Em 2017, um ano após a morte de Leonard Cohen, as irmãs Johanna e Klara Söderberg se reuniram com outros artistas convidados no Royal Dramatic Theater, em Estocolmo, para celebrar a vida e obra de um dos artistas mais importantes da história do folk (e não somente).
“We’re tired of being white and we’re tired of being black, and we’re not going to be white and we’re not going to be black any longer. We’re going to be voices now, disembodied voices in the blue sky […]”, anunciam duas vozes femininas que se sobrepõem a uma harmonia no vibrafone.
Em seguida, cumprindo a promessa, elas se desprendem de seus respectivos corpos e um azul-Joni-Mitchell se espalha pelo ambiente aos primeiros versos de Suzanne, canção que inaugura o primeiro álbum do cantor, compositor e poeta canadense.
Em fevereiro deste ano, quando o duo sueco First Aid Kit anunciou o lançamento do álbum Who By Fire, a expectativa era a de um tributo às canções de Cohen, uma releitura folk moderna a duas vozes (e algumas oitavas acima), violões e lap steel. Mas as vinte faixas lançadas hoje quebraram todas as expectativas: não são um tributo. Estão muito além disso.
Who By Fire, gravado em 2017, é um espetáculo tão sonoro, poético – e até mesmo sensorial – que chamá-lo de tributo seria reduzi-lo a uma mera reinterpretação das cinco décadas musicais de Leonard Cohen. Não que reinterpretar canções seja algo ruim; muito pelo contrário: tratando-se de um artista canônico, é o mais seguro a se fazer diante de tal responsabilidade. Entretanto, Johanna, Klara e artistas convidadas e convidados tomaram as canções para si e as lapidaram como se fossem suas próprias, enquanto Leonard, em essência, é o pano de fundo para este espetáculo.
Atravessando toda a carreira de Cohen (de Songs of Leonard Cohen a You Want It Darker), as canções do show vão se entrelaçando a declamações de sua poesia, como The Asthmatic, cuja força motriz reside na potência do verso “You cannot breathe”. Sua atemporalidade nunca se esvai; se acumula no decorrer do álbum.
Chegando ao fim, com So Long, Marianne, o coro de vozes engrandece o espetáculo em uma reverência quase litúrgica. Agora, todas elas estão prontas para novamente encarnarem. E é com essa sensação, como de quem sai e apaga a luz, que os versos do poema You’d Sing Too são declamados: “You’d sing too / if you found yourself / in a place like this“. Absolutamente.
De maneira corajosa, a First Aid Kit se apropria – no melhor sentido da palavra – da vida e obra de um dos maiores artistas de língua anglófona, honrando seus versos e melodias em um espetáculo que desfaz as fronteiras entre verso e música, céu e chão, espaço e tempo. Who By Fire é uma cerimônia e deve ser ouvido e apreciado como tal.