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Sensação do indie brasileiro, a The Baggios promete um “álbum solar” e abre suas referências musicais em entrevista pra lá de especial

Julico Almeida e Gabriel Perninha conversaram com exclusividade sobre processos criativos e inspirações de seu próximo trabalho, um “álbum solar” para ser lançado no segundo semestre.

Conexões entre a música e o universo sempre fizeram parte das discussões humanas. Do som divino da harpa às playlists da NASA contendo sons aterrorizantes do espaço sideral, nós, reles mundanos, estamos sempre em busca de estabelecer relações entre nós e o desconhecido onde habitamos e nele encontrar novas maneiras de enxergar o entorno.

Essa conversa geralmente tem dois caminhos opostos: o do misticismo, que costuma cair em um lugar-comum já meio fora de moda; ou o do cientificismo, um ambiente cabeçudo que sempre se alicerça na firmeza da realidade para justificar a volatilidade de tudo. Costuma ser muito fácil identificar a expressão desses caminhos por meio da música, a exemplo dos hippies e do conceito de paisagem sonora — encabeçado por Murray Schafer.

Mas existem artistas que ousam encontrar um terceiro caminho, mantendo os pés no chão e a cabeça universo afora, conseguindo ser tudo isso e mais um pouco de uma vez só. E quem faz isso com maestria é a banda sergipana The Baggios. Formado em 2004 na cidade de São Cristóvão, o trio (formado por Julico Andrade, Gabriel Perninha e Rafael Ramos) se encaixa em um seleto grupo de artistas que buscou neste terceiro caminho a essência de seu som — e encontrou. “Dá pra dizer que 50% da gente é essa essência, essa identidade sonora que buscamos desde o começo, e os outros 50% são as nossas influências”, conta Julico, vocalista e guitarrista, ao lado de Gabriel, em conversa com o Music Non Stop. E dentre essas influências estão bandas clássicas que têm no som distorcido o condutor de suas narrativas, como Sonic Youth e Ramones.

The Baggios / Foto: Divulgação

A trilogia

Por isso — e não somente — o The Baggios é, antes de mais nada, uma banda de rock. “O rock está na gente desde sempre; desde que fundamos a banda, lá na adolescência”, conta Gabriel. “Porque o rock tem a capacidade de absorver todos os outros estilos que estão em volta dele, e muito da nossa identidade sonora vem daí”. O primeiro álbum, homônimo, lançado em 2011, é o maior exemplo disso. São canções que bebem diretamente da fonte do blues, mas com uma pegada mais distorcida. O segundo álbum, Sina (2013), já se revela mais lapidado, carregado de elementos nacionais, regionais, e começa a apontar a direção que a banda tomaria.

É em Brutown (2016), trabalho indicado ao Grammy Latino, que eles se encontram e delimitam (para depois extrapolar) os limites de seu território e paisagem sonoros. É um álbum denso, que evoca e provoca a curiosidade por um lugar incômodo e caótico, misturando o urbano com o desconhecido. Julico revela que muito da turbulência das canções é resultado de suas vivências particulares em e com São Cristóvão, mas que reverberam pelo mundo todo — questões sociais, ambientais, escândalos políticos e violência urbana. Tudo isso costurado às 12 canções do álbum, que mesclam riffs de guitarra à la anos 70 com arranjos de sopro e participações especiais como Emmily Barreto (Far From Alaska), Gabriel Thomaz e Érika Martins (Autoramas) e Fernando Catatau (Cidadão Instigado).

Dois anos depois, em 2018, o Baggios retorna com traços mais introspectivos, difíceis (e deliciosos) de decifrar em Vulcão. Com participação de Céu e da banda Baiana System, este é um disco mergulhado em grooves de essência nordestina, timbres ácidos de guitarra, percussão e mais elementos sonoros que constróem uma paisagem tipicamente nacional: árida, misteriosa mas encantadora. É a perfeita expressão do que é o rock brasileiro da nossa época. Um estilo adaptável, flexível, capaz de dialogar com sonoridades e se encontrar com artistas dos mais diversos gêneros. Vulcão foi a segunda indicação da banda ao Grammy Latino, dessa vez na categoria Melhor Álbum de Rock em Português.

 

O álbum solar

Capa do single Mantrayam (2021).

A energia de Vulcão foi tão intensa que Julico, Gabriel e Rafael perceberam que ela transbordaria para um outro álbum. Quando a ideia começou a ser maturada, a pandemia começou e mudou os rumos de planos e processos criativos da banda. “A quarentena me permitiu explorar novas habilidades, ter novos interesses e refletir sobre muitos aspectos da vida e da arte. Nesse sentido, o novo álbum reflete isso de maneira mais aberta, esperançosa”, conta Julico, que é responsável pela produção do novo trabalho e, para tal, transformou seu quarto em um estúdio.

Este será um álbum solar, que encerrará o ciclo iniciado em Brutown e consolidado com Vulcão. Assim como para a maioria dos artistas, o processo criativo do trio mudou bastante, permitindo-lhes explorarem novas formas de compor. “Ao contrário do que costumava ser, eu comecei a compor na bateria e eles [Rafael e Julico] foram acrescentando as guitarras”, diz Gabriel. “Isso foi muito legal porque eu pude ver e aproveitar a guitarra de outra forma”, complementa Julico. Em 2020, eles lançaram duas canções, mantendo a fórmula dos 50% núcleo e 50% volátil: Hendrixiano (autoexplicativo), e Quareterna Serigy, que conta com a participação de artistas sergipanos e dois clipes incríveis produzidos pela própria banda.

 

 

A banda conta que manterá essa identidade sonora (tão única e característica) que vem aprimorando desde o início deste ciclo, criando paisagens que, desta vez, nos levarão a lugares permeados por jogos de luzes e sombras, labirintos e saídas. O clipe da música Mantrayam, contemplado pela Lei Aldir Blanc e lançado no começo desse mês, já adianta e ilustra a ambiência do novo trabalho:

O novo álbum, ainda sem título, está previsto para o segundo semestre de 2021. Gabriel e Julico revelam que ele terá participações e contará com o (já tradicional) arranjo de sopros. 

Durante toda a conversa com os músicos, um incômodo se manteve presente: não consegui explicar em palavras o que no som deles os faz tão únicos. Me dei conta de que não se trata de algo concreto, explicável; um timbre de guitarra, o jeito único de Julico cantar. É algo que transcende o verbal e sonoro e deságua na vastidão do universo e seus mistérios. Para o sol e além dele.

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