Vitória Zane conversa com o DJ e produtor paulistano Zerb, grande nome do momento na música eletrônica
Imagine que você acorda mais um dia, liga seu notebook, põe seu fone de ouvido e começa a produzir música. E no dia seguinte faz a mesma coisa. No outro também. E assim ao longo de 12 anos. Essa é uma das partes da carreira do DJ e produtor Matheus Zerbini Massa — o Zerb —, que acaba de alcançar um feito inédito para um artista no Brasil: lançar uma colaboração com o Coldplay.
O que antes era para ser apenas um remix do primeiro single do novo álbum do quarteto britânico, tornou-se uma parceria. Zerb x Coldplay – feelslikeimfallinginlove chegou às plataformas de áudio recentemente e ganhou até videoclipe, graças à ousadia (e ao talento, claro) do paulistano ao entrar em contato com uma das bandas que mais admirava. Mas isso não aconteceu da noite pro dia. Um misto de habilidade e constância levou os anos passados do produtor ao presente de ser um dos nomes mais conhecidos internacionalmente da música eletrônica.
De novembro de 2023, sua faixa Mwaki, que conta com os vocais da Sofiya Nzau, do Quênia, foi uma das grandes responsáveis por seu nome viralizar nas plataformas e pistas. O single atingiu o Top 1 das músicas virais do Spotify (e passa dos 162 milhões de streams na plataforma), chegando a mais de cem mil vídeos criados nas redes sociais. Em seguida, veio Addicted, parceria com ninguém menos que The Chainsmokers. Outra bomba: mais de 115 milhões de plays.
Já tendo tocado no Rock in Rio e no Lollapalooza Brasil, Zerb está em plena turnê europeia, onde passou por países como Bélgica (Tomorrowland), Alemanha (Parookaville) e Espanha (Ushuaïa, em Ibiza). Em Londres, prestes a se apresentar na Romênia (no UNTOLD, sendo o único brazuca ao lado de Alok no line-up), ele achou uma brecha na lotada agenda para contar mais detalhes de como tudo tem acontecido.
Vitória Zane: Esses dias você postou uma foto com a legenda: “um mês longe de casa, mas vivendo a minha melhor vida”. E como tem sido essa vida?
Zerb: Eu falei isso porque eu já viajei muito, né? Já tive um grande momento no Brasil assim também. Aprendi a curtir essas viagens. Então nesse último mês, apesar de ter tido muitos shows, eu tô visitando vários países, vários lugares. E eu tô viajando com os meus melhores amigos, que são a minha equipe, que conheço há anos. Então, enfim, eu tô tendo a oportunidade de conhecer esses lugares com as pessoas que eu amo. A situação é muito especial, sabe? Não tá parecendo tanto tempo assim fora de casa….
A música é um mercado de dores e prazeres ao mesmo tempo, né? Com 12 anos de carreira, como você tem lidado com essa inconstância do mercado?
Eu já tive altos e baixos. Obviamente, 12 anos é muito tempo, então é normal ser essa montanha russa. Só que eu venho do meu pior momento. Faz menos de um ano. Eu estava beirando o desespero de não saber mais o que fazer. A música pode ser muito frustrante. Você pode acreditar muito no que você faz e as coisas acabarem não dando certo. Porque até quando dá certo, como deu certo pra mim, é completamente diferente de tudo que você planejou. De um jeito bom, né? Enfim, eu tava prestes a desistir, seguir outros caminhos. Até que uma música mudou a minha vida do dia pra noite.
Foi Mwaki que estourou a bolha pra você? Por que essa música?
Quando você é consistente e faz as coisas com qualidade, é quase impossível de dar errado. A gente só não sabe quanto tempo vai demorar. Pode levar um ano, 12 anos, 30 anos. Acho que a Mwaki foi a música que me deu a exposição que eu sempre precisei. Ela não veio sozinha. Muitas das coisas que vieram depois foram como eu já tinha feito antes. Então as pessoas do mercado começaram a olhar pro meu catálogo e ver: “beleza, ele tava fazendo música há muito tempo, mesmo sem nenhum resultado”. Isso me abriu muitas portas.
Mas o que acho que fez a grande diferença foi a Mwaki ser uma música que vai meio contra a maré de tudo da música eletrônica que estava rolando. Ela tem o pé em diversos subgêneros, mas ela não segue um lado ou outro, e acho que essa foi a diferença. Eu consegui estourar com um som muito único meu. E uma coisa que eu escutei de mais de uma pessoa, é que é uma música atemporal.
E como surgiu o Coldplay?
Com o momento que a Mwaki estava tendo no começo do ano, eu resolvi passar o mês inteiro de janeiro nos Estados Unidos, em Los Angeles, pra abraçar todo tipo de oportunidade. A maior parte dos artistas e do mercado internacional está lá. Nesse período, eu comecei a entrar em contato por e-mail com absolutamente todo mundo que eu tinha interesse de trabalhar. Dois deles foram The Chainsmokers e Coldplay. Com o Chainsmokers foi rápido e fácil. Na mesma semana a gente estava no estúdio, e em um mês eu tava lançando a música.
