Montage fala sobre retorno: “A Capslock vai servir como experimento”
Daniel Peixoto e Leco Jucá, que formaram o duo Montage há 20 anos, conversam com o Music Non Stop
O Montage está de volta, e em grande estilo. Celebrando 20 anos desde sua criação, a banda retorna para tocar no Carlos Capslock Festival neste sábado, 18 de janeiro. Mas não é só isso. Daniel Peixoto e Leco Jucá também farão um show em Fortaleza, cidade natal do duo que sempre os recebe de braços abertos, e trabalham em um próximo lançamento para breve.
Fazendo uma espécie de electro-punk rasgado, hedonista e ativista, o Montage foi uma boa surpresa da primeira década do século. O grupo cearense alçou voo rápido, tocando em todo o país, em grandes festivais e também no exterior.
Mais maduros, mas ainda instigados, Daniel e Leco conversaram com o Music Non Stop para falar de passado, presente e futuro. O show de sábado é só o pontapé inicial para um novo capítulo na história do projeto.
Jota Wagner: Por que o Montage parou em 2009, afinal?
Daniel Peixoto: A gente estava em um período de inseguranças, incertezas. Teve aquele episódio em Londres, em que fui deportado, depois de ficar preso lá [Daniel ficou retido por 32 horas ao chegar no aeroporto de Heatrow, sem explicação nenhuma da imigração inglesa, e teve de voltar ao Brasil]. Depois disso, íamos fazer um show incrível no Tim Festival e deu uma tempestade… Foi uma série de fatores. Acabamos tendo direcionamentos diferentes, cada um queria uma coisa e a gente não estava dialogando. Então decidimos parar.
Foi supertranquilo. Não teve treta ou nada assim. Foram quatro anos muito intensos, de shows todos os finais de semana em cidades diferentes, em países diferentes. Estávamos fisicamente e mentalmente cansados. Começaram a aparecer outras prioridades. Foi o ano em que descobri que ia ser pai, e o Leco já não estava mais afim de morar em São Paulo. Tentamos fazer umas coisas, ele lá e eu aqui, mas não rolou muito porque a gente precisava de conexão, de estar junto. A coisa foi se dissolvendo, comecei a gravar coisas com meu nome, trabalhando.
Fazer música de novo está na cabeça de vocês?
Daniel: Estamos fazendo coisas inéditas desde o final do ano passado, quando me reconectei com o Leco lá em Fortaleza. A gente não sabe se vai ser um EP ou um álbum, mas já temos uma parceria com o selo Vamonos Music, norte-americano. É um selo de brasileiros que atuam nos Estados Unidos, Canadá e México. Eles estão querendo dar uma impulsionada.
A gente começou em uma época analógica. Durante esse hiato, entrou o streaming. Nós só conseguimos colocar nossas coisas na plataforma em 2019. Ficou esse buraco, e a gente está tentando recuperar esses ouvintes. Uma das propostas do selo é essa. Muita gente perguntava sobre onde encontrar nossa música. Temos quatro discos. Três estão no streaming e um outro ainda estamos subindo, produzido pelo Dudu Marote.
Vocês começaram naquele auge do maximal e do electroclash. Hoje, as referências de vocês são as mesmas?
Daniel: A gente fez um laboratório experimental ouvindo coisas que a gente tinha deixado pausadas em 2009. Ouvindo, as coisas que temos pronto são muito frescas. Elas parecem muito com o que está sendo produzido hoje. E mesmo as coisas lançadas em 2005 e 2006, eu também acho que estão muito frescas. A gente também está contando com este show de sábado para comprovar isso. Vamos tocar antes da Jaloo, uma artista superfresh, e eu acho que tem um casamento interessante entre as músicas feitas naquela época com o que está sendo produzido hoje. Humildemente, acho que nosso som continua bem atual.
O setup do show de sábado é o mesmo daquela época?
Daniel: Durante os primeiros anos, a gente contava com vários guitarristas convidados. No retorno, conseguimos colocá-los de volta. Faltava o Carlos Gadelha, que acompanhou a gente em muitos shows, e vai estar com a gente no sábado. Não é tão diferente do que a gente fazia naquela época.
E pessoalmente? O que tem diferente em vocês em relação aos meninos de 2005?
