Ney Matogrosso Ney Matogrosso no festival The Town, em 2023. Foto: Tati Silvestroni/Music Non Stop

Ney Matogrosso: 5 curiosidades sobre o aniversariante do dia

Jota Wagner
Por Jota Wagner

Há 84 anos, nascia um dos maiores artistas brasileiros de todos os tempos

“Se eu for, o Brasil inteiro vai saber”, respondeu afrontosamente o garoto Ney de Souza Pereira quando seu pai, o militar Antônio Matogrosso, o chamou de “viado”. Mais tarde, o Brasil soube não só que o moleque seria um dos maiores líderes da fluidez de gênero de sua história, como também figuraria no panteão da arte brasileira. Psicanaliticamente, adotou o sobrenome do pai, Matogrosso, quando começou a carreira artística. Mais, chegou a alistar-se na Aeroautica, o que o levou para o Rio de Janeiro. Uma vez na cidade, no entanto, foram-se os aviões e sobraram voos pela boemia carioca.

Ney levantou, segurou e segura a bandeira LGBT+ apenas existindo. E o faz de uma forma única. No primeiro segundo em que se ouve ou se vê o artista no palco, percebe-se sua bissexualidade. Entrou em todos os lugares que quis, de grandes emissoras de TV às vitrolas e corações de um povo preconceituoso e careta. Matogrosso não foi artista (somente) das minorias. Vivia no coração do brasileiro de uma forma incrivelmente aceita. Desde o pedreiro de Ribeirão Preto ao tenente coronel, funcionário da Ditadura Militar,  que promovia bailes em sua casa, enchendo-a de teatralidade e erotismo. Como isso foi possível?

Criado no teatro, o artista adotou uma postura mítica, de personagem sensual, onírico e impossível, permitindo assim sua assimilação pelo grande público de uma forma mais subjetiva. Ney Matogrosso é uma cobra, que entra se esgueirando pelas frestas da porta de casa, serpenteando até a vitrola e convencendo o brasileiro comum a morder a maçã. Sua dança, que performa até hoje, aos 84 anos, escancara isso.

Nascido em 1º de agosto de 1941 e já imortal, Matogrosso apareceu para o underground intelectual brasileiro com a banda Secos & Molhados, atingiu o grande público, e agora brilha em uma longínqua carreira solo, celebrando a liberdade também no universo musical.

Bota a camisa, Ney Matogrosso!

Ney Matogrosso

Ney Matogrosso durante show do Secos & Molhados em 1974. Foto: Madalena Schwartz/Reprodução

Claro que o visual provocativo ainda chocava. Ou melhor, escancarava o que o brasileiro reprimia dentro de si. Esse era o seu veneno. Durante um show em Brasília, em 1974, a esposa de um militar, muito provavelmente retorcendo-se de tesão por aquela figura esguia, mandou o marido ir até o backstage e exigir que Ney vestisse uma camisa para seguir cantando. Não deu certo. “De camisa, não tem show”, respondeu.

Máscara como acidente

Ney Matogrosso e Secos & Molhados

Capa do disco de estreia dos Secos & Molhados. Imagem: Reprodução

Considerados os precursores do glam rock brasileiro por tocarem maquiados, os Secos & Molhados optaram pelo visual mais por acidente do  que estratégia. O primeiro show aconteceu no intervalo de uma peça no Teatro Ruth Escobar, em São Paulo, na qual Ney Matogrosso fazia uma ponta maquiado como ator. O cantor não teria tempo de limpar o rosto e se maquiar novamente. Cantou daquele jeito mesmo. A partir de então, a máscara (e as performances teatrais no palco), viraram marca registrada do grupo.

Chegando com os dois pés na porta

A singularidade estética de um artista muitas vezes leva o público a colocar uma barreira emocional que o impede de leva-lo a sério. Não foi o caso dos Secos & Molhados. Seu primeiro álbum vendeu um milhão de cópias nos primeiros seis meses do lançamento, um número enorme para o mercado fonográfico da década de 70. O frontman também foi, de certa forma, apadrinhado pela televisão brasileira, cujos produtores e roteiristas haviam vindo do teatro, mais livre e explosivo em sua estética (um estilo que eram obrigados a reprimiri diariamente). Quando apareceu aquele deus andrógino, com voz feminina e uma música totalmente provocadora, não faltou esforço para fazer dele um arauto da mudança no brasileiro comum.

Joia Rara

A voz de Ney Matogrosso é efetivamente rara, chamada de “contralto”, um agudo masculino difícil de encontrar no mundo da música. A singularidade o colocou na lista das três maiores vozes brasileiras de todos os tempos, segundo a revista Rolling Stone. Homônimo, o álbum de estreia dos Secos & Molhados figura em quarto lugar no livro Os 500 Maiores Álbuns Brasileiros de Todos os Tempos, de Ricardo Alexandre, que contou com a votação de 162 jornalistas e pesquisadores (incluindo este que vos escreve).

Primeiro festival gay

Mesmo que seja um símbolo para todas as gerações LGBT+ que surgiram após o seu sucesso, Ney Matogrosso declarou a Lilly Scott, antes de subir ao palco para tocar no mais recente Castro Festival, que estaria tocando “pela primeira vez no palco de um festival gay”. Parece absurdo, não é? A real é que Ney sempre foi um artista tão inserido na música pop brasileira que, por muito tempo, foi “grande demais” para um festival voltado às minorias. Quem bom que isso mudou!

Jota Wagner

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é repórter especial de cultura no Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.