Conversamos com Ana Garcia, criadora do evento, sobre sua longa jornada, o apoio aos novos artistas e a cena musical de Recife
Ana Garcia coleciona feitos em sua carreira. É uma das primeiras mulheres a empreender no cenário de festivais. Mete a cara, desde 2004, ano de construção do festival No Ar – Coquetel Molotov, um evento que, como ela mesma menciona, exerce a função dos festivais de antigamente: apontar tendências, mostrar novos artistas ao público e servir como um fomento ao cenário musical local.
Recife, há tempos, é um dos epicentros pulsantes, vulcânicos, da música brasileira. Mas isso não significa que não seja preciso jogar lenha neste fogo todos os anos. Filha de músicos (fazedores de festival, também), Ana é radialista, e comanda o programa homônimo diariamente, na Universitária FM. Há 25 anos!
O Coquetel Molotov, que se orgulha em ser um apontador de tendências no pais, celebrará a vigésima edição ao ar livre, no campus da UFPE. Agrega, também, uma feira voltado ao mercado musical, gratuita, e serve com um esquenta para a grande festa. As palestras, debates e encontros rolam entre os dias 18 e 20 de outubro. O festival, em dia único, acontece dia 21 de outubro, com nomes que vão de Marcelo D2 a Badsista e Boogarins. Confira a programação completa no final da entrevista.
Ana Garcia abriu as janelas de sua casa, às vésperas do evento, para falar conosco.
Jota Wagner: O Coquetel Molotov está prestes a fazer 20 anos. Conte um pouco sobre o começo dessa jornada.
Ana Garcia: Antes de virar um festival o Coquetel Molotov era programa de rádio, que existe há 25 anos. Eu venho de uma família de músicos clássicos. Minha mãe é pianista, meu pai é maestro e eles têm um festival de música chamado Virtuose, que já existe há mais de 25 anos.
Eu vi a minha mãe trazendo esses músicos incríveis, trazendo o mundo inteiro para Recife, né? E ela conseguia trazer sem pagar grandes cachês. Uma galera amante da música, sabe?
Sim…
Só que ela está trazia, tipo, melhor violinista, o melhor violoncelista e tal. E eu pensei: “bom, se ela consegue fazer isso, a gente também pode trazer umas bandas que a gente gosta, né?”.
Porque aqui já existiam outros festivais de música, mas com um recorte voltado para para bandas maiores, de rock nacional, MPB… Desde que começamos, fomos para um lado mais bandas de garagem, umas bandas mais indie.
Em 2024, havia aquela explosão da música independente…
Sim. O festival que me inspirava nos Brasil era o Tim Festival, que trazia aqueles artistas tão legais para uma galera mais indie. Foi quando veio o Teenage Fanclub, que nós amávamos, e acabamos conseguindo rodar com o show deles. Fizemos no Curitiba Pop Festival, que também aconteceu na mesma época, realizamos alguns shows no Sesc, mas foi uma loucura, porque a gente não tinha experiência nenhuma. Imagina, eu tinha 22 anos, naquela época era tudo bem diferente de hoje.
O Coquetel começou mais rock…
Sim. Era um rock indie. Eu curtia muito experimental. No line up a gente sempre tinha umas coisas mais experimentais envolvidas.
Eu vejo o ano de 2009 como um marco muito grande pra gente, porque foi quando deu para sentir na pele essa mudança do mercado no Brasil, né? Com as grandes gravadoras falindo. O mercado independente explodindo, com muitos discos sendo gravados, muitas bandas rodando fora do eixo… Começaram a rolar também muitos editais, voltados para festivais de música.
Então, a cena estava fervendo. A partir daí, a música brasileira começou a ocupar muito nosso espaço. Tivemos essa mudança de chave. Eu acho que o Coquetel Molotov sempre olhou para frente, sempre ditou moda. Só que moda andava um pouco mais devagar, né? (Risos)
Quando a gente gostava de algo, ficava quatro anos trabalhando em cima. Hoje, está uma coisa muito diferente. Muda todo ano. 2022 foi o ano do trap nos festivais, este é o ano do samba, o que vai ser no próximo? As coisas andam um pouco diferentes, mas nós sempre tivemos muito essa coisa de vitrine.
Vídeo: Teenage Fanclub na primeira edição do festival, em 2004
O festival vai acontecer no campus da federal. Sempre foi ali? Como rolou essa parceria?
A gente passou os primeiros dez anos do Coquetel no Centro de Convenções, no teatro da UFPE. Eu tenho background da música clássica e quis levar pro teatro, que eu achava um lugar seguro.
