Utopia Tropical Foto: Reprodução/Internet

Em novo doc, Noam Chomsky e Celso Amorim analisam cem anos de manipulação política

Ricardo Giassetti
Por Ricardo Giassetti

Dirigido por João Amorim, Utopia Tropical foi lançado no último dia 07, no Festival do Rio 2023

Atenção: alerta de spoilers para quem tem acompanhado as notícias e a história só pela grande mídia.

Noam Chomsky é uma das vozes mais contundentes contra a opressão dos EUA no cenário global desde os anos 1960. Um ancestral de Julian Assange, Aaron Swartz e Edward Snowden com seu livro Manufacturing Consent. Celso Amorim é um diplomata brasileiro que já foi embaixador e ministro das relações exteriores do Brasil por mais de 50 anos, com uma posição assumidamente progressista.

No novo documentário de João Amorim, Utopia Tropical – A História não se Repete, mas às vezes rima, o diretor organizou entrevistas que analisam um século da estratégia destrutiva do capitalismo e das potências econômicas sobre o seu quintal das Américas. O filme foi lançado no Festival do Rio 2023, no último dia 07.

Um fato tem sempre uma história que se desdobra como um fractal, um zoom-in até onde puderem chegar os nossos registros. A situação atual da América Latina tem um roteiro que vai em marcha-à-ré da ascensão da extrema-direita no cenário político mundial, remete ao impeachment de Dilma Rousseff, à crise dos sub-primes, à Guerra ao Terror dos anos 1990, ao governo Reagan, aos golpes patrocinados em repúblicas da América Latina, à crise do petróleo dos anos 1970, ao assassinato de JFK, à Segunda Guerra, Grande Depressão de 1929, à Revolução Industrial e à colonização britânica.

O filme cria um panorama resumido e surpreendente para quem nunca tinha ligado os pontos ou sequer sabia que esses pontos existiam. “Utopia Tropical vai além da América Latina. Explora temas que ressoam em todo o mundo, incluindo economia, paz, desigualdade, mudanças climáticas, pandemia. O documentário transcende fronteiras geográficas, oferecendo perspectivas que ecoam globalmente”, comenta o diretor.

Desde a Grande Depressão, quando as famílias não tinham renda, os sindicatos eram ativos e pelo menos havia esperança. Havia partidos políticos, escritórios anarquistas e muita cultura. Depois da Segunda Guerra Mundial, a Inglaterra se tornou uma assistente dos EUA e a hegemonia precisou de uma estratégia que eliminou acordos de desenvolvimento na região. Um Secretário da Guerra dos EUA chamava a América Latina de “our little region over here” (“nossa pequena região ali”).

Em um mosaico sócio-econômico, Chomsky e Amorim explicam as flutuações e mutações da política econômica externa dos EUA para a América Latina. Primeiro, uma questão estratégica e política, que ao longo dos anos 1950 até 1970 servia para contrapor estrategicamente o inimigo na Guerra Fria.

A questão geográfica deixou de ter importância quando, nos anos 1970, com elementos como Guerra do Vietnã, Richard Nixon e a crise do petróleo, as cartas mudaram de mão. Os democratas dos EUA deixaram de representar a classe trabalhadora para serem representados por jovens de carreiras corporativas bem-sucedidas. Com a desregulação da economia, abriu-se uma avenida que transformou a política global em interesses capitalistas. A desregulação teve um efeito bizarro e imediato, forçando os governos a saldar as dívidas de bancos, empresas e outras instituições financeiras. Antes, não haviam crises. Hoje, elas são corriqueiras.

De uma maneira ou de outra, a instrumentalização da América Latina no tabuleiro internacional sempre acarretou perdas à sua população. Quando há uma luz de esperança, forças internas e externas se movem para retroceder as conquistas sociais e econômicas. A utopia tropical, portanto, permanece sendo um plano impossível de ser consumado.

A guerra híbrida de hoje não conta com armas e bombas, mas com o controle das federações nacionais, do empresariado, da mídia e das redes sociais. Desde a depressão até a “década de ouro” (2003-2013) dos países mais pobres, chegamos ao cenário atual: nada de melhora nas condições de vida da população ou distribuição de riquezas.

Ficha técnica:

Direção: João Amorim

Roteiro: João Paulo Reys e João Amorim

Argumento: João Amorim e Rafaela Camelo

Elenco: Noam Chomsky e Celso Amorim

Direção de Animação: César Coelho

 

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Ricardo Giassetti

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Ricardo Giassetti fundou a Mojo Books em 2006 — hoje Instituto Mojo de Comunicação Intercultural — para promover a aproximação entre as mais diversas culturas por meio da literatura e do livre acesso ao conhecimento. O website mojo.org.br hospeda uma biblioteca livre de obras em formato digital. Consultor de cultura participativa, remix e localização cultural.