Daniel: Cara, é inevitável que haja um amadurecimento, né? Quando o Montage começou, éramos muito novos. A gente não tinha uma gana profissional. A gente queria se divertir, fazer músicas, beber de graça e ir às festas. A vida passa, as responsabilidades mudam. A gente voltou porque estamos com tesão em fazer, em reviver histórias muito legais do dia a dia. Tem sempre alguém que nos fala como o Montage foi importante para a construção da sua personalidade musicalmente, na formação e também nas pautas que a gente discutia. Hoje, é legal revisitar tudo isso com a cabeça de dois homens maduros, difrente daquela época da loucura.
Tem uma parada bem hedonista nas letras de vocês. Os dois seguem assim?
Daniel: A ideia de chutar o pau da barraca ainda continua. A gente ainda quer falar das coisas que as pessoas fazem, mas não têm coragem de falar. Isso não mudou.
Leco Jucá: Estamos tocando um pouco melhor (risos).
Há uma encanação, para os próximos lançamentos, em soar como o Montage de 2005?
Leco: A gente vem conversando sobre isso, para discutir timbres e tal. Às vezes, a composição é parecida, mas a timbragem, o tempo e os kits vão mudando para soar melhor. Nos testes que a gente tem feito, soa parecido, mas indo para um lado que, não sei se pelo amadurecimento, soa mais oitentista.
Daniel: Mesmo naquela época, a gente nunca teve preocupação de se encaixar em nenhum molde. Estamos fazendo isso hoje, principalmente para se divertir, se reconectar com essas pessoas que falei, que nos dizem que a gente marcou suas trajetórias pessoais de alguma maneira. Eu tenho um filho adolescente. O Leco tem um rapaz também. Então temos essa vontade de dialogar com novas pessoas, que não fazem ideia do que foi o Montage. Mas sem neurose, sem essa preocupação.
O que os filhos de vocês acham do Montage?
Leco: Ele comentou comigo algum tempo atrás: “pai, escutei uma música tua na Mamba Negra“. E eu nem sabia o que era a Mamba Negra.
Daniel: Meu filho já me mostrou várias coisas que ele acha parecido. Uso ele como um consultor. No ano passado estava rolando aquela onda das speed up versions. Fui perguntar pra ele: “tu ouve isso aqui mesmo? Essas músicas aceleradas desse jeito?”. Eles servem com um filtro legal dessas coisas do mundo de hoje.
Leco: É interessante essa nova geração de filhos que veio com essa coisa do trap.
O que é Fortaleza para o Montage?
Daniel: Cara, eles têm um orgulho muito legal lá, do que a gente representou para a música eletrônica e para a cultura queer. Como a gente é de lá e sempre levantou uma bandeira, sempre fez questão de dizer que era cearense, então formou-se um orgulho local e a gente é muito feliz por isso. Nossos shows lá são sempre uma catarse. Sempre tem aquela emoção desde o começo. Tem a ver com a coisa de sermos nordestinos e termos decentralizado essa coisa do electro para além do circuito sudestino. Foi algo que a gente construiu, e essas pessoas estão do nosso lado até hoje. É uma relação muito fiel.
Vocês estão prestes a fazer uma volta de responsa. A Capslock é uma referência underground. Dá um friozinho na barriga?
Daniel: Eu acompanho a Casplock desde o começo. A gente é super amigo do Leandro Cunha, que começou este projeto com o Tessuto. Mesmo quando rolava lá na Trackers, eu era um habitué, então me sinto em casa. No ano retrasado, quando vi que o festival tinha bandas contemporâneas como o NoPorn, eu falei para o Tessuto: “poxa, ano que vem o Montage vai fazer 20 anos”. Ele topou na hora.
Temos expectativas porque a gente vai reencontrar essa galera da cena eletrônica. Passeamos muito por São Paulo, né? Tocamos no Skol Beats, fizemos muita coisa ligada à música eletrônica. Queremos ver quem são as pessoas novas que têm potencial para serem nosso público, porque festival é isso, né? A gente quer misturar o nosso público com a galera nova, e isso vai servir de filtro para ver o que a gente pode continuar fazendo, qual o direcionamento que a gente toma. Essa Capslock vai ser como um experimento. Mas a gente tá super de boa. A gente quer fazer isso, se divertir e se conectar com a galera.
E vão dividir espaço com artistas que de certa forma vocês influenciaram também…
Daniel: Sim. A própria Jup do Bairro falou isso para mim. Que ela faz o que faz hoje porque viu que era possível com a gente. Isso é muito legal, como as coisas são cíclicas. Tô bem animado para tocar com essa galera que surgiu depois do Montage e colocar todo mundo em um barco só.