“Tuesday Night Music Club” rompeu barreiras e vendeu milhões. Mas por trás de tanto sucesso, ficaram histórias de medo, raiva – e morte
Sheryl Suzanne Crow nunca pensou que atravessar Santa Monica Boulevard, em Los Angeles, seria o mesmo que encarar o mais ardente inferno astral de sua carreira. O music non stop explica a analogia a seguir.
Sem contar o sombrio período em que a ex-professora nascida em 11 de fevereiro de 1962, em Kennett, Missouri, precisou lutar contra o câncer, a temporada que marcou a chegada de Tuesday Night Music Club nas lojas de discos em agosto de 1993 foi a mais estressante, depressiva e paradoxal de uma carreira de quase 40 anos.
Tuesday Night Music Club – é fato – surgiu como uma alternativa pop rock ao som mais pesado do início dos anos 90 (Guns ‘N Roses, Metallica, Nirvana) – e não decepcionou.
Turbinado pelo hit “All I Wanna Do”, o LP debutante de Crow saltou para o 3º lugar na competitiva Billboard, e ganhou fôlego para atravessar a fronteira e conquistar popularidade mundial, com vendas que chegaram perto das 15 milhões de unidades (somente no Brasil, o álbum atraiu quase 500 mil fãs).
Porém, se na parte comercial não há o que se comentar sobre a escalada de Sheryl no universo quase sempre impiedoso do pop, o mesmo não pode ser cravado sobre o que rodeou o processo criativo de Tuesday Night Music Club.
Antes de terça: “O álbum perdido”
Corajosa, Sheryl Crow largou a boa vida familiar no interior dos EUA em 1986 para iniciar um projeto que já vinha amadurecendo havia alguns anos,
Enquanto dividia o palco fazendo backing vocals para estrelas como Michael Jackson (Turnê “Bad”), Don Henley, Foreigner – e até jingles para o McDonald’s – a aspirante a rock star tentava vender sua fita de demos às gravadoras de Los Angeles.
No final de 1991, a persistência de Sheryl finalmente a levou para o estúdio, onde Hugh Padgham – o mesmo produtor de nomes como Sting e Phil Collins – cuidou das suas primeiras faixas originais, gravadas com o apoio de um time já familiar com o ex-The Police, incluindo Vinnie Colaiuta na bateria e Dominic Miller na guitarra.
Toda a aparente pompa e circunstância das sessões não evitou que o projeto fosse abortado.
Ao conferir o produto final, Sheryl avaliou as canções como “superproduzidas”, e preferiu continuar compondo, até que a sonoridade que ela buscava pudesse ser registrada da forma que ela ouvia em sua mente.
Por sua vez, nos arquivos ficaram o resultado das sessões descartadas – e ainda inéditas oficialmente – “All Kinds Of People”, “Father Son”, “What Does It Matter”, “Near Me”, “Indian Summer” “I Will Walk With You”, “When Love Is Over” e “Love You Blind”.
Tuesday Night Music Club: diversão às terças
Apesar dos atritos e diferenças que marcaram o trabalho com Padgham no que seria o primeiro LP de Sheryl, as gravações serviram como um trampolima para sua bombástica – e de fato – estreia no vinil.
Os contatos feitos pela artista naqueles meses levou à “fundação do clube noturno das terças-feiras”. Em outras palavras, Sheryl e um grupo de músicos – incluindo o namorado Kevin Gilbert – encontraram um caminho para dar vida às ideias que surgiram após o fracasso do álbum gravado com o produtor de Sting.
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Em meados de agosto de 1992, Crow, Gilbert (vários instrumentos), David Baerwald (letrista), Brian McLeod (bateria) e Dan Schwartz (baixo) passaram a se reunir no Toad Hall, em Los Angeles, com a missão de começar e finalizar uma canção por noite, sob a tutela do dono do estúdio, o produtor Bill Bottrell. Assim nasceu o Tuesday Night Music Club, o encontro criativo que seria usado por Sheryl para batizar seu futuro bebê musical.
Terça após terça, nada parecia entrar no caminho dos amigos. Mas o fim da história não foi totalmente feliz. Longe disso.
Tuesday Bloody Tuesday
Quando Tuesday Night Music Club aterrissou nas lojas em 3 de agosto de 1993, o disco não fez o barulho que Sheryl imaginava. Na verdade, a impressão global sobre o álbum é que ele é um produto de 1994. Afinal, foi preciso esperar que “All I Wanna Do” entrasse em alta rotação nas rádios, em julho daquele ano, para que as vendas disparassem.
