The Clash The Clash em 1977. Foto: Adrian Boot/Reprodução

Há 47 anos, The Clash aparecia para o mundo com seu 1º single

Jota Wagner
Por Jota Wagner

A partir de White Riot, grupo britânico viria a se estabelecer como “a única banda que interessa”

Quando o The Clash surgiu, formado por integrantes de uma banda anterior que não deu certo, a London SS, todo mundo sacou sua missão: mostrar para uma molecada furiosa que o melhor de Londres não eram os londrinos, mas as pessoas que se mudaram para lá.

A banda formada por Joe Strummer, Mick Jones, Paul Simonon e Nick Headon é tudo o que os puristas de extrema-direita odeiam: uma celebração à miscigenação cultural. Mais do que isso, Strummer e sua turma se assumiam como pupilos de toda a galera imigrante que vagava pelas ruas de uma cidade cujos sons, cheiros e sabores a transformavam na Babel dos anos 70.

O Clash mergulhou fundo na capital inglesa e foi muito além, se tornando uma das bandas mais interessantes da história — ou “a única banda que interessa”, segundo a revista The New York Rockers, em 1977.

Patti Smith
Você também vai gostar de ler A mulher que inventou o punk

Enquanto misturava de forma pioneira punk-rock com reggae e dub, Strummer e Jones versavam sobre problemas do terceiro mundo, guerrilheiros e injustiças sociais, muito mais sob a ótica do imigrante do que do jovem alienado inglês, súdito da rainha e pertencente a uma terra que já havia criado centenas de ícones do rock’n’roll. Seu grande segredo, portanto, foi falar para esses jovens, de fora para dentro.

White Riot, o single de estreia do grupo, saiu em 18 de março de 1977. O lado B do compacto, por sinal, é 1977. Dois clássicos instantâneos. A letra da música de trabalhava falava sobre um quebra pau entre a comunidade negra londrina e a polícia, que começou após prisões arbritárias durante o Carnaval de Nothing Hill, em 1976.

Depois de assistir a shows dos Sex Pistols e Ramones em Londres, os integrantes do The Clash decidiram que não podiam perder tempo. Pensavam grande. Em um dos shows da banda nova-iorquina na Inglaterra, esperaram pelo grupo na saída dos fundos do club, todos vestidos de guerilheiros. Johnny Ramone conta em sua biografia, Commando, que quando saíram pelo beco, quatro moleques olharam para ele e disseram: “nós seremos muito maiores do que vocês”.

Dono das melhores letras do cenário londrino de 1977, o grupo mostrou à imprensa que aqueles meninos com calças rasgadas e alfinetes tinham alguma coisa na cabeça. Enquanto os Ramones cantavam sobre cheirar cola, os ingleses falavam de racismo, sandinistas, desigualdade social e violência policial.

Musicalmente (e politicamente), enxergaram o quanto o reggae e o punk tinham valores em comum. A última música do primeiro álbum, homônimo, lançado em abril de 1977, é um cover do jamaicano Junior Murvin, cujo nome, vejam só, é Police & Thieves.

A partir dessa sensacional estreia, o grupo foi enfileirando clássicos. Give’em Enough Rope (1978), London Calling (1979), Sandinista! (1980) e Combat Rock (1982). A música do grupo evoluía na velocidade da sua inquietação.

Foi a partir de Sandinista! que Strummer deixou público seu amor por outra cena musical que julgava ter tudo a ver com o punk: o hip-hop nova-iorquino. E esse amor foi retribuído. Depois de terem sido aceitos e respeitados pela comunidade jamaicana em Londres, foram recebidos de braços abertos pela galera dos guetos americanos.

Em 1981, o grupo foi chamado para tocar em Nova Iorque, no Madison Square Garden. Joe Strummer recusou, preferindo marcar oito shows em um espaço menor, o Bond International Casino, na Times Square. Os promoters venderam mais ingressos do que a capacidade de público, o que fez com que a temporada tivesse mais alguns shows extras, para atender a todos que tinham gasto seu dinheiro.

Strummer decidiu, então, convidar astistas de diversos cenários musicais diferentes para as aberturas, mostrando a todos o quão diversa era a banda. Do hardcore negro dos Bad Brains a Grandmaster Flash & The Furious Five; do country de Joe Ely a Lee Scratch Perry, passando pelos Dead Kennedys e vários outros nomes da recém-nascida cena rapper.

A temporada virou o evento para se estar em Nova Iorque. Nomes como Basquiat, Madonna, Robert De Niro, Al Pacino e Martin Scorsese frequentaram vários shows. A banda ainda fazia uma jam com os artistas convidados para abertura. O encontro de cultura deu tão certo, que o The Clash foi uma das bandas de rock mais sampleadas por aquela geração do hip-hop.

Apesar de todo o talento, do sucesso de público e dos discos fantásticos, a banda começou a ruir apenas um ano depois. Em 1982, o baterista Nick Headon foi mandado embora por problemas com drogas. No ano seguinte, foi a vez de Paul Simonon ser demitido. Em 1986, Strummer e Jones anunciaram o fim do projeto.

Muito mais do que egos artísticos e competições internas, biógrafos responsabilizam o comportamento abusivo e controlador do empresário Bernard Rhodes pelo fim precoce do The Clash.

Assim, curto e incendiário como um coquetel molotov lançado em um protesto de rua, o grupo apareceu, encantou, chocou e desapareceu dos palcos, permanecendo vivo e transformador até hoje graças à sua série de discos clássicos, apresentados ao mundo a partir da confusão branca de White Riot.

Jota Wagner

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é repórter especial de cultura no Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.