precisão, Faki fez um set dinâmico e energético para uma das plateias mais lotadas da festa.
O clima estava quente e DVS1, um dos mais elogiados da madrugada, deu prosseguimento ao baile nessa dobradinha de residentes do Berghain, clube alemão tão famoso por seu rigor no line-up quanto por sua política de barrar clubbers randomicamente na porta. Àquela altura, a pista tinha esvaziado um pouco, pois muita gente queria ver qual é que era a da Honey Dijon, outra atração aguardadíssima. Então foi um tal de sair correndo para a Frequency, porque o pista por lá já estava fritando desde a bombástica apresentação de Prins Thomas & Gerd Janson.
Honey Dijon já havia causado por aqui no Red Bull Music Academy ano passado e agora, novamente, foi um arrasa-quarteirão! Com muita técnica, bom gosto e personalidade, ela deu um passeio e pôs todo mundo pra rebolar com sua mistura de disco, house, techno e o que mais apareceu pela frente. E tome hit que não morre nunca: Green Velvet, Donna Summer, Ultra Nate… A lua brilhava alta lá no céu e a noite era tipo: you’re free, put your hands up in the air e music is the answer!
Bem pertinho, na pista Modular, o povo embalava num set envolvente e hipnótico pelas habilidosas quatro mãos do Adriatique, coisa muito fina. Sempre muito elegantes, eles são o tipo de artista que pode até perder a pista, mas não perde a classe nunca.
Enquanto isso, na Generator, o pau comia com Dax J. O cara engatou uma quinta que ninguém segurou mais. E da-lhe peso, ruído, percussão metálica e batidas quebradas pra todo mundo lembrar que estávamos numa fábrica. Não bastasse ele tocar bem pra caramba, a pista já estava metade ganha, pois o som do britânico é muito tocado nas festas brasileiras. Enquanto muitos de nós fritávamos na Generator, a dupla Rødhäd & Daniel Avery terminava de triturar as pernas de quem seguia no campo de batalha da Modular. A dupla, que já deu o ar da graça em algumas festas de São Paulo, entregou o bastão para ninguém menos que Dixon. Velho conhecido das pistas brasileiras, o alemão amanheceu botando os houseiros pra dançar sem pena.
Na pista Generator, a mais technêra, Ben Klock foi o escolhido para encerrar os trabalhos, mostrando por que é um dos maiores nomes do techno atualmente. Fez um set impecável com harmonia, vibração e seriedade, mas bem longe de ser frio ou apenas cabeçudo. Respaldado por técnica e talento, Klock tem rara sensibilidade para conduzir uma pista e aqui fez isso com maestria, fazendo todo mundo que estava ali usar até o último fiapo de energia para aproveitar seu som. Um grande final!
Entre os feridos, salvaram-se as filas no bar, uma melhora considerável com relação ao ano passado, além de nossas pernas latejando tal qual um maratonista em final de prova. Entre os mortos, o banheiro masculino, que faleceu antes da meia-noite.
No mais, já estamos com saudade do DGTL. Que venha 2019.