A guerra contra o DJ: Entenda por que as livestreams são derrubadas e o que os direitos autorais têm a ver com isso

Amanda Sousa
Por Amanda Sousa

Jogo de empurra entre as plataformas sociais, gravadoras e arrecadadoras de direitos autorais criam limbo que impede DJs de cumprir sua função social de difundir músicas novas e levar entretenimento a quem está preocupado em proteger sua comunidade ficando em casa.

A pandemia provocada pelo novo Coronavírus fechou clubes, locais de música, nos impediu de ir às pistas de dança e, por fim, fez com que ficássemos em casa a maior parte do tempo. Este isolamento social gerou um aumento da demanda por arte e cultura que são acessados de forma remota, entre eles, as lives. Mas como nem tudo são flores, DJs e artistas estão sofrendo com os boicotes das plataformas de livestream e redes sociais, como Youtube, Facebook e Instagram. Esta situação fez com que os artistas migrassem para o Twitch, onde este problema não acontece e é possível fazer uma transmissão ao vivo por até 12 horas.

Para entender, ao longo dos anos o DJ se tornou um dos mais importantes canais de promoção e difusão de música da indústria musical. Pesquisar novos sons, desenterrar jóias perdidas que não tiveram sua devida atenção quando do lançamento e honrar os devidos clássicos faz parte da receita de um bom tocador de discos. Logo, ao correrem para as lives para continuar tocando música, os DJs simplesmente  estão fazendo o trabalho que sempre fizeram. Ainda mais atualmente, quando o poder das rádios diminuiu consideravelmente, muito por conta da internet e do comportamento de consumo de música sob demanda. Nesse contexto, percebemos que o papel do DJ como divulgador de musica que está sendo ignorado por todos.

O DJ, pesquisador e colecionador de vinil Mimi faz lives semanais no Twitch e adotou o aplicativo como sua nova casa. “Deixei de usar o Facebook/Instagram porque as lives não duravam nem 20 minutos e eu não entendo até hoje como isso funciona, porque tem gente que faz lives tocando músicas de outro artista e eu, que às vezes tocava músicas não tão conhecidas, caía. Isso fez com que eu migrasse de plataforma, pois há um trabalho imenso envolvido nisso, como iluminação, pesquisa para selecionar músicas que serão tocadas e tudo o mais. Se todo o seu trabalho é interrompido de repente, não vale a pena.”

DJ Mimi

Paulo Enge, DJ e organizador das festas de dark trance/Hi-tech Cosmic Crew já começou com as transmissões via Twitch. “Fizemos uma festa num domingo e tivemos um pico de 1.600 pessoas assistindo. Só que o problema dessa plataforma é que ela não é muito comum para quem faz música, pois é voltada para games. Então a princípio, muita gente tem problemas porque é preciso que o público migre para essa nova plataforma. Tentamos fazer algumas lives no Facebook e todas caíram e ainda levamos uma advertência, então, principalmente neste momento de pandemia acredito que isso não deveria acontecer, pois tem salvado os dois lados.”

Nós, do Music Non Stop não conseguimos contato com o Twitch até o fechamento desta edição, mas já podemos perceber que a plataforma já começou a reprimir as transmissões ao vivo dos DJs. Podemos perceber que, o endurecimento dessas regras também é uma tendência da plataforma. Porém, é algo que ainda não acontece com frequência. Tanto é que as Diretrizes da comunidade da plataforma de streaming para música especificam que música protegida por direitos autorais não é permitida na plataforma.

DJ Paulo Enge (Cosmic Crew)

Embora quase nada seja válido, existem algumas regras que você precisa estar ciente para evitar que a sua transmissão seja encerrada ou banida de uma transmissão

Cada plataforma tem suas próprias regras sobre as músicas protegidas por direitos autorais e existem alguns princípios básicos que você deve ter em mente. Para isso é preciso estar atento às regras e elas estão sempre mudando, então, é preciso pesquisar e se manter atualizado. As plataformas de streaming geralmente têm vários métodos para localizar e encerrar streams ao vivo e vídeos enviados que contém material protegido por direitos autorais. Já se foi o tempo em que dependia apenas dos espectadores para relatar coisas, embora qualquer usuário ainda possa denunciar ou sinalizar o vídeo. Hoje, algoritmos estão sendo usados para examinar automaticamente o vídeo em busca de material protegido por direitos autorais.

Décio Cruz Sobrinho – Gerente de Departamento de A&R da editora Warner Chappel vê esse formato de lives como uma nova janela que se abriu neste período. “Através das lives os artistas puderam ter consciência do publico que tinham, inclusive os mais antigos. É um termômetro para eles.” Já quando se trata de interrupção da live, Décio alerta que há uma falta de informação e

“é importante ressaltar que as editoras não derrubam lives. Exceto se o autor da música solicitar, mas isso é um processo que precisa ser formalizado. O que acontece é uma falta de informação pois no momento das lives, é preciso colocar na descrição o setlist completo e demais informações, como autor, gravadora, editora etc. E, quando a live é derrubada não é pela editora, é a própria plataforma de streaming, que faz isso como forma de respaldo. Eles colocam erroneamente que a live foi derrubada pelas editoras, mas, na verdade, eles que derrubaram. Não faz sentido a editora derrubar porque toda vez que uma música é tocada, a editora ganha por isso.”