Os singles anteriores (“Run Baby Run”, “What Can I Do For You” e “Leaving Las Vegas”) soavam como músicas acima da média, mas não tão pegajosas – apenas anunciaram que Sheryl estava na praça – e pronta a encarar as consequências da fama.
E essas consequências chegaram mais rápido do que Sheryl Crow seus novos fãs pudessem imaginar.
Deixar Las Vegas não foi uma opção
No minuto em que Sheryl Crow prendeu a respiração e armou um sorriso amarelo para responder a uma questão de David Letterman, o astral da cantora, que parecia angelical, inverteu completamente a polaridade.
Era 21 de março de 1994, e a participação da cantora no Late Show, que ainda teve a presença do lendário Bing Cosby, tinha potencial de alavancar Tuesday Night Music Club antes mesmo do hit “All I Wanna Do”.
A única missão de Crow naquela noite era promover o single “Leaving Las Vegas”. O que parecia tranquilo se tornou infernal após a exibição do programa.
David Letterman – “Leaving Las Vegas…é uma canção autobiográfica?
Sheryl Crow – (engolindo seco). Sim, com certeza, mas nunca vivi lá.
O momento crucial quando Sheryl Crow respondeu a primeira coisa que veio à sua mente provocou reação imediata de seus parceiros de Tuesday Night Music Club.
Crow nega até hoje, mas os músicos que ajudaram a compor e gravar o material juram até hoje que ela sabia tudo sobre a verdadeira história por trás de “Leaving Las Vegas”.
A primeira informação é inegável. A ideia principal da música é conhecida: foi levada ao Toad Hall pelo letrista David Berwald. Ele, por sua vez, era amigo de John O’Brien, novelista e autor do livro de mesmo nome (o livro serviria ainda como base para o roteiro do longa Despedida de Las Vegas, com Elizabeth Shue e Nicolas Cage).
O’Brien sofria de depressão e decidiu tirar a vida em meio ao sucesso de Tuesday Night Music Club.
Forte o suficiente para esperar
Durante meses, Sheryl e seus agora “ex-companheiros”, conviveram com o fantasma de O’Brien. Além do peso nas costas e na alma promovido pelas acusações contra Sheryl sobre “Leaving Las Vegas”, os músicos iniciaram outra campanha pesada contra a artista.
Na versão deles, Sheryl pouco contribuiu musicalmente com Tuesday Night Music Club. O único alívio para essa longa temporada no inferno, chegaria com as palavras da irmã do suicida.
“Meu irmão ficou furioso quando Crow apareceu no Letterman e falou sobre “Leaving Las Vegas”, revelou mais tarde Erin O’Brien.
“Apesar disso, muitos rumores surgiram sobre a história. Eu garanto, entretanto, que esse fiasco não foi a causa de sua morte”, afirmou a irmã do escritor.
Ninguém disse que seria fácil
Tuesday Night Music Club completou três décadas de aclamado desempenho. Para marcar o aniversário, Sheryl relançou o disco em download e streaming, com mixagem Dolby-Atmos – a mais nova trend do gélido universo digital (nota ed: pois nada supera uma mídia física – nada).
Em 1994, entretanto, Sheryl decidiu que todo o clamor sobre seu disco não bastaria se ela não provasse que poderia compor a maior parte de suas próximas canções.
Logo após a jornada céu-inferno que marcou Tuesday Night Music Club, Sheryl partiu para Nova Orleans, onde passou meses finalizando no Kingsway Studios o que seria Sheryl Crow, o segundo – e eternamente complicado – LP da carreira.
Em sua mente, apesar de romper temporariamente relações com o produtor Bill Bottrell no meio do caminho, Sheryl Crow estava determinada a acertar – e a não ser mais assombrada pelos fantasmas do passado.
Ledo engano. Ainda haveria mais lágrimas para chorar. Em 18 de maio de 1996 – quatro meses antes do novo álbum vir à luz – o ex-namorado Kevin Gilbert foi encontrado morto em seu apartamento. O que acreditavam ser mais um suicídio, foi retificado como morte acidental.
Ninguém disse que a nova jornada na tortuosa estrada de Sheryl Crow seria mais fácil.