Underworld Underworld – foto: divulgação

O que deu no Underworld? Nova música soa como “cópia de si mesmo”

Jota Wagner
Por Jota Wagner

Ouvindo Denver Luna, a impressão é a de que o aquecimento global descongelou um artista com roupas de 1996

Está um tanto quanto difícil compreender o objetivo da dupla britânica Underworld, um dos bastiões da música eletrônica mundial, ouvindo seu mais novo lançamento, Denver Luna.

No mundo da música, algumas frases estão gravadas na memória coletiva da humanidade. Tão repetidas, elas vão além do sentido literal das palavras conjuminadas, nos trazendo toda uma cena, uma imagem envolvida.

“Toca Raul!”, por exemplo. Feche os olhos, ouça a frase e imagine o tiozão motociclista, mamado de cerveja, gritando para a banda na frente do palco, durante o intervalo entre as músicas, não importa se o artista está fazendo show de black metal ou forró.

Outra clássica é a de que “eles viraram cover de si mesmos” — esta, de alcance mundial, desferida por roqueiros que, insatisfeitos, detonam uma banda que toca o mesmo som de 30 anos atrás, só que pior.

De certa forma, ambas as expressões se aplicam para criarmos o ambiente propício para falar de Denver Luna, a “nova” música do Underworld, lançada na última quarta-feira (18). Parar no tempo e tentar recriar a própria roda, com a carroça em movimento.

Claro que o objetivo da dupla formada por Karl Hyde e Rick Smith, com esta estranha sobreposição de fórmulas, pode e será alvo de discussões. Alguns podem classificá-la como uma homenagem aos áureos tempo da eletrônica pré-Daft Punk, quando lotavam estádios ao lado de Chemical Brothers ou Prodigy.

Para outros (entre os quais se inclui este humilde resenhador), a faixa é quase caduca. Difícil acreditar que Hyde tenha virado para Smith e falado: “Mate, precisamos pagar os boletos, bóra fazer um nova Born Slippy!” — maior sucesso da história do duo, principalmente quando figurou como faixa principal da trilha sonora do cultuado filme Trainspotting, também de 1996.

Talvez, seja somente um caso de bombardeamento comandado por um zangado deus Cronos no surrado hipocampo psicodélico dos dois. No estúdio, pode ser que a composição tenha “evoluído” naturalmente para uma repetição da canção que levou o Underworld, definitivamente, ao estrelato.

Porém, para os que ainda se lembram de Born Slippy, a audição fica estranha. Os mesmos elementos estão lá, um atrás do outro: a velocidade da música, o foco nas frequências mais baixas na batida, com o kick dobrado, soando como um cavalo disparado na ribanceira; os elementos de agudo chegando mais tarde, filtrados para soar bem vintage; e o vocal, cantado em “spoken word”, cheio de delay, entremeado pela paradinha com sintetizadores épicos e emotivos.

A execução vocal em Denver Luna, porém, é um pouco mais grave, mais calma, mais cansada.

A semelhança é brutal, até nas letras.  Enquanto a original começa com…

Drive boy dive boyDirty numb angel boyIn the doorway boyShe was a lipstick boy

… a nova track, por sua vez, tem:

Sleeping girl
Kiss the animal
Telephone the animal
Tomorrow the animal will take me to the moon

Em ambas, a primeira estrofe segue se desenvolvendo em frases ininteligíveis, promovendo uma salada interpretativa que pode, também, ser vista como psicodélica, anfetaminada ou nonsense, ao gosto do freguês.

Será que o garoto de Born Slippy é o “animal” que vai levar a garota para a lua? O traficante de Trainspotting e sua nova cliente?  Vai saber…

Musicalmente, é desconcertante, a não ser que estejamos perdendo alguma coisa na história. Mas isso vai depender de Hyde e Smith explicarem.

E da gente engolir.

Jota Wagner

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é repórter especial de cultura no Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.