A DJ Mari Rossi também faz lives no Twitch é a favor de uma regulamentação. “Acho que deveria haver uma espécie de formulário de cada plataforma onde pudéssemos especificar, por exemplo, se é uma live patrocinada ou não e se não for, que pudéssemos colocar as músicas que seriam tocadas para que os artistas recebessem, pois todas as plataformas já pagam ECAD e, desta forma, não seríamos derrubados.”

Gabriel Thomaz, integrante da banda Autoramas, é a favor de uma forma mais autônoma de gerenciar suas músicas. “Vejo esse boicote de lives no Facebook como uma coisa arbitrária e acredito que os artistas poderiam ter a liberdade para escolher quais músicas poderiam ser tocadas de forma mais livre.”

Lives patrocinadas

Em meio à pandemia, as lives patrocinadas por marcas assumiram destacada relevância para o meio artístico. Ainda segundo Décio Cruz, recentemente houve um acordo entre o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad) e a União Brasileira de Editoras de Música (Ubem) para pagamentos de taxas que somam 10% por direitos autorais das músicas tocadas nas lives patrocinadas no YouTube. Os shows físicos não devem voltar tão cedo, então esse acordo diz respeito ao passado e ao futuro da música no Brasil, pois as lives foram uma luz no mercado em meio a quarentena.

Novas regras: punição para quem “criar experiência de ouvir música” no Facebook

A partir do dia 1º de outubro o Facebook mudará algumas diretrizes relacionadas à música. Embora a rede social informe que as diretrizes para inclusão de músicas em vídeos nos Termos de Serviço estão em vigor desde 2018, parece que agora, não vai mais ser possível compartilhar clipes de forma exclusiva, nem mesmo shows virtuais ao vivo. Porém, em nota, a rede social informa que “Nós não incluímos novos termos e condições específicos para diretrizes de música no Facebook. Essa política foi escrita em 2018 com base no nosso compromisso, que se mantém inalterado, de apoiar a expressão musical em nossas plataformas e, também, garantir que os nossos acordos com detentores de direitos sejam mantidos.”

Apesar dos DJs entrevistados apontarem o Twitch como a salvação para a continuação de seus trabalhos, as perspectivas também não são boas. A plataforma sofre pressão das organizações arrecadadoras, tem derrubado cada vez mais transmissões (apesar de ainda estar bem atrás dos concorrentes) e alega já ter desde 2018 em seu termo de uso a proibição de veiculação de obras com direito autoral de terceiros. Por enquanto, ainda é o lugar que tem abraçado as festas virtuais, inclusive com opções de capitalização para quem tem seguidoras e uma rotina de transmissões constante.

Apesar de toda essa importância do DJ na sua função de promover e divulgar músicas e novos lançamentos, não parece que há, no horizonte, uma discussão forte a ponto de mudar todo esse cenário. Enquanto nada se resolve, quem está em casa aguarda o momento em que essa discussão resulte num acordo e uma forma de se resolver toda essa situação. O público, ainda hoje, necessita de músicas novas que não sejam entregues pelos serviços atuais de streaming.

O jogo de empurra provocado por este impasse, onde ninguém sabe direito quem deve dar o primeiro passo graças ao complexo emaranhado de organizações e associações de classe que gerenciam o recebimento de direitos autorais coloca gravadoras, DJs e plataformas de streaming em briga. Mas os tapas sobram para o consumidor de música.

Alem de tentar ficar em casa confinado e  proteger a si e à comunidade buscando opções de diversão sem sair de casa, o público tem suas opções de diversões gratuitas reduzidas e, ao buscar cultura musical, fica ainda mais reféns dos algoritmos tão em discussão atualmente. Algoritmos estes que constroem uma imagem do universo criado a partir do umbigo do indivíduo. As músicas entregues ao assinante pelas playlists levam em consideração coisas que ele já sabe que gosta adicionadas com uma ou outra faixa estrutura muito parecida, para lhe dar a sensação de alguma novidade.

Já a entrega de música dos DJs é baseada no conceito da curadoria. Da crítica musical. Ao pesquisar a fundo a música, bons profissionais lhe entregam a música do futuro compreendendo tanto uma estrutura contínua e histórica de composição quanto mostrar ao público que algo diferente está se apresentando. O DJ apresenta o futuro e o algoritmo o passado.

E a nostalgia encarcera.  Como diz o ditado, a mente é como um paraquedas: só funciona quando está aberta.

Todo bom DJ sabe disso.

 

Amanda Sousa

Amanda Sousa é mãe, feminista, tem 30 anos e é formada em Comunicação Social. Natural de São Paulo, atualmente mora em Jundiaí. É apaixonada por música desde que se entende por gente. Vai do punk ao pop, gosta de descobrir sons em todas as vertentes.