Masturbação proibida: Duda Brack fala sobre capa erótica censurada nas redes sociais
Cantora e compositora gaúcha precisou mudar a arte de capa de seu mais novo álbum, Proibido Não Gostar
Duda Brack foi arremessada, durante o lançamento de seu novo álbum, Proibido Não Gostar, em uma batalha contra a caretisse. A cantora conversou com o Music Non Stop no momento em que precisou mudar a capa de seu disco graças ao misterioso e inquestionável poder das big techs em censurar conteúdos.
Proibido Não Gostar tem uma temática erótica, sensual, em todas suas músicas, tratando de temas que vão “da putaria ao romance”, segundo Duda, passando pelo direito da mulher em desejar, querer, seduzir e, também, se resolver sozinha. É disso que se trata a arte da capa, mostrando a cantora gaúcha em uma cama, em uma (bela) foto, sugerindo a masturbação. No entanto, depois de confirmar com a Meta (empresa dona de redes como Facebook e Instagram) que o conteúdo com a arte original não seria permitido em suas redes, a artista precisou, a uma semana do lançamento, mudar toda a comunicação.
Em um mundo atual em que a pornografia está a um clique, tanto em websites como em redes sociais, a repressão artística deixou Duda Brack enfurecida.
“Quando o patriarcado pode lucrar com a mulher usando o corpo dela, massa, vale. Se uma gravadora tem uma artista que se posiciona desse jeito, beleza: ela vai ter toda a proteção que precisa nas redes e o aval para poder se comunicar daquela forma, porque a gravadora está fazendo dinheiro em cima daquilo” — Duda Brack ao Music Non Stop.
Terceiro álbum de Duda, Proibido Não Gostar flerta com a música latina em um novo desafio artístico. E a despeito da polêmica imposta ao novo projeto, escancara o amadurecimento musical de quem tem muitas coragens e ousadias, para além da estética.
Conversamos com Duda Brack às vésperas de seu show de lançamento no Rio de Janeiro, na última quinta-feira (11). Em São Paulo, a festa para celebrar o novo rebento musical rola no dia 26 de julho, no Sesc 24 de Maio.
Jota Wagner: Proibido Não Gostar já chegou causando…
Duda Brack: É, porque sou dessas. Cara, essa história da capa foi muito doida. Antes de ser sequer publicada, começamos a fazer o trabalho de imprensa e conversar com alguns veículos. Todos acharam a capa linda, mas começaram a nos avisar de que ela seria derrubada pela Meta se a gente publicasse. Eu já vinha recebendo denúncias na minha rede, esse tipo de coisa. Para mim, é chocante. Afinal, você abre o feed e só tem foto de gente de biquini na praia.
No perfil de qualquer diva pop, a comunicação é tão ou mais ousada do que a minha.
Todo essa discussão em um momento que temos a pornografia a um clique, na internet…
Exatamamente. O Xvideos tá aí, todo mundo usa. Mas uma capa superlinda, poética, que fala sobre masturbação feminina, não pode. E em um ano em que o Brasil para pra discutir a PL do Aborto, eu pergunto: quem é o patrão dos nossos corpos? Quem tem o direito sobre a nossa liberdade sexual e de expressão, no final das contas? Eu acho que toda vez que a gente avança em causas, tem uma força querendo que a gente volte umas casas para trás.
Você comparou a história da sua capa com a da Gal [Índia, 1973]. Há uma comparação com o conservadorismo daquela época e o de hoje?
Exatamente. E os que me ensinaram a ser artista são esses: Gal, Ney Matogrosso, Madonna… Minha capa é inspirada no disco Erotica, da Madonna. Mostrei o ensaio das fotos para o Ney, ele não viu nada de mais. Achou bonito. Na década de 70, tudo era muito mais ameaçador para a sociedade do que é hoje em dia. Graças a Deus, a gente está evoluindo, mas a questão do corpo feminino é mais forte do que isso. Agora eu, como artista independente, não posso me comunicar da forma que eu quero.
Meu disco é sobre sexo, é erótico, e não pornográfico. Fala sobre a temática do sexo, de corpo, alma e espírito, que é como eu enxergo a energia sexual. Eu acho que a energia sexual é sagrada. Não é à toa que gera vida. Deus, essa força que rege tudo, que integra tudo, que conecta tudo, nos deu isso, para a gente poder descobrir muita coisa. Existe muito tabu em torno desse tema e a sociedade precisa se curar, porque já beira a neurose. Tudo aquilo que as pessoas censuram em você, na verdade, estão censurando nelas mesmas.
