De pianista a rainha do underground, DJ Andrea Gram vem desviando mentes nas pistas de dança há 25 anos

Claudia Assef
Por Claudia Assef

Imagina uma pessoa que gosta tanto do que faz que é como se ela nunca tivesse trabalhado, apenas curtido a vida adoidado. A DJ Andrea Gram é esta pessoa, que vive da música e para música, seja quando está tocando seus ótimos e ecléticos sets ou quando está fervendo com amigos numa pista de dança.

Andrea Gram curte fazer uma pesquisa de campo na noite: “acho fundamental ouvir o que os outros DJs estão tocando”. Fica a dica.

Como ela mesma descreve em sua fanpage no Facebook, “desde quando ceis nem eram nascidos, a Andrea Gram já tava dsviando por aí”, pegando carona no nome de uma das festas em que é residente, a DSviante. Ela começou sua relação profissional com as pistas em 1992, ou seja, lá se vão 25 anos de uma carreira dedicada ao techno, à house e a outros paranauês que ela gosta de tocar – afinal, “pesquisa” é seu nome do meio.

Da metade pro final dos anos 90, Andrea foi residente mensal do lendário Hell’s Club, primeiro afterhours do Brasil, berçário clubber de toda uma geração, que não à toa ganhou o apelido de Hell’s Nation. Ela também entrou pra história com sua festa Club Alien, uma noite de techno que rolava dentro de um teatro!

Além de ajudar a escrever a história da música eletrônica no Brasil, esta paulistana de ascendência romena (ela fala romeno fluentemente, como uma boa ~vampira) continua super na ativa. Residente da Dsviante e da Festa Estranha, Andrea segue firme com seu trabalho de abduzir novas mentes para a boa música de pista. Sem rótulos, freestyle como ela gosta. Claro que esta divindade estava merecendo há tempos um belo perfil aqui na nossa seção #MillerMusic, que reúne gente incrível que faz a noite acontecer. Então aperta o play neste set gravado ao vivo na festa Dsviante na virada do ano e mergulhe na entrevista com miss Gram.

PS. Ela toca na segunda-feira de Carnaval (27), na festa Apenas Uma Noite, com o chileno Alejandro Paz, mais informações aqui.

Ouça Reveillon Vexatório by Andrea Gram @ DSviante

MUSIC NON STOP – Quando você começou a se interessar pelo ofício de DJ? Teve alguém em especial que te serviu de inspiração?

ANDREA GRAM – Bem lá atrás, na minha adolescência, já frequentava os bailinhos do bairro (turma do Fico), clubes e matinês (aka Banana Power), sempre aficcionada por discos e passando o meu tempo nas lojas de importados (Hi-Fi do Iguatemi, Grandes Galerias, London Calling). Tinha também uns vizinhos aficionados em som hi-end e sintetizadores, o que me ajudou bastante a entender como tudo funcionava. Tocava em bailinhos e aniversários de amigos, os mais famosos na casa do Andre Hidalgo (festa da rua Cotoxó) e nas descoladas e históricas do Duilio Ferronato num casarão no Brás (festa Pega Ladrão), mas, oficialmente, me apresentei no Columbia ao lado da lenda Marquinhos MS e Renato Lopes, a noite foi bem especial.

 

MUSIC NON STOP – Você foi residente do Hell’s. Quais são suas memórias mais vivas desses anos loucos?

ANDREA GRAM – Nessa época era residente do clube Tunnel, domingueira em SP onde tocava já um techno bem pesado, mas também me jogava na house e em experimentações, que me fizeram cair no Hell’s Club (O Templo do Techno, como era aclamado). Lembro que no mesmo clube onde comecei (Columbia), aos sábados, tinha uma noite de hip-trip-hop-black-soul descoladérrima, que exatamente as 4h30 se interrompia para dar sequência ao after. Me identifiquei literalmente: DJ Mau Mau com suas mixagens mágicas, interpretando através da música o conceito da festa, nada igual visto até então, uma harmonia geral de acessórios que combinavam com a música, que combinavam com o corte de cabelo, clubbers, moda, tudo muito overflow. Identificação total.

Flyer do Hell’s com Andrea e Mau Mau no line-up: identificação total

MUSIC NON STOP – Sua festa no clube Alien fez história. Como veio essa ideia de fazer uma festa de techno itinerante que passou, inclusive, por um teatro? Isso em 96!!!

ANDREA GRAM – A internet e o Club Alien começaram a dar os primeiros passos juntos, divulgava via fax, e os principais jornais do país veiculavam as informações sobre a festa, saiu até na Gazeta Mercantil (trunfo de assessor de imprensa). Outro meio ultrarrelevante era o Br Raves, um portal de música eletrônica onde os DJs se comunicavam e trocavam informações sobre festas Brasil afora, comandado por Gil Barbara (do recém-extinto site Rraurl). Também recebíamos todas as sextas-feiras dicas quentíssimas da escritora e jornalista de moda Erika Palomino, com sua coluna Noite Ilustrada para a Folha de São Paulo, sem contar com o boost midiático representado pelo jornalista e DJ Camilo Rocha. Enfim, tudo isso para dizer que as festas só aconteciam por causa deles, enquanto isso, a noite pedia lugares diferentes, inusitados. Foi então que surgiu uma aliança com uma grande amiga, a Eva Lyra, que me convidou para a locação de um teatro. Assim formamos, o que eu diria, o primeiro núcleo independente da época.

Synths, discos, baterias eletrônicas sempre foram BFFs da Andrea

MUSIC NON STOP – Você começou em 92, quando a palavra DJ era sinônimo de alguém que tinha isso de tocar como hobby e não como profissão. E ainda por cima sendo mulher. Teve que provar que sabia mixar etc muitas vezes por aí?

