Abrindo para Lenny Kravitz, Frejat teve o fim do seu show cortado; resgatamos outras cinco histórias parecidas
O final de semana foi tomado por mais uma treta envolvendo músicos brasileiros em shows de abertura para artistas internacionais. Após apenas dois minutos de atraso, o palco de Frejat foi invadido pela equipe do astro principal, Lenny Kravitz, que desligou os equipamentos da banda e o tirou do palco. O artista carioca, claro, ficou possesso. Há contrato, compromissos, a pontualidade é importante, mas… dois minutos?
O acontecimento voltou a levantar discussões sobre a atitude colonialista na música, vinda de artistas internacionais e, infelizmente, de produtores brasileiros. Vale lembrar que “artista local” só existe no terceiro mundo. Nos Estados Unidos e na Europa, artista é artista. E muitas vezes, principalmente em festivais, um artista brasileiro tem uma base de fãs maior do que as atrações internacionais.
Muito antes de Frejat, vários artistas do país já passaram perrenques nos shows em que dividiram palco com astros gringos. Mudanças de última hora, proibições vindas de equipes internacionais, troca de socos e até greve de banho.
Conheça mais cinco situações em que a relação entre a banda de abertura e a atração principal azedou!
Ultraje a Rigor x Peter Gabriel
Uma tempestade bagunçou todo o line-up do último dia do festival SWU, em 2011, Paulínia/SP. Para resolver o problema, uma reunião entre todas as bandas que se apresentariam nos palcos estabeleceu o compromisso dos artistas em reduzir 15 minutos de cada show.
No palco Consciência tocariam Ultraje a Rigor, Chris Cornell e Peter Gabriel, fechando a noite. Quando a equipe do headliner percebeu que Roger Moreira e sua banda ultrapassaram o tempo de show combinado, se esquecendo da redução de 15 minutos, começou a confusão.
Putos, os gringos invadiram o palco do Ultraje para ajustar os equipamentos de Gabriel e passar a mensagem de que o show já tinha acabado para os brasileiros. O público que estava no SWU testemunhou xingamentos e até agressões físicas. Na briga pública, quem apanhou foi o coitado do Cornell. Como era ele que ainda entraria no palco para tocar entre os brasileiros e Gabriel, o público entendeu que a sabotagem estava vindo da sua banda. No meio da treta, a galera puxou o coro: “ei, Chris Cornell, vai tomar no c*!”.
Angra x Megadeath
O que era para ser uma grande celebração para a banda Angra, convidada para a abrir o show da estadunidense Megadeath em 2016, acabou em uma dor de cabeça sem tamanho. No meio de sua turnê Holy Land Tour, o grupo brasileiro usava a coroa de grande banda brasileira do heavy metal. Dividir o palco com um grupo que representava o gênero desde 1983 dava pinta de uma bela festa. Só esqueceram de avisar o mal-humorado Dave Mustaine, conhecido por seu gênio difícil e por um certo prazer em dificultar a vida de quem se atrevia a tocar antes dele.
O Angra começou a sofrer com problemas como quedas no som e luzes desligadas no meio do show. Enquanto se viravam em cima do palco, seu empresário Paulo Baron resolveu encarar os gringos nos bastidores. “O Dave Mustaine mandou tirar metade do LED, metade da luz e metade do som, inclusive impedindo a venda do merchandising”, contou, em uma postagem nas redes sociais logo depois do show. Indignado com o que faziam com seus “meninos”, foi bater boca com Dave Mustaine. Depois uma sessão de insultos, berros e ameaças, o líder do Megadeth mandou seu segurança brasileiro, conhecido como Night, tirar o empresário do backstage pelo pescoço.
O curioso é que o Night era amigo de infância do pessoal do Angra. Dividido entre o profissionalismo e a camaradagem, juntou Baron pelo pescoço e o arrastou para longe da confusão enquanto implorava “me desculpa, cara, estou fazendo isso forçado”. Logo que foi chutado para fora e com o pescoço em brasa, Baron respondeu ao segurança: “tranquilo, Night, você fez o seu trabalho”.