Pois é, tem um espelho aí. Como você se sentiu com tudo isso?
Hoje é meu show de estreia no Rio. Vou subir no palco doente. Fiquei tão estressada com essa história da capa… Tivemos uma resposta da Meta na semana anterior ao lançamento. Tive que entrar em contato com a minha distribuidora para poder mudar tudo, para saber se não ia prejudicar nas playlists do Spotify. Foi um auê. Dei trabalho para todo mundo.
Eu quero que as pessoas que se identificam com o que eu faço se sintam menos só. Que possam ter uma inspiração, um referencial e um acolhimento. Sei que não estou me comunicando para um público um pouco mais conservador. Pode ser que algumas me vejam cantando e gostem do que eu faço.
Meu primeiro álbum tinha uma pegada mais rock de garagem, e já ouvia comentários sobre minha performance no show. Eu, ali, trepando com o chão, me jogando, batendo cabelo. Essa coisa da energia sexual sempre foi usada por mim. A música sempre foi uma possibilidade para explorá-la. Até eu me entender sexualmente, como eu divido minha sexualidade com o outro. A música me deu esse caminho. Mas não quer dizer que minha música está restrita a isso.
Sobre essa temática; a sua, a do outro, essa energia… Quando você decidiu que Proibido Não Gostar falaria disso?
Não foi uma decisão. As canções foram decidindo por mim. Eu amadureci como compositora. O primeiro disco era mais de intérprete. Tinha músicas minhas e de outras pessoas. De lá pra cá, com o desenvolvimento, apareceram as histórias que eu vivi. Coisas que foram me atravessando e inspirando. Sem perceber, estava com o disco pronto. E foi então que eu entendi que ali existia uma narrativa.
O álbum traz também um guinada musical. Ela veio por que as letras pediam? Mudar demanda coragem….
Mas isso é uma boa qualidade minha. Sou corajosa. Às vezes, isso me dá problemas também. Tem consequências. Mas eu acho que sou uma artista inquieta, não gosto de entregar o que já esperam de mim. Quando lancei É [2015], eu era uma menina de 18 anos. Foi muito despretensioso, embora eu o ache foda, artisticamente. Dentro de uma certa bolha, ele foi um sucesso. Foi aclamado pela crítica. A resposta foi maior do que eu esperava.
Mas eu não queria ficar fadada para o resto da minha vida na caixinha da música experimental. Sinto que tenho mais para dar e quero explorar e descobrir mais. Os artistas que me interessam são assim.
O Proibido Não Gostar é um álbum de MPB pop, com uma abordagem mais dançante. Tem uma coisa mais fácil, sonoramente, de tudo o que eu já fiz. Mas eu acho que é um momento meu de quer explorar e trazer mais coisas para o meu som. Coisas que eu também gosto e escuto, mas que não tinham reverberado ainda no meu som.
O show é sempre mais rock do que o disco, porque ali tem a cantora de palco, a pressão. Mas, como artista, meu pacto é com a liberdade. Quero fazer com que cada álbum seja icônico por motivos diferentes, para que eu possa me descobrir de mil formas.
Bem, de 2015 para 2024, rolou uma vida inteira, né?
Exatamente. Tem muito em mim daquela menina de 2015. Mas eu sou uma mulher. É outra relação com meu corpo, com minha beleza, com a minha autonomia. Nas relações, tudo muda. E isso vai refletir na minha obra.
Para a arte, não tem nada pior do que a caretisse. Como essa situação da censura velada que você sofreu vai se refletir daqui pra frente?
Eu acho que vou seguir incomodada e incomodando. É a opção que tenho. Quando isso aconteceu, fiquei um pouco mexida. Tem que estar com a cabeça muito em dia, né? Graças a Deus, já venho construindo esse lugar de maturidade. Quando chega o hate ou a censura, você começa a se colocar em xeque, às vezes. Por que tenho de me expressar dessa forma? Por que isso é genuíno para mim? E por que isso é um problema para o outro?
Mas aí chega uma hora em que você precisa do “foda-se”. Tem gente que vai gostar e tem gente que não. E aí você começa a se balizar mais, tanto na crítica, quanto no elogio. Nem se inflar e nem ir para o buraco. Vai fazendo o seu.
Você moldou seu show de forma diferente para o novo disco?
Meu novo show é muito mais sobre o universo do Proibido Não Gostar. Essa onda latina. Mas tem versões novas de músicas dos dois primeiros álbuns e várias releituras. Caetano, Gal, Cazuza… Eu acho que o show vai ser um pouco mais rock, sem deixar de lado aquele momento tranquilinho, romântico.