DENNIS Foto: Divulgação

Atração do Rock in Rio, DENNIS foi fundamental para popularizar o funk carioca

Jota Wagner
Por Jota Wagner

Saiba mais sobre uma das principais atrações deste sábado, 14

Bem no finalzinho do milênio, este que vos conta a história, junto com o DJ paquistanês radicado na Inglaterra Asad Rizvi, passava um final de semana no Rio de Janeiro para uma festa na saudosa Bunker 94, reduto eletrônico na Barata Ribeiro, em Copacabana. Chegamos no dia anterior, e Asad contou aos nossos anfitriões que gostaria de conhecer um baile funk. Com o relógio próximo de bater meia-noite, a garota que estava conosco no carro, diarista, promoter da festa e moradora da comunidade Rio das Pedras, me contou que “o Baile do Castelo das Pedras era o único em que se podia levar turistas numa boa”.

O carro foi se afundando por aquele cenário louco e distópico das favelas cariocas, até que precisou ser estacionado para que fizéssemos o resto do trajeto a pé, por vielas labirínticas lotadas de botecos minúsculos tocando todo tipo de música popular em volumes inacreditáveis. Ao fim de uma das vielas se abriu uma espécie de clareira, e demos de frente com o tal “castelo”: uma construção inacabada de um salão comercial de dois pavimentos. Na verdade, travata-se apenas de duas lajes e suas respectivas colunas de sustentação, com armações de ferro enferrujado saindo das paredes como espinhos, que serviam de corrimão para a escada, também inacabada. Homem pagava dois reais. Mulher entrava de graça. E a cerveja, anunciada no muro do baile, custava R$ 1,99.

Se para mim, brasileiro, o cenário já era um quadro dos mais surreais, com garotos (vários armados) passando sem camisa, completamente suados, de um lado para outro na frente de um paredão de som de onde se ouvia muito pouco além dos graves absurdos, imagine para um gringo acostumado com uma civilização cheia de regras como a de Londres. Ainda vivíamos a era pré-Cidade de Deus, filme que expôs as favelas cariocas em seu lado mais sinistro para todo o mundo. As histórias sobre os bailes funks, no entanto, já tinham chegado ao ouvido de Asad, antes de vir ao Brasil.

O que eu não sabia, naquela época, é que eu estava ouvindo o som de um garoto que hoje é uma das atrações principais do Rock in Rio 2024, e o maior cachê do mundo funk: o internacionalmente respeitado DENNIS, antes conhecido como Dennis DJ. Mais do que isso, eu e Asad só estávamos lá, no meio do Rio das Pedras, graça a um trabalho de pacificação dos bailes que ele estava propondo, ainda em um esquema “piloto”.

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“No começo, eu tinha que controlar os bailes de corredor”, conta o artista, que iniciou a carreira como residente do Castelo das Pedras aos 16 anos, em entrevista ao Podpah. Nesse tipo de evento, duas turmas se separavam no baile funk, o Lado B e o Lado A, deixando um corredor vazio no meio. Só macho. Quando o DJ soltava o som, os malucos se dividam entre dançar a batida da música ou soltar a bolacha na cara do rival, que estava do lado. Uma coreografia primitiva, pesada, a ponto de fazer o Tyler Durden, do Clube da Luta, parecer um anjinho de missa católica. Durante o momento do corredor, os mais corajosos corriam até o lado contrário, sentavam a mão na cara do outro (ou levavam uma porrada) e voltavam correndo para a proteção da sua turma. Doido demais.

“Chegou uma hora que a violência estava indo longe demais. Só ia homem nos bailes. E o axé estava bombando no Brasil inteiro, com aquela coisa de ‘bota a mão na cabeça, abaixa’, e tal. Então pensei: por que não colocar coreografias no funk?”, segue explicando o DJ.

Mesmo garoto, Dennis já contava com o respeito da comunidade, dos frequentadores do baile, e o apoio nada pequeno dos seus mais recentes patrões, a equipe de baile Furacão 2000, que dominava o Rio de Janeiro. O DJ foi limando as músicas que incitavam a violência, dissipou os corredores do Castelo das Pedras e trabalhou para a segurança de forasteiros que fossem curtir os bailes.

DENNIS

Foto: Divulgação

Outra coisa que eu também não sabia (nem poderia, afinal, não sou vidente) é que eu estava na frente de um cara que, poucos meses mais tarde, ajudaria a explodir o funk no Brasil e no mundo produzindo as faixas Cerol na Mão (Bonde do Tigrão), Um Tapinha Não Dói (MC Naldinho e MC Beth) e Vai Lacraia (MC Serginho) — a primeira, grande responsável por chamar a atenção do gênero no mundo, após ser licenciada para um comercial de TV europeu da Citroen.

Desde garoto, Dennis DJ sempre teve consciência da sua missão no universo do funk. Acabar com seus estigmas de violência e sexualização e, por tabela, desconstruir preconceitos com as comunidades cariocas. Vista como “música de putaria”, Eguinha Pocotó, de MC Serginho, dizia: “O jumento e o cavalinho, eles nunca andam só, quando saem pra passear, levam a égua Pocotó”. Segundo o próprio Serginho, os versos eram cantados para seus netos, em forma de brincadeira. Mas o fato de estarem em uma base funk e de serem dançados pela carismática Lacraia, fizeram com que muita gente subvertesse o sentido, destilando preconceitos.

“As música que eu toco são mais leves. Eu me apresento no Brasil inteiro, em festas de prefeitura, em parques. Lá, tem gente de cinco anos e de 80 anos assistindo. É claro que eu preciso pensar nisso”, continua o músico, que atualmente cumpre uma agenda lotada de shows.

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Dennis se apresenta neste sábado, dia 14, às 21 horas no Espaço Favela do Rock in Rio. Seguirá cumprindo sua sina de mostrar a música inventada nas comunidades cariocas (“a legítima música eletrônica brasileira”, segundo muita gente) para pessoas dos mais diferentes extratos sociais. Em cima do palco, certamente vai se lembrar dos primeiros bailes no Castelo das Pedras, e de como foi responsável pelo gênero musical estar presente nos maiores festivais do planeta.

Jota Wagner

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é repórter especial de cultura no Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.