Com o Coldplay, o retorno foi muito rápido também. A primeira resposta já era suficiente pra me deixar feliz: um e-mail da manager deles falando que o Chris Martin amava Mwaki. Eu já tava disposto a abraçar esse e-mail. Só que eles estão terminando um álbum novo, com agenda bastante complicada… A gente foi tentando [gravar juntos] por diversos meses e não dava certo. Até que em junho eles lançaram o primeiro single do álbum e me convidaram para remixar. Fiz a primeira versão, mandei pra eles e, ao mesmo tempo, a gente viu que durante a minha tour, a gente batia as datas no mesmo local: Düsseldorf, na Alemanha. E aí eles me convidaram pra sentar no estúdio.
A gente fez duas sessões, uma no sábado, outra na segunda-feira, e elas foram incríveis. A conexão foi muito boa entre mim e o Chris. A gente gravou a banda inteira: guitarra, violão, até bateria. Foi uma abordagem diferente de um remix tradicional, porque teve esse trabalho junto com eles. Então, acabou sendo uma versão nova da música.
Quando a gente finalizou, o Chris falou: “eu não considero isso um remix. O que você acha de a gente chamar como Zerb x Coldplay – feelslikeimfallinginlove?. Eu até brinco… Meu manager tava na sessão também, e a gente começou a conversar em português: “o que a gente vai jantar hoje?”. “Ah, não sei o quê…”. “Tá, beleza, pode fechar!”.
KKKKK, só pra dar aquele suspense!
É, foi incrível! Obviamente, foi um processo de meses pra sentar com eles. A ficha caiu mesmo em uma sessão. Quando a gente começou a gravar, o Chris Martin saiu tocando vários instrumentos diferentes pelo piano — violino, chello, uma orquestra… —, e aí nesse momento eu me emocionei muito e fiquei me segurando pra não chorar. “Meu Deus, o que tá acontecendo?”
E o Chris Martin é uma unanimidade, né? É um cara que abraça todos os gêneros e todo mundo é fã. De que forma esse contato com ele extrapolou a barreira musical, no sentido de mudar significativamente a sua vida pessoal?
A gente conversou muito na segunda sessão. Falou muito sobre carreira, sobre vida, ele me deu muitas dicas. Comentei com ele sobre um vídeo antigo que eu gosto muito deles supernovos, o Chris tá até usando aparelho. Ele apresenta a banda inteira e fala: “a gente vai ser a maior banda do mundo”. E eu falei que sempre lembro desse vídeo, porque é algo que me inspira muito.
Esse vídeo é muito legal mesmo! Falando em lembrança, quando a gente marcou essa entrevista, na hora me veio na cabeça um professor na faculdade de jornalismo, o Felipe Schadt. Ele é superfã do Coldplay, foi em todos os 11 shows da banda no Brasil, conseguiu o violão do Chris Martin… Precisava perguntar a ele qual foi o feedback da galera de fora da música eletrônica sobre sua música. Ele me disse que curtiram muito a nova versão e que ela “tranquilamente poderia estar no álbum”. Ele vê muito de você e do Coldplay na produção.
Isso foi algo que rolou durante a sessão. O Chris é um cara muito respeitoso. Ele queria muito saber a minha opinião de tudo. Qualquer coisinha ele perguntava: “mas pra você, isso funciona como Zerb? Isso funciona na música eletrônica? Como você acha que a galera reage no seu show?”. Ele falava: “vamos tentar essa guitarra… O que você acha?” Eu respondia que achava que não precisava. Ele: “então vamos tirar”.
Por isso, tem a minha identidade, mas ao mesmo tempo, e por conta de a gente ter gravado a banda inteira, acaba tendo 100% a cara do Coldplay.
E a faixa foi tão bem recebida pelos fãs que, inclusive, começaram a pipocar várias teorias: “será que o Coldplay vem ao Brasil?”. O Felipe me disse que seria incrível ver essa versão ao vivo, nos estádios, e quem sabe com uma participação sua num show — porque quando eles vêm pra cá, eles chamam artistas brasileiros. Teve uma conversa já desse tipo, ou ainda são coisas pra gente sonhar?
(Rindo) É expectativa pra gente criar mesmo, é tudo segredo! O que eu posso falar é que a gente falou muito sobre o Brasil. Eles têm um carinho gigantesco pelo país, que é onde tem os maiores fãs deles, disparado. Eles falam muito em português.
Você consegue dizer que ainda sente amor pela música como se fosse pela primeira vez?
Com certeza. A música pra mim é tudo. Eu acordo escutando música, eu vou dormir escutando música, e criar música era só um reflexo desse meu amor. Então mesmo se eu não focar mais na minha carreira, vou continuar a vida inteira fazendo música, porque é o que eu mais gosto. E o meu objetivo sempre foi quebrar qualquer tipo de barreira entre minha música, música eletrônica e música em geral. O que eu mais gosto é de sentar no estúdio com artistas diferentes do mundo inteiro, pegar esses meus artistas favoritos, olhar pra uma banda tipo Coldplay, que parece ser impossível, ir atrás e ficar focado até conseguir sentar no estúdio e fazer uma música que soa com o mundo inteiro. Então, sim, eu acho que eu tô com amor pela primeira vez pela música todo dia em que eu acordo.