De Bowie a Blur: 9 grandes trilogias da história da música
Explore as trilogias que capturam o momento em que os maiores da história reinventaram seu som e revolucionaram a música
Na Cabala e na numerologia, o número três significa criação, expressão, expansão, alegria e comunicação. Na Bíblia, é um número sagrado que explica algo completo e perfeito. Pitágoras e sua Escola de Mistérios o consideravam número da expansão, da lei e do dinheiro. Na música, o três significa a fase áurea de um grande artista. O momento de criatividade extrema, de inovação, de estourar no norte com suas trilogias.
Com o tempo, críticos musicais e público começaram a identificar, em um monte de bandas e artistas seminais no mundo da música, três álbuns em sequência que delimitam seu ápice criativo. Uma fase da vida em que os filhos da mãe tocam o divino, surfam nas nuvens, antes de voltar ao universo dos comuns. Sãos as trilogias de álbuns. Um, dois, três discos emendadinhos, um atrás do outro, que te fazem cair o queixo durante a audição e se perguntar: será mesmo um ser humano quem fez isso?
Além de fornecer diversão garantida para os ouvintes, as trilogias também são garantia de diversão nas discussões sobre música. É preciso explicar o fenômeno. Às vezes, tem a ver com a fase da vida do compositor, às vezes é devido à formação perfeita da banda, ou então à contratação daquele produtor tarimbado que deu o talento. E há casos também em que a explicação fica para níveis espirituais, como a trilogia solo dos Beatles, que falaremos mais tarde.
David Bowie – A Trilogia de Berlim
David Bowie resolveu fugir dos Estados Unidos para se livrar do uso constante de cocaína (tudo bem que Berlim, onde escolheu morar na época, era a capital da heroína). A mudança, muito graças ao livramento da mardita, abriu campo para uma profunda mudança existencial do artista, que se refletiu em sua obra.
Influenciado pela limpeza orgânica e pela imersão sensorial que experimentou na capital alemã, Bowie decidiu que queria fazer arte. Ou, pelo menos, enfiar arte na música pop. O resultado foram três albuns seminais, chamados de “Trilogia de Berlim”: Low (1977), Heroes (1977) e Lodger (1979).
Leonard Cohen – A Trilogia Songs
O cantor e poeta canadense nomeava seus álbuns como títulos de cadernos de rascunhos. Mais do que isso, os arranjos de suas músicas, no começo da carreira, realmente soavam como meras folhas de papeis com versos rascunhados. E no caso de Leonard Cohen, versos sublimes.
Antes de adotar um estranho gosto por sintetizadores baratos e arranjos de churrascaria, o cantor gravava seus versos com um violão e uma interessante sujeira como ambiência. Tudo muito simples, muito direto, muito voltado ao protagonismo das letras. Como as letras do senhor Cohen foram sempre geniais, o resultado foi uma trilogia fantástica, formada pelos seus três primeiros álbuns: Songs of Leonard Cohen (1967), Songs From a Room (1969), Songs of Love and Hate (1971).
The Beatles – A Trilogia Solo
Quando a maior banda de todos os tempos decidiu parar de fazer shows, em 1966, a sua produção criativa era tão grande que, no mesmo ano em que o grupo anunciou sua dissolução (e lançou o álbum Let It Be), todos os quatro integrantes lançaram álbuns solo. Não parou por aí. Para passar um recado de que suas composições eram escanteadas pela dupla de compositores líderes do grupo, John Lennon e Paul McCartney, o guitarrista George Harrison simplesmente lançou um LP triplo, enquanto o batera, Ringo Starr, veio com dois discos.
A saraivada de álbuns serviu para corroborar a hipótese do motivo pelo qual os Beatles foram quem foram: uma banda em que todos os integrantes eram geniais individualmente. A Trilogia Solo é formada por McCartney (1970, de Paul), Plastic Ono Band (1970, John) e All Things Must Pass (1970, George). Cada long play apresentando uma sonoridade diferente, característico de cada Beatle. Foi de derrubar o queixo no chão.
CAN – A Trilogia Damo Suzuky
Embora não seja extremamente conhecida no universo pop, a alemã CAN patina sorridente na pista das grandes bandas da história da música, aplaudida por dez entre dez especialistas no assunto. Um grupo que ajudou a solidificar o cenário de música experimental alemão chamado de krautrock, e a influenciar, além da famosa trilogia berlinense de Bowie, cenários musicais inteiros como o pós-punk e o synth-pop.