E aí a gente percebeu que é incrível ver shows no teatro, porque o som fica uma coisa explosiva. Um festival imersivo. Depois de dez anos, a gente começou a querer novas experiências. O coquetel já começou como uma experiência, em uma época em que esse termo não existia. Já fazíamos ativações na área externa. Tínhamos uma feira, um mercado…
Em 2013, a gente percebeu que queria levar o festival para uma área aberta. Um dia só, longo, onde você pudesse pudesse ver essa mudança da luz. Então, começamos a invadir lugares inesperados na cidade para levar o evento, que já era de médio porte. Fomos para a Coudelaria Sousa Leão, um lugar de hipismo, onde 99% do nosso público nunca tinha pisado, mas que era incrível, fantástico.
Depois, passamos três anos no Caxangá Golf Club — outro lugar que nem eu e nem o nosso público nunca tinha pisado, e também foi foda. Aqui [em Recife] a gente tem essa possibilidade, é tudo muito central, não é nada tão distante.
Então, voltamos para o campus da UFPE, que chegou com essa proposta renovada. Eles reformaram a fonte acústica. Estão com uma área gigantesca para fazer um evento desse porte, ao ar livre, e a gente quis levar essa 20ª edição para lá. Já fizemos no ano passado e foi incrível.
A programação do festival inclui palestras, atividades mais formadoras…
Negócios, também. Aqui, a gente não tem uma conferência gratuita. Artistas, principalmente do interior, não conseguem ter acesso a essas pessoas, que fazem parte do mercado da música. A gente tem uma dificuldade muito grande, dos artistas daqui viajarem, circularem. As conferências, em geral, são caras. Então a gente queria trazer essa experiência para cá, com esse cunho mais social. Esta é a quinta edição voltada para isso. Fomos, a cada ano, crescendo aos pouquinhos.
Este ano, pela primeira vez, tivemos o apoio da NuBank. Fiquei muito surpresa porque veio da área social deles. Eles entenderam que a gente tem preocupação da gratuidade e de trazer artistas da periferia, além de trazer gente de fora para conhecer esses novos artistas.
Fazer um ponto de encontro, como acontecia nos festivais de antigamente. Um lugar onde você encontra produtores, curadores… Isso acabou ficando inviável no Brasil atualmente, por causa da logística, dos custos.
Então o Coquetel Molotov é um pouco isso, também. Esses encontros são muito importantes, porque a gente precisa estar discutindo o mercado da música o tempo todo.
Os festivais são hubs de transformação para a cena artística de uma cidade. Qual a diferença que você enxerga em relação a isso, comparando os dias atuais com a época em que começaram com o Coquetel Molotov?
Olha, todo dia você pode fazer essa pergunta para mim e eu vou trazer uma resposta diferente, porque tudo mudou. Está tudo muito diferente. Hoje eu posso dizer que na época que a gente começou, o que estava em ação eram os festivais independentes, que tinham preocupação em fomentar as suas cenas. E antes a gente contava o número de festivais nos dedos. A gente tinha, sei lá, 80 por ano. Hoje em dia, temos uns 50 por mês!
Tudo virou festival, né? E mudaram os objetivos. São pouquíssimos os que fomentam a cena e levam novos artistas para tocar. Virou uma coisa pop, né? Muito por parte dessa construção que a gente fez. Mas tem coisas que permanecem muito parecidas.
Eu continuo com a sensação de somos fora do eixo. É um festival do Nordeste, de Pernambuco, que ainda tem muitas dificuldades. Levantar, conseguir verba, incentivo, patrocínios…
Vídeo: Aftermovie da edição de 2019
A curadoria foi feita por você, também…
Sim, principalmente, mas assim, eu já trouxe outras pessoas que trabalham comigo. A IDLIBRA é uma produtora e DJ que faz a curadoria do palco Kamikaze. A gente recebe muito material, a galera faz muito pedido. Temos enquetes para saber o que o público quer escutar.
Essa é uma dúvida de muita gente que está começando na música: “como eu entro em um festival?”. Como que é esse processo para vocês?
Eu já fiz festival em que eu não tinha visto 80% dos shows. Você sente a energia, você começa a pesquisar, sentir. O Coquetel tem essa coisa de dialogar muito com o público. Então, o público pede, a gente escuta, a gente tenta, sabe? E tenta, também, focar em novidade. É um quebra-cabeça, tem que fazer sentido.
Vocês abrem algum tipo de chamamento, onde o pessoal pode mandar material?
Sim, a gente abre um chamamento, junto com os blind tickets [venda de ingressos antes do line up ser anunciado]. Quando você compra o ingresso com preços menores, tem de responder um pequeno questionário, com artistas que gostaria de assistir.