ANDREA GRAM – Como era novidade ser DJ, e ainda por cima mulher, era convidada frequentemente pelas mídias, TV e rádio, onde pude contar para todo tipo de público que no Brasil estava se fundindo um novo gênero musical eletrônico. O jornalista Cunha Jr., da TV Cultura, praticamente batia cartão em casa (rs), ele mesmo dizia, polidamente, “me mandaram te entrevistar de novo!”. Mixagem? Tinha que ter uma postura bem firme para encarar uma pista de 800, 1.000 pessoas… E muitos ficavam ao meu redor de braços cruzados só esperando uma mancada (rs), mas eu não deixava e fazia com que entendessem que estavam lá para curtir a música. Mas eu tinha um trunfo, que era tocar bem, mas bem pesado (hard techno), o que me servia de escudo. Lembro que nesse tempo eu tocava muito na Zona Leste, reduto dos cybermanos, e os clubes por lá tinham uma pista menor para as mulheres que não curtiam muito techno, onde tocava Madonna, Pet Shop Boys etc., e o techno dominava a pista principal.

Andrea era rodeada por caras que ficavam doidos pra vê-la dar alguma mancada – o que não acontecia

MUSIC NON STOP – Você adora tocar e também gosta muito de estar do lado de lá da cabine, fervendo, dançando. Acha essencial esse gosto pela noitada?

ANDREA GRAM – Pra falar a verdade, não é essencial. Mas acho fundamental ouvir o que outros DJs estão tocando, ouvir aquele som que você gosta numa pista, num sistema de som bem alto e também ver a reação das pessoas. Adoro sair, pois além de dar o ar da graça acabo conhecendo pessoas interessantíssimas e consigo muita informação musical diferente da minha, quase que um estudo antropológico. Fica a dica.

MUSIC NON STOP – Como era o ambiente musical na tua casa, fala um pouco sobre suas raízes romenas também.

ANDREA GRAM – Meus pais adoravam música, dançavam lindamente, ouvi muito jazz dos anos 50, swing, adoro electroswing, são gêneros sempre bem-vindos no meu repertório. E também música clássica, que estudei durante 13 anos (piano). Mas sempre gostei de rock progressivo: Pink Floyd, Rush, Deep Purple, Jean Michel Jarre… Não sei como nem por que, mas, aos 9 anos de idade, fui num show do Alice Cooper no Anhembi! Ele só tocou uma música e foi banido! Momento histórico! Eu e minha irmã éramos fanzocas (da primeira fase dele, mais pesada). Lembro que toquei uma música dele na Virada Cultural, na Voodoohop, e o Thomash [DJ idealizador da festa] adorou!

Andrea estou piano durante 13 anos e é fã de electroswing: conhecimento musical é a base de tudo, gente!

MUSIC NON STOP – Atualmente você é residente da DSviante, uma das festas mais legais de São Paulo, com Joana Franco e você como figuras emblemáticas. Há também outras meninas fortes na cena. O que você acha que está mudando pra que as mulheres finalmente assumam posições de protagonismo na música?

ANDREA GRAM – A maioria das festas hoje ou são feitas por mulheres ou tem mulheres por trás do charme todo. Vejo que têm um cuidado maior com decoração, com o artista. Acho que ambos os sexos são fundamentais, festas por mim reverenciadas são a Dsviante (claro), Mamba Negra, Blum, Düsk e Vampire Haus. São as melhores organizadas por mulheres aqui em SP hoje em dia. Não vejo desigualdade, o importante é o respeito e o profissionalismo.

MUSIC NON STOP – Se um dia fizessem um filme biográfico sobre você, qual seria uma ótima trilha?

ANDREA GRAMFloating Points, Nuits Sonores, The Field, Over The Ice e Omar-S, Psychotic Photosynthesis.

MUSIC NON STOP – Que música você sempre saca da manga e ressuscita uma pista cansada?

ANDREA GRAM – Adoro re-edits, algo que foi comercial mas que na reedição vem com batidas atuais, isso sempre funciona. Ou hits dos anos 90, dependendo da festa. Na última Dsviante saquei o poderosíssimo hit/hino do Dennis Ferrer, Hey Hey (toquei o DF’s Attention Vocal Mix) e na Festa Estranha toquei Royksopp, What Else Is There (Trentemoller Remix).

Royksopp – What Else Is There (Trentemoller Remix)

MUSIC NON STOP – Quem você gostaria de ver dançando na sua pista um dia?

ANDREA GRAM – Cate Blanchett.

MUSIC NON STOP – Pra terminar, qual é o segredo pra ter a energia que você tem depois de tantos anos de fervo?

ANDREA GRAM – Haha, na real sempre durmo oito horas, não importa o horário. Como sou notívaga, recupero durante o sono, mas também tenho vida ativa pela manhã, durante a semana, muita água de coco, inclusive durante as festas.

UMA NOITE APENAS
Segunda, 27/2, 23h
L’Amour Nightclub
Rua Bento Freitas, 366, República, tel. (11) 3258-3523
Preço: de R$ 20 (antecipado) a R$ 30 (porta)
Line-up: Alejandro Paz, Diegors, Márcio Vermelho e Andrea Gram

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Claudia Assef

https://www.musicnonstop.com.br

Autora do único livro escrito no Brasil sobre a história do DJ e da cena eletrônica nacional, a jornalista e DJ Claudia Assef tomou contato com a música de pista ainda criança, por influência dos pais, um casal festeiro que não perdia noitadas nas discotecas que fervilhavam na São Paulo dos anos 70.