O primeiro álbum do CAN foi lançado em 1969, com Malcolm Mooney nos vocais. No entanto, a fase perfeita veio quando Damo Suzuky, malucão japonês que vivia em Berlim, foi convidado a substituir o vocalista original. Com ele, a banda lançou Tago Mago (1971), Ege Bamyasi (1972) e Future Days (1973).
Ramones – A trilogia da porrada
Quando apareceram para o mundo nos clubes underground de Nova Iorque, os Ramones apresentaram uma sonoridade crua e visceral que rapidamente influenciaria todo o planeta. Em apenas dois anos, mudaram o mundo, fazendo um som que é replicado até hoje. O álbum ao vivo (que não entra na “trilogia da porrada”, justamente por não ser de estúdio) foi o It’s Alive, gravado ao vivo em Londres, dia 31 de dezembro de 1977.
Curiosamente, foi aí que a banda se tocou que a sonoridade que criou teria vida curta. Ao retornar para os Estados Unidos, os quatro cabeludos começaram a lançar álbuns com uma produção musical mais limpa e pop, aderindo à onda do pós-punk e da new wave. O tipo de som que criaram e que foi tanto copiado, por muitos chamado de “punk 77”, foi um dos levantes musicais mais incendiários e de curta vida da história do rock. A trilogia começa com Ramones (1976), seu disco de estreia, passa por Leave Home (1977) e termina com Rocket To Russia (1977).
Kraftwerk – A trilogia dos transportes
Amarrado por um tema comum nos três discos — os meios de locomoção —, a verdade é que o Kraftwerk meteu ficha em três discos sublimes a partir de 1974, cuja inovação sonora foi muito mais importante do que a dúvida se a gente vai de trem ou de carro (ou bicicleta, no caso). O grupo estava no auge da experimentação eletrônica e foi responsável por, literalmente, mudar o mundo da música.
O Kraftwerk gostava de versar sobre a vida urbana, as cidades e os objetos. Sua trilogia dos transportes compreende os álbuns Autobahn (1974), Trans-Europe Express (1977) e Tour de France (lançada em single em 1983 e depois em um álbum chamado Tour de France Soundtracks, de 2003).
Wire – A trilogia de estreia
Muita gente considera os primeiros álbuns como uma obra completa, separada em três atos. Algo como inventar algo novo, aperfeiçoá-lo e, no terceiro disco, entregar como algo perfeito. O Wire surgiu nos corredores das escolas de arte inglesas, formado por Graham Lewis, Bruce Gilbert, George Gill e Robert Grey. Ao todo, lançou 18 álbuns de estúdio, mas foram os três primeiros os clássicos seminais de sua carreira, além de influenciadores de muita coisa que veio depois. Pink Flag (1977), Chairs Missing (1978) e 154 (1979) são essenciais em qualquer boa coleção.
Talking Heads – A Trilogia Eno
Este exemplo traz a figura do produtor musical como responsável (ou corresponsável, se assim preferir) pelo apíce da genialidade de um grupo. Junto a Brian Eno, que também produziu a trilogia berlinense de David Bowie, os Talking Heads foram além. Além do previsível, do comum, do pop.
Bastante influenciado por Fela Kuti, principalmente na última peça de sua trilogia, o grupo chafurdou no experimentalismo, nos andamentos polirrítmicos e na música como arte de alto nível mesmo, ainda que acessível ao mundo pop. Afinal, grandes hits do grupo, como Take Me To The River, I Zimbra, Cities e Once in a Lifetime vieram destas três pérolas: More Songs About Buildings and Food (1978), Fear of Music (1979) e Remain in Light (1980).
Blur – A Trilogia da Vida
Três álbuns enfileirados, um ano após o outro, e com temas que, graças aos títulos, remetem à jornada da vida. São assim os petardos que definiram a trajetória do Blur, uma das maiores bandas inglesas de todos os tempos. A série, que começa com Modern Life is Rubbish, de 1993, e termina com The Great Escape (1995), é entremeada pelo grande e imprescindível Parklife, de 1994. Entre o saco cheio com a vida moderna e a grande fuga em forma de redenção do último álbum da trilogia, a banda de Damon Albarn foi perfeita.