Serviço:
Festival No Ar Coquetel Molotov – 20 Anos
Data: 21 de outubro de 2023, sábado
Horário: A partir das 15h
Local: Campus da UFPE – Cidade Universitária – Recife/PE
Atrações: Marcelo D2, Luedji Luna, Bixarte, Tuyo, N.I.N.A., FBC convida UANA, Badsista, Irmãs de Pau, ÀTTØØXXÁ com Ciel e Ana Suav, Boogarins, Mateus Fazeno Rock e muitas outras
Ingressos à venda via Sympla | Ponto físico no Recife: Casa Moinho (Rua do Futuro, 177, Graças)
Classificação Indicativa: 18 Anos | Pessoas a partir de 16 anos necessitam de autorização por escrito com formulário disponível na Sympla
Mais informações no site oficial
No Ar Coquetel Molotov – Negócios (gratuito)
PROGRAMAÇÃO
PÁTIO DE SÃO PEDRO – RECIFE
QUARTA – 18/OUT
Das 10h às 12h – Casa do Carnaval
Pitchings com novos artistas do Nordeste – Dia 1
14h30 – Núcleo Afro
Mesa: “Futuro da Música: Panoramas, desafios e pitacos sobre a indústria fonográfica”
Com Verônica Pessoa (Altafonte), Chico Dub (Novas Frequências), Lu Adão (Oi Futuro) e Benke Ferraz (Boogarins)
15h30 – Casa do Carnaval
Oficina: “Quantos boletos um cachê paga?”
Com Dani Rodrigues (Foco Na Missão)
16h – Núcleo Afro
Mesa: “A mãe tá on: Maternidade e produção cultural”
Com Isaar, Isis Broken, Allana Marques (Golarrolê), Claudia Assef (WME) e UANA
17h30 – Área Externa – Pátio de São Pedro
Mesa: “Entre babados e gogós afiados – O Brega pernambucano por elas”
Com Nega do Babado, Rayssa Dias, Eliza Mell e Jurema Fox
A partir das 19h – Palco Externo – Pátio de São Pedro
Showcases
19h30 Fykyá (PE)
20h20 Babi Jaques & Lasserre (PE)
21h10 Duquesa (BA)
QUINTA – 19/OUT
Das 10h às 12h – Casa do Carnaval
Pitchings com novos artistas do Nordeste – Dia 2
14h30 – Núcleo Afro
Talk: “Como não pirar na internet”
Com André Carvalhal (Carvalhando)
15h30 – Casa do Carnaval
Oficina: “Oficina de Direção Criativa para DJs”
Com IDLIBRA
16h30 – Núcleo Afro
Mesa: “Patrimônios Vivos: Fazeres de tradição e ancestralidade”
Com Mãe Beth de Oxum, Mestre Galo Preto, Didi (Pagode do Didi) e Michelle Assumpção
17h30 – Área Externa – Pátio de São Pedro
Mesa: “Traviacardo: A revolução afrotranscendente na música contemporânea”
Com Bixarte e MEL
A partir das 19h – Palco Externo – Pátio de São Pedro
Showcases
19h30 Isis Broken (SE)
20h20 Bella Kahun (PE)
21h10 Quinta Nagô: Gabriela Sampaio – Toadas para as Mestras (PE), Afoxé Ogum Toberinã (PE) e Afoxé Omi Sabá (PE)
SEXTA – 20/OUT
Das 10h às 12h – Casa do Carnaval
Pitchings com novos artistas do Nordeste – Dia 3
14h30 – Núcleo Afro
Talk: “Cultura e Justiça Climática: Como a arte pode adiar o fim do mundo?”
Com Marcelo Rocha (Instituto Ayika) e Yane Mendes (Rede Tumulto)
15h30 – Casa do Carnaval
Oficina: “A engenharia da música Pop”
Com Pablo Bispo
16h – Núcleo Afro
Mesa: “Putaria no flow de N.I.N.A do Porte”
Com Dandara Pagu e N.I.N.A
17h30 – Área Externa – Pátio de São Pedro
Talk: “Hip Hop real: 50 anos de uma cultura que salva vidas”
Com FBC e Lenne Ferreira
A partir das 19h – Palco Externo – Pátio de São Pedro
Showcases
19h30 – Mariana Rocha (PE)
20h20 – Bruno Berle (AL)
21h10 – Luiz Lins (PE)
Datas: De 18 a 20 de outubro de 2023
Local: Pátio de São Pedro – Bairro de São José – Recife/PE
Aberto ao público
Inscrições gratuitas pelo link
Patrocínio: Nunank
Apoio: Sebrae
Realização: Coda Produções
Mais informações no site oficial