Sepultura X Sodom
Uma treta entre a banda de abertura e o headliner pode azedar uma noite para todos os envolvidos. Mas e se, depois da briga, os brigões são obrigados a entrar no mesmo ônibus e ainda fazer mais outros 20 shows iguais, regados ao molho de ódio recíproco? Foi o que aconteceu com o Sepultura, quando fez sua primeira turnê pela Europa, em 1989. A gravadora encaixou os brasileiros como banda de abertura em todos os shows da Orange Tour, dos alemães da Sodom.
A confusão começou motivada pelo ciúmes. O Sepultura era a grande novidade no chamado “metal extremo”, e todo mundo na Europa queria vê-los. Seus shows eram mais celebrados do que os da banda principal, o que deixou os alemães irritadíssimos. Dá-lhe sabotagem! O grupo começou a exigir cada vez menos condições técnicas para o Sepultura, tentando fazer com o que a grande apoteose da noite acontecesse ao som do headliner. Ao final de cada show, todo mundo subia para o tour bus, dividindo horas de viagem. Um inferno, que ainda pôde ser piorado graças à vingança do Sepultura. A banda combinou que não tomaria mais banho durante todo o mês, fazendo com que o interior do ônibus se tornasse verdadeiramente tóxico.
Ludmilla x Travis Scott
A manhã de 13 de setembro, primeiro dia do Rock in Rio 2024, começou em polvorosa. Ludmilla avisava que iria cancelar sua apresentação na mesma noite. A equipe da artista recebeu, às vésperas do show, o aviso de que não poderia montar a estrutura de palco que já havia sido aprovada pelo festival. As primeiras informações eram de que a equipe de Travis Scott, ao ver os projetos de palco e cenografia da cantora brasileira, havia surtado. E mais, ela seria proibida de usar a passarela, já montada para os headliners.
O dia rolou quente, com todo mundo se pronunciando em redes sociais e um tremendo “disse que me disse”. Oficialmente, o festival se limitou a informar que “a apresentação da cantora segue confirmada”. De fato, Ludmilla decidiu voltar atrás e manter o compromisso, mas não conseguiu disfarçar o desapontamento durante o show, considerado “sisudo” por muitos. “Infelizmente não aconteceu da forma que eu sonhava”, disse a cantora ao Multishow.
Artistas brasileiros x Rock in Rio II
A segunda edição do Rock in Rio gerou uma expectativa gigantesca no Brasil, graças aos shows históricos de sua estreia. Para os brasileiros, no entanto, o megaevento não foi tão divertido assim. Logo que o primeiro RiR acabou, choveram entrevistas de artistas nacionais reclamando da diferença de tratamento em relação aos gringos. Quando a produção começou a trabalhar na programação da sequência do festival, marcada para 1991, as tretas começaram antes mesmo de os artistas subirem ao palco.
A cada cláusula lida no contrato, o Rock in Rio recebia uma paulada na imprensa, vinda dos artistas brasileiros. Caetano Veloso recusou o convite para se apresentar, depois de saber que todos os brasileiros seriam obrigados a entrar no camarim sempre que um headliner passasse pelo backstage. A estapafúrdia justificativa do festival é que a cláusula servia para “inibir a tietagem dos brasileiros”.
O Legião Urbana, maior banda de rock nacional daquele ano, também recusou o convite, enquanto Renato Russo dava diversas entrevistas detonando o festival. O mesmo rolou com o Barão Vermelho, que estava escalado para o rolê, mas pulou fora quando viu, no contrato, de que eles não teriam direito à passagem de som.
Questionado sobre o assunto, o produtor Dodi Lorena respondeu que, por não haver tempo suficiente para todas as bandas ajustarem o som, a escalação era feita “por ordem de importância”, deixando claro o que pensava de artistas brasileiros. Foi gasolina na fogueira. Até mesmo os que tocaram no festival não seguraram a língua. Perguntado sobre, Humberto Gessinger, do Engenheiros do Hawaii, mandou essa, em entrevista à TV Cultura: “desde o o tempo do Império existe essa onda de brasileiro ficar abrindo as pernas para o que vem de fora”.