Chitãozinho & Xororó. Sertanejo no Rock in Rio Chitãozinho & Xororó. Foto: Reprodução

Do brega ao cult: Como Chitãozinho & Xororó virou hipster

Jota Wagner
Por Jota Wagner

Dupla sertaneja tem alcançado grande prestígio na cena musical do país

Pois é. Nessa loucura de dizer que não te queriam, a molecada foi negando as aparências, disfarçando as evidências. Desistiram de viver fingindo, já que não podem enganar seus corações. Eles sabem que te amam.

Há quase dez anos, estava eu, lá pelas 04h da manhã, breaco até o último neurônio graças a cavalares doses de pisco, em um hostel na cidade peruana de Cuzco. O pessoal havia organizado um karaokê, com jovens de todos os cantos, principalmente de diversos países da América Latina. Quando começaram os primeiros acordes de Evidências, maior hit da dupla, cujos versos eu parafraseei logo acima, vi uma verdadeira catarse. O povo subiu na mesa e começou a cantar a música em português, tomados daquela animação alcoólica que só se vê em festas com karaokês. Argentinos, chilenos, mexicanos, o pessoal do bar, unânimes! Foi louco.

Enquanto todo mundo, no Brasil, ainda estava nessa de “negar as aparências”, Chitãozinho & Xororó eram cult entre nossos vizinhos. A dupla que acaba de celebrar 50 anos de carreira foi uma das principais propagadoras do agronejo, uma subversão da música caipira do interior do país, que deixou a estética do ranchinho beira-chão de lado para levar o gênero ao mundo das fazendas, cavalos caros, acres de soja, chapéus de cowboy e botas cravejadas. Conquistou o Brasil popular e entortou o bico dos puristas e dos jovens intelectuais de boteco. Não era a verdadeira música sertaneja, mas um retrato da subserviência cultural estadunidense. Uma country music abrasileirada.

Mas o tempo passou. E com ele, muita água também correu debaixo dessa ponte que liga as margens do que é “bom” e o que é “ruim” na música. Outras gerações de duplas foram chegando, o cavalo virou caminhonete, o chicote virou celular, e a sofrência, que antes falava de grandes amores perdidos, agora dedicava versos a um rolo que começou e terminou na mesma noite, naquela festa do peão de Barretos.

Na virada do milênio, após décadas de sucesso, as duplas dessa geração, como Leandro & Leonardo, João Paulo & Daniel e Zezé Di Camargo & Luciano, foram ficando para escanteio e, embora ninguém lhes negasse o legado, os holofotes estavam voltados os astros agronejos bonitões que vieram depois.

Mas quem é hit de karaokê nunca perde a coroa (que o digam os integrantes do Raça Negra). Ano após ano, a resistência contra a dupla do interior paulista foi se quebrando, a ponto da música de Chitaozinho & Xororó ser considerada hoje  “sertanejo raiz” pela garotada. Ninguém mais tem vergonha de dizer que gosta. “Eu sei que te amoooooo.”

Pop é pop. É música das massas, que agrada desde a titia mais animada do casamento ao jovem que está na balada. Quando o Rock in Rio anunciou que Chitãozinho & Xororó seria um de seus headliners, viu-se um pequeno incêndio crítico começar nas redes sociais. Mas foi logo apagado pelas águas da prudência. Há décadas nós engolimos atrações populares gringas muito piores. Por que não dar a devida atenção aos astros populares que são ouvidos pelos brasileiros “reais”, que moram longe das capitais e movimentam as engrenagens do país no braço?

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Os irmãos José e Durval Lima, exemplo de solidez de carreira no mundo da música, no entanto, estão indo além. Depois do anúncio do RiR, a dupla esta sendo convidada a entrar na festa dos barões da MPB, a música “popular” brasileira. Chitãozinho & Xororó vão encabeçar também o line-up do festival Turá, o maior do país dedicado somente a artistas brasileiros. A dupla divide o palco com nomes como Chico César, Zeca Baleiro, Nação Zumbi e Djavan, músicos que sempre frequentaram a turma “cult” da música brasileira. Hipsters!

A dupla, porém, não cospe no prato que tanto comeu. Acabou de anunciar uma turnê com 15 shows em estádios de cidades do interior como Maringá, Goiânia, Campo Grande e Campinas. Não deixarão o hype tomar conta somente das grandes cidades. Pode apostar, no entanto, que você vai cruzar com jovens modernosos usando camisetas do Chitãozinho & Xororó no seu próximo passeio a pé pelo bairro de Santa Cecília.

Jota Wagner

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é repórter especial de cultura no Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.

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