
Ney Matogrosso: 5 curiosidades sobre o aniversariante do dia
Há 84 anos, nascia um dos maiores artistas brasileiros de todos os tempos
“Se eu for, o Brasil inteiro vai saber”, respondeu afrontosamente o garoto Ney de Souza Pereira quando seu pai, o militar Antônio Matogrosso, o chamou de “viado”. Mais tarde, o Brasil soube não só que o moleque seria um dos maiores líderes da fluidez de gênero de sua história, como também figuraria no panteão da arte brasileira. Psicanaliticamente, adotou o sobrenome do pai, Matogrosso, quando começou a carreira artística. Mais, chegou a alistar-se na Aeroautica, o que o levou para o Rio de Janeiro. Uma vez na cidade, no entanto, foram-se os aviões e sobraram voos pela boemia carioca.

Ney levantou, segurou e segura a bandeira LGBT+ apenas existindo. E o faz de uma forma única. No primeiro segundo em que se ouve ou se vê o artista no palco, percebe-se sua bissexualidade. Entrou em todos os lugares que quis, de grandes emissoras de TV às vitrolas e corações de um povo preconceituoso e careta. Matogrosso não foi artista (somente) das minorias. Vivia no coração do brasileiro de uma forma incrivelmente aceita. Desde o pedreiro de Ribeirão Preto ao tenente coronel, funcionário da Ditadura Militar, que promovia bailes em sua casa, enchendo-a de teatralidade e erotismo. Como isso foi possível?
Criado no teatro, o artista adotou uma postura mítica, de personagem sensual, onírico e impossível, permitindo assim sua assimilação pelo grande público de uma forma mais subjetiva. Ney Matogrosso é uma cobra, que entra se esgueirando pelas frestas da porta de casa, serpenteando até a vitrola e convencendo o brasileiro comum a morder a maçã. Sua dança, que performa até hoje, aos 84 anos, escancara isso.
Nascido em 1º de agosto de 1941 e já imortal, Matogrosso apareceu para o underground intelectual brasileiro com a banda Secos & Molhados, atingiu o grande público, e agora brilha em uma longínqua carreira solo, celebrando a liberdade também no universo musical.

Bota a camisa, Ney Matogrosso!

Ney Matogrosso durante show do Secos & Molhados em 1974. Foto: Madalena Schwartz/Reprodução
Claro que o visual provocativo ainda chocava. Ou melhor, escancarava o que o brasileiro reprimia dentro de si. Esse era o seu veneno. Durante um show em Brasília, em 1974, a esposa de um militar, muito provavelmente retorcendo-se de tesão por aquela figura esguia, mandou o marido ir até o backstage e exigir que Ney vestisse uma camisa para seguir cantando. Não deu certo. “De camisa, não tem show”, respondeu.
Máscara como acidente

Capa do disco de estreia dos Secos & Molhados. Imagem: Reprodução
Considerados os precursores do glam rock brasileiro por tocarem maquiados, os Secos & Molhados optaram pelo visual mais por acidente do que estratégia. O primeiro show aconteceu no intervalo de uma peça no Teatro Ruth Escobar, em São Paulo, na qual Ney Matogrosso fazia uma ponta maquiado como ator. O cantor não teria tempo de limpar o rosto e se maquiar novamente. Cantou daquele jeito mesmo. A partir de então, a máscara (e as performances teatrais no palco), viraram marca registrada do grupo.
Chegando com os dois pés na porta
A singularidade estética de um artista muitas vezes leva o público a colocar uma barreira emocional que o impede de leva-lo a sério. Não foi o caso dos Secos & Molhados. Seu primeiro álbum vendeu um milhão de cópias nos primeiros seis meses do lançamento, um número enorme para o mercado fonográfico da década de 70. O frontman também foi, de certa forma, apadrinhado pela televisão brasileira, cujos produtores e roteiristas haviam vindo do teatro, mais livre e explosivo em sua estética (um estilo que eram obrigados a reprimiri diariamente). Quando apareceu aquele deus andrógino, com voz feminina e uma música totalmente provocadora, não faltou esforço para fazer dele um arauto da mudança no brasileiro comum.

Joia Rara
A voz de Ney Matogrosso é efetivamente rara, chamada de “contralto”, um agudo masculino difícil de encontrar no mundo da música. A singularidade o colocou na lista das três maiores vozes brasileiras de todos os tempos, segundo a revista Rolling Stone. Homônimo, o álbum de estreia dos Secos & Molhados figura em quarto lugar no livro Os 500 Maiores Álbuns Brasileiros de Todos os Tempos, de Ricardo Alexandre, que contou com a votação de 162 jornalistas e pesquisadores (incluindo este que vos escreve).
Primeiro festival gay
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Mesmo que seja um símbolo para todas as gerações LGBT+ que surgiram após o seu sucesso, Ney Matogrosso declarou a Lilly Scott, antes de subir ao palco para tocar no mais recente Castro Festival, que estaria tocando “pela primeira vez no palco de um festival gay”. Parece absurdo, não é? A real é que Ney sempre foi um artista tão inserido na música pop brasileira que, por muito tempo, foi “grande demais” para um festival voltado às minorias. Quem bom que